Implicações, preocupações e prejuízos generalizados
Entrou em vigor no dia 7 de fevereiro de 2022 o Decreto-Lei n.º 94/2021 que procedeu ao alargamento do período de novidade do livro de 18 para 24 meses sobre a data de edição ou importação. Que implicações terá esta alteração nas nossas vidas daqui em diante, quando visitarmos uma livraria?
Admirável Mundo do Regime do Preço Fixo do Livro: das origens às finalidades
Como teorizou Michel Prieur, citado por Vasco Pereira da Silva, estabelece-se entre o Direito e a Cultura uma “relação amorosa”, na medida em que a cultura obriga o Direito a evoluir e o Direito recompensa-a, tornando-a mais universal e democrática, ou seja, é uma relação da qual resultam benefícios recíprocos para cada uma das partes. Não estranha, por isso, que os mais diversos setores culturais sejam alvo de uma regulamentação jurídica, regulamentação essa à qual o universo dos livros não está isento. Isto porque o livro, tendo em conta a sua natureza cultural e educativa, não se reconduz ao comum e banal produto económico. É esse o entender do legislador português quando instaura o Regime do Preço Fixo do Livro.
Este supracitado Regime do Preço Fixo do Livro foi introduzido em Portugal em 1996 através do Decreto-Lei n.º 176/96, de 21 de setembro, sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 216/2000, de 2 de julho e pelo Decreto-Lei n.º 196/2015, de 16 de setembro, e cuja redação atual se encontra no Decreto-Lei n.º 94/2021, de 9 de novembro, entrado em vigor no passado dia 7 de fevereiro de 2022.
Embora a entrada na ordem jurídica portuguesa se tenha dado no final da década de 90, a origem de um regime de preço fixo aplicado ao mercado livreiro teve início com a entrada em vigor, a 1 de janeiro de 1982, da “Loi Lang”, de 10 de agosto de 1981, em França, o primeiro país da União Europeia (UE) a adotar este modelo de regulação do referido setor. Outros Estados-Membro da UE adotaram legislação semelhante, entre os quais, Espanha (1975), Áustria (2000), Dinamarca (2001), Alemanha (2002), Luxemburgo e Países Baixos (ambos em 2005).
Com efeito, cada Estado-Membro é livre de, pela positiva, adotar ou, pela negativa, não adotar um regime nacional de preço do livro, através de legislação ou contrato, uma vez que a UE não dispõe de competência para colocar em causa um regime nacional de preço fixo do livro.
Não obstante o reconhecimento e respeito pela autonomia de cada Estado nesta área de promoção do livro e da leitura, as mais diversas instituições europeias têm tido oportunidade de reiterar a importância do livro e de debater a importância do regime do seu preço fixo. Nesse sentido, veja-se a Resolução de 16 de dezembro de 1999 do Parlamento Europeu: “O regime de preço fixo do livro, que existe em vários Estados-Membros, assegura a existência de um grande número de editoras independentes, contribui para a manutenção e a promoção de uma produção literária diversificada, para a liberdade de opinião, a independência da investigação, da ciência e do ensino, bem como, nas regiões linguísticas transfronteiriças comuns, para a promoção do pensamento europeu, e garante sem ajudas directas ou indirectas uma densa rede de livrarias, o que põe à disposição dos leitores uma oferta de livros variada, de grande qualidade e facilmente acessível”, sendo a Comissão convidada, nesta mesma Resolução, a “reconhecer e manter medidas nacionais e regionais de promoção do livro, incluindo o regime de preço fixo, que, de forma superior a todos os outros, melhora a produção e a distribuição de obras literárias sem eliminar a concorrência" (sublinhados nossos).
Ora, não será de estranhar o interesse e preocupação das instituições da UE sobre estes regimes de regulação dos preços dos livros, uma vez que os mesmos podem, possivelmente, contender com regras do Direito da Concorrência da UE, pois o regime do preço fixo restringe a concorrência dos preços no âmbito do preço final do livro – exemplo desta contenda com regras concorrenciais é a queixa apresentada pela empresa austríaca Libro que, em 1996, denunciou o regime transfronteiriço de preço fixo do livro, em vigor na Alemanha e na Áustria, que, na primavera de 2000, foi considerado incompatível com o Direito da Concorrência da UE pela Comissão Europeia.
Ainda assim, a Comissão reafirma que "os regimes nacionais de preço fixo do livro, que se baseiam em acordos entre empresas, são compatíveis com as regras comunitárias da concorrência, se não alterarem de forma significativa o intercâmbio entre Estados-Membros". No que diz respeito aos regimes baseados em legislação, “cada Estado-Membro é livre de adoptar uma legislação desde que seja compatível com o princípio, sancionado pelo Tratado, da livre circulação de mercadorias." (sublinhados nossos)
Também o Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou sobre o assunto em apreço. No caso Leclerc v. Au blé vert, o Tribunal de Justiça determinou que, no âmbito de legislação nacional francesa que instaura um regime de preço fixo do livro, constituem medidas de efeito equivalente a restrições à importação, proibidas pelo atual artigo 34.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, as normas "que impõem, para a venda de livros editados nesse mesmo Estado-Membro e reimportados após prévia exportação para outro Estado-Membro, que seja respeitado o preço de venda fixado pelo editor, a não ser que haja razões fundamentadas para se considerar que esses livros foram exportados tendo como único fim a sua reimportação, destinada a tornear a dita lei". Portanto, os Tratados não se opõem à existência de regimes jurídicos de preço fixo do livro, desde que salvaguardadas as liberdades fundamentais de circulação.
Como súmula do contexto europeu, compete apenas deixar a importante nota que existe, de facto, na maior parte dos Estados-Membros da UE um regime de preço fixo do livro, em observância do cumprimento e respeito pelos princípios fundamentais que regulam a UE. E, bem assim, o regime português não é singular entre os seus pares, mas antes uma continuidade de uma tendência europeia.
As finalidades de criação de um regime jurídico do preço fixo do livro são apontadas pelo legislador português, pelas instituições europeias e até pelas entidades ligadas ao setor do livro, reconduzindo-se, no essencial, a 3 ideias fundamentais:
A correção de disfuncionalidades do mercado do livro e a garantia aos agentes que nele operam de condições de atuação mais equitativas e proveitosas para o interesse geral;
A criação de condições para a revitalização do setor;
A proteção dos pequenos livreiros, editores e do cliente final.
Saber se, num plano factual, estas mesmas finalidades – nobres, benéficas – são ou não conseguidas pelo vigorar do Regime do Preço Fixo do Livro instituído em Portugal é uma tarefa que não se avizinha difícil: isto porque, sem grandes margens para divergências, boa parte das entidades ligadas ao setor livreiro – desde editores, livreiros até, evidentemente, ao consumidor final – considera que o atual regime instituído é prejudicial e não cumpre os objetivos a que tendia. Vejamos porquê.
Viagens na Lei Portuguesa
Em primeiro lugar, a nossa lei define (e circunscreve), no seu artigo 1.º, o conceito de livro como “toda a obra impressa em vários exemplares, destinada a ser comercializada, contendo letras, textos e ou ilustrações visíveis, constituída por páginas, formando um volume unitário, autónomo e devidamente encapada, destinada a ser efectivamente posta à disposição do público e comercializada e que se não confunda com uma revista”. É a esta definição que remeteremos, doravante, sempre que usarmos o conceito de livro – não se inserindo aqui, por exemplo, manuais escolares.
A fixação do preço do livro, que é obrigatória (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 176/96, de 21 de setembro, na sua redação atual), é feita da seguinte forma:
Nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 176/96, de 21 de setembro, “o preço de venda ao público do livro, praticado pelos retalhistas, deve situar-se entre 90% e 100% do preço fixado pelo editor ou importador”, quer isto dizer que, ao preço ditado pelo editor ou importador, via de regra, não poderá ser aplicado um desconto superior a 10%. Isto sucede em todos os livros que tenham sido editados ou importados há menos de 24 meses (2 anos), uma vez que, “os retalhistas podem estabelecer preços de venda inferiores sobre livros que tenham sido editados pela primeira vez ou importados há mais de 24 meses”.
À luz do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 176/96, de 21 de setembro, podem, contudo, estabelecer-se algumas exceções à regra apresentada no ponto anterior, em “ocasiões especiais”. Nesse sentido, “é permitida a comercialização de livros editados ou importados há menos de 24 meses, com um preço de venda ao público compreendido entre 80% e 100% do preço fixado pelo editor ou importador exclusivo, no decurso de feiras ou festas do livro e de mercados do livro” (sublinhados nossos), conceitos também definidos no artigo 1.º do mesmo Decreto-Lei. Porém, este regime especial só vigorará mediante duas condições: por um lado, “a duração acumulada de todas as iniciativas realizadas em cada ano por uma mesma entidade não pode ultrapassar o prazo máximo de 25 dias” e, por outro lado, exige-se a “menção expressa nos materiais publicitários que anunciem as condições promocionais aplicáveis de «iniciativa promocional nos termos do regime jurídico do preço fixo do livro»”. Quer isto dizer que ao preço ditado pelo editor ou importador pode ser aplicado um desconto máximo de 20%, no decorrer de uma feira do livro ou semelhante, no máximo de 25 dias ao longo de um ano inteiro, devendo constar das campanhas publicitárias a indicação de que a iniciativa promocional se enquadra nos limites do regime legal que estamos a analisar.
É precisamente neste aspeto que releva a alteração legislativa feita pelo Decreto-Lei n.º 94/2021, de 9 de novembro, entrado em vigor no passado dia 7 de fevereiro de 2022. Isto porque, grosso modo, as normas supracitadas e transcritas estão praticamente iguais àquelas que vigoravam desde 2015, com uma diferença: onde hoje se lê “24 meses”, até à dita alteração, lia-se “18 meses”. Ou seja, a mais recente alteração legislativa ao Regime do Preço Fixo do Livro veio alargar o chamado “período de novidade” do livro de um ano e meio para dois anos. Este alargamento – e, necessariamente, as consequências que ele comporta – afetará os livros cuja edição ou importação ocorra depois da data de entrada em vigor do Decreto-Lei (7 de fevereiro), mas também todos os livros já publicados ou importados que não tenham ainda completado um período de 24 meses desde a data da sua primeira edição ou importação. Vejamos o impacto disto na prática, com um exemplo apresentado pela APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros): um livro editado ou importado em junho de 2020, na antiga redação da lei, completaria o seu período de novidade em dezembro de 2021, volvidos os 18 meses desde a sua edição ou importação, o que significava que podia ser alvo de um desconto superior a 20%, pois já se encontraria fora do seu regime “probatório”; mas o facto de a 7 de fevereiro de 2022 o livro ter já completado o antigo “período de novidade” não impede que esse mesmo livro reentre no período de novidade, ou seja, só deixará de ser considerado uma novidade no último dia do mês de junho de 2022, volvidos os 24 meses desde a sua edição ou importação, pelo que, até lá, está sujeito aos limites supramencionados.
Uma Guerra Sem Paz: o mercado livreiro português precisa do Regime do Preço Fixo do Livro?
Como anteriormente foi dito, os objetivos e finalidades que presidem à criação deste regime são positivos, nobres e louváveis – demonstram, se assim o quisermos encarar, uma preocupação com o livro, o interesse em salvaguardá-lo e protegê-lo –, mas, como também já se fez antever, não são esses os resultados alcançados num plano material.
Diz quem trabalha no setor (e citando o editor da E-Primatur, do grupo Bookbuilders, Hugo Xavier) que o resultado prático desta pequena “brincadeira” desaguou no encerramento de centenas de livrarias e do abandono do livro por outros pontos que normalmente o comercializavam, como quiosques e papelarias. Isto porque, diz o editor, (a) “o pequeno livreiro deixou de poder negociar com a editora as suas apostas” e (b) “as livrarias independentes viram-se em igualdade de circunstâncias (aparentemente apenas, porque o desconto comercial era diferente) com as grandes cadeias e as grandes superfícies”. Este último aspeto levou a uma descaracterização das livrarias independentes, que deixaram de encomendar livros tendo em conta o perfil da livraria e o público que atraía, para passarem a encomendar de tudo, para conseguirem chegar a todo o público possível. E, assim, “o público fiel das livrarias deixou de o ser porque as livrarias se generalizaram e, como tal, se descaracterizaram”, uma vez que, como a diferença entre comprar um livro numa livraria independente ou numa grande superfície estava praticamente reduzida à nulidade, os leitores passaram a optar pela segunda opção, que oferece mais quantidade e variedade.
E o que dizer do estabelecimento dos 18 meses – agora alargados para 24 meses – de preço fixo, com desconto máximo de 10% e, ocasionalmente, 20%?
Aqui, importa começar por atentar que vivemos e estamos envolvidos num mercado (e numa sociedade) voltado essencialmente para a novidade. Quando entramos numa livraria, os livros mais acessíveis, expostos nas montras e em posições de destaque são, na sua esmagadora maioria, livros lançados recentemente – as chamadas novidades. Mesmo comprando online, as primeiras sugestões que nos são apresentadas apontam sempre para livros acabados de publicar. E, mesmo que não estejamos a comprar, as sugestões literárias que nos chegam – ou pelas redes sociais ou, pelos cada vez mais raros, programas de televisão, rádio e jornais – são, mais uma vez, quase sempre reconduzíveis a novidades.
Embora a nossa lei conceba um livro enquanto “novidade” durante 24 meses, a verdade é que, mais uma vez, num plano material, um livro é uma novidade durante os primeiros 2 ou 3 meses de vida. Depois disso, passa da vitrine para a estante, onde fica a amarelecer e a ganhar pó sem que ninguém o veja. Porque o espaço de uma livraria não é infinito e as novidades não param de ser publicadas (porque é preciso fazer face ao insucesso dos livros anteriores), eventualmente, o lugar que aquele determinado livro ocupa numa estante terá que ser cedido a um outro livro que também abandona a vitrine ou o lugar de destaque, e, sendo retirado da estante da livraria, é enviado de volta para a editora, que o armazena e o mantém, sem o poder escoar através de preços mais baixos porque a lei não permite. E, enquanto presos num armazém, aqueles livros que continuam sem ser vendidos continuam a pagar impostos da mesma maneira que um bem ativo, isto é, de um bem que apresenta potencial de render o preço que tem, como nos diz o editor da E-Primatur. O resultado disto é o guilhotinar de livros. Chocante e absurdamente, fica mais barato e é mais rentável para o editor destruir livros do que mantê-los num armazém sem qualquer previsão de uma possível futura venda.
Chegados a este ponto, percebemos que o atual Regime do Preço Fixo do Livro é um regime “torto”. Ora vejamos:
Ao invés de corrigir as disfuncionalidades do mercado do livro e garantir aos agentes que nele operam condições de atuação mais equitativas e proveitosas para o interesse geral, a atual redação legal potencia apenas o beneficiar das grandes superfícies, para quem as coimas aplicadas em caso de incumprimento da lei não são intimidatórias, em detrimento dos pequenos livreiros e das livrarias independentes;
Não existem dados que apontem para uma revitalização do setor, como se pretendia, mas antes para um impacto nefasto da lei, que levou ao encerramento de livrarias e ao desaparecimento de livreiros especializados;
A proteção dos pequenos livreiros, editores e do cliente final está longe de ser conseguida. Os pequenos livreiros e editores são prejudicados pelo estado atual do Regime do Preço Fixo, bem como o consumidor que não se sentirá instado a consumir mais livros no “período de novidade” por estes não apresentarem preços apelativos e sugestivos;
Acresce que o Regime do Preço Fixo do Livro é um dos grandes geradores da criação de um “mercado negro da venda de livros”, na expressão de Hugo Xavier. De facto, a venda de livros em canais não controlados, maioritariamente através da internet, cria uma rede de circulação em que editoras, livrarias e autores não são “tidos nem achados” e, por isso, não receberão um cêntimo pelo seu trabalho. Até o próprio Estado sai lesado dessa corrente de circulação, uma vez que a mesma decorre sem o devido pagamento de imposto – é quase como se o feitiço se virasse contra o feiticeiro.
E assim, em suma, o efeito global deste Regime reconduz-se a uma redução de vendas e da diversidade de livros oferecidos e a uma destruição de livros acumulados em armazéns. Tudo menos o que prometia o bem-intencionado Regime Jurídico do Preço Fixo do Livro.
Que Farei Com Este Regime?
Conscientes de que problemas complexos merecem respostas complexas, não parece que a solução para este complexo problema passe, no imediato, nem por abolir nem por agravar o Regime Jurídico do Preço Fixo do Livro.
E, bem assim, recordemo-nos do que começámos por ver: dezenas de Estados-Membros da UE adotam este mecanismo de proteção do mercado e têm sucesso nas suas pretensões e algumas instituições europeias apelidam este regime como uma “forma superior” em comparação a todos os outros, uma vez que “melhora a produção e a distribuição de obras literárias sem eliminar a concorrência”. A diferença fundamental entre os projetos europeus bem-sucedidos e o panorama português é uma: na maior parte dos países que optam por fixar o preço do livro por um período de tempo, esse período é muito inferior a 18 meses (e, necessariamente, inferior a 24 meses).
Portanto, se a lei precisava de uma alteração – que, consideramos, precisava e continua a precisar – seria no sentido de diminuir este “período de novidade do livro” e nunca de o aumentar. Com efeito, será que, ao final de 2 anos, uma coisa ainda será considerada nova? Dificilmente. Por exemplo, se comprarmos um par de calças e raramente o usarmos, ao final de 2 anos, ele estará, muito provavelmente, intacto e “como novo”, mas dificilmente o consideraremos uma novidade no nosso guarda-roupa. Repare-se: dois anos é mais de metade do tempo de permanência de um jovem no ensino secundário ou até mesmo mais de metade da licenciatura, na grande parte dos casos. Esteve, por isso, em nosso entender, mal o legislador em proceder a esta expansão do período de novidade do livro.
E não podemos deixar de enquadrar o impacto desta alteração legislativa e deste regime jurídico na realidade portuguesa, que se pauta essencialmente por três pontos relevantes de uma equação de difícil resolução. São eles:
Os reduzidos hábitos de leitura dos portugueses;
O preço dos livros em Portugal;
O reduzido poder de compra.
Embora não seja, de todo, o foco em análise neste artigo, cabe-nos fazer uma pequena nota. Como qualquer assíduo frequentador de livrarias saberá, o preço de venda dos livros em Portugal é, regra geral, bastante superior ao apresentado noutros países – e isso deve-se a um inúmero conjunto de fatores, entre custos de tradução e edição, pagamento de Direitos de Autor, encargos com distribuição, reduzida procura, entre outros – e o Regime do Preço Fixo do Livro não ajuda a alterar essa tendência. Se um livro que é publicado hoje é vendido a 20,00€, sabemos, garantidamente (isto, a menos que o legislador decida proceder a nova alteração da lei, talvez inspirado pela nossa pequena reflexão), que, se os agentes cumprirem os requisitos legais, nunca pagaremos menos de 16,00€ por ele.
Sabemos também que, via de regra, daqui a um ano, o preço do livro continuará a ser 20,00€. Olhando para o nível de salários em Portugal, em que o salário mínimo ronda os 700,00€ e o salário médio os 900,00€, para muitas famílias, gastar 20,00€ num livro seria um luxo. Mas se, ao invés, a lei não estabelecesse uma regulamentação tão rígida do preço do livro, e a pessoa não tivesse de esperar dois (!) anos para ver o preço do livro a descer para menos de 16,00€, talvez o livro deixasse de ser um luxo para passar a ser um bem normal. Aliás, como notou – e bem – a Autoridade da Concorrência no Parecer de 15 de maio de 2015, que apresentou sobre o Projeto de Decreto-Lei n.º 191/2015, que procedeu à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 176/96, de 21 de setembro, “A imposição de novos limites à utilização de métodos promocionais tende a privar os consumidores dos benefícios de poderem aceder a um bem cultural a preços mais baixos e tende a inibir a inovação por parte dos retalhistas, bem como a desincentivar a obtenção de ganhos de eficiência e a sua partilha com os consumidores” (sublinhados nossos).
Findo este pequeno apontamento, estão vistas as implicações que terá a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 94/2021, que procedeu ao alargamento do período de novidade do livro de 18 para 24 meses sobre a data de edição ou importação, quando visitarmos uma livraria. O que já não era visto como bom, parece não ter ficado melhor. Já em 2015 a Autoridade da Concorrência apontava para uma necessidade de se “avaliar se este regime tem efetivamente capacidade para atingir o propósito de defesa do interesse público em causa que possa justificar a restrição à concorrência que acarreta e se tal defesa não poderia ser alcançada através de medidas menos restritivas da concorrência” (sublinhados nossos) – necessidade que, em 2022, se mantém.
Em suma, serve esta nota final para dizer que não parece que a solução para este problema resida numa medida radical de total abandono da atividade livreira aos ventos que lhe aprouverem (pelo menos, não no imediato) – o livro precisa de ser protegido para que o seu futuro seja acautelado. Mas a regulamentação a aplicar-se-lhe deve ser, antes de mais, simples, eficaz e bem fiscalizada. E, talvez assim, os honrados objetivos que originaram a implementação deste Regime do Preço Fixo do Livro fossem alcançados.
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