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IDIOT PRAYER: Nick Cave Alone at Alexandra Palace (2020)

Disclaimer: Este artigo foi redigido por um estudante externo à redação do Jornal Tribuna, no âmbito do projeto "Dentro da Tribuna". Acrescentamos que foi submetido até à data de 15 de dezembro de 2020.

Fonte: nickcave.com

Distribuído em streaming em julho, “Idiot Prayer: Nick Cave Alone at Alexandra Palace” chegou aos cinemas de vários cantos do mundo a 5 de novembro. Tal como o nome indica, nesta performance, gravada em tempos em que concertos ao vivo nos parecem um passado longínquo, Nick Cave surge sozinho, no Alexandra Palace, em Londres, para revisitar músicas antigas, passear pelas mais recentes, e até estrear uma nova.


“There once was a song that yearned to be sung, é ao som do poema de “Spinning Song”, do mais recente álbum Ghosteen (2019), que Nick Cave nos guia pelos bastidores do Alexandra Palace até um palco solitário: um palácio vazio, apenas com um piano no centro (aliás, não é só um piano, mas sim um polémico Fazioli) e alguns rabiscos a que apenas um artista pode chamar de partituras. “This prayer is for you my love”, termina o poema, introduzindo a música de abertura, que vem dar nome ao filme. Com os primeiros acordes começa cerca de uma hora e meia de filme, ou, aludindo à canção e ao misticismo de Cave, uma hora e meia de oração.


Em Idiot Prayer somos levados numa viagem pela vasta discografia de Nick Cave, desde clássicos como “Brompton Oratory” (1997), até à estreia de novas músicas, como foi o caso de “Euthanasia”. Desta vez ouvimo-lo sozinho, sem a banda Bad Seeds, e as músicas parecem despidas, algumas soam até a novas canções. Neste palco enorme, a voz de Cave e o piano que o acompanha enchem o espaço e, de repente, é o Alexandra Palace que nos parece pequeno. “The Mercy Seat” (1988) troca o seu carácter frenético e agitado pela vulnerabilidade de um tom mais delicado, mantendo-se, porém, igualmente impactante e, de certa forma, assustadora. “Jubilee Street” (2013), conhecida pelo seu intenso crescendo continua a ser digna de arrepios. A interpretação de “Waiting for You” (2019), a música de um pai para um filho que não regressa, é dolorosamente comovente. As baladas a que já estamos acostumados, como “Nobody’s Baby Now” (1994) e “Into my Arms” (1997) tornam esta performance familiar – soam tão bem como sempre, permitindo ao espetador uma pausa para respirar num filme que, por tão sozinho que seja, nos parece tão cheio. A estreia de “Euthanasia” é a grande surpresa do filme. A canção, excluída do álbum Skeleton Tree (2016), marcado pelo tema da morte do filho do artista, encontrou o seu lugar neste filme. Parece encaixar tão bem aqui quanto no álbum a que estava destinada: uma balada cantada numa voz suave, sobre o luto, que Nick Cave põe em palavras melhor que ninguém.


Durante os 90 minutos de concerto, Nick Cave, sozinho, permanece sempre ao piano de onde nos canta, não havendo nenhum tipo de pausa ou interrupção entre as canções sem ser os breves segundos em que muda a partitura. Faz sentido perguntar: quem é que se quer sentar durante tanto tempo a ver um concerto que parece tão inerte? É, de certo, uma ideia arriscada, ambiciosa e com um toque pretensioso, a que o artista já nos habituou. Mas é aqui que entra a fantástica cinematografia, concretizada pelo irlandês Robbie Ryan, que soube tão bem captar a essência da música e da performance de Cave, criando um espaço íntimo onde o espetador se perde na experiência transcendente que é ouvir Nick Cave cantar, sem dar pelo tempo passar.


É difícil classificar se “Idiot Prayer: Nick Cave alone at Alexandra Palace” é um filme ou um concerto, e talvez seja a mistura perfeita dos dois. Tudo o que esperamos de Nick Cave está lá: a intensidade, o misticismo, a postura quase divina que caracteriza o artista. É um formato que se encaixa nos tempos em que vivemos: “Nick Cave alone”, tal como nós que vemos o filme. E esta solitude permite-nos uma experiência que talvez não seja possível sentir num concerto ao vivo: a de ouvir estas canções como poemas, sem as distrações de arranjos instrumentais ou de uma multidão, é como se estivesse a cantar para nós, que estamos tão sozinhos quanto ele.


Cave termina com “Galleon Ship”, outra música do álbum Ghosteen (2019). Após os últimos acordes, o artista pausa, respira, levanta-se e dirige-se à luz que ilumina a saída do palácio. Deixa-nos sozinhos, algo atordoados, e a pairar no ar as palavras da última canção, com que se despede de nós: “for we are not alone, it seems (...) and if we rise my love/ oh, my darling, precious one/ we’ll stand and watch the galleon ships circle around the morning sun”.


Margarida Pisco

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