Como não escrever um poema?
- José Pedro Carvalho
- há 3 dias
- 2 min de leitura
“Do not act out the words. The words die when you act them out, they wither, and we are left with nothing but your ambition.” — Leonard Cohen, How to Speak Poetry (1978).
É impossível alguém guardar as suas inclinações criativas para si mesmo, porque, de uma maneira ou de outra, elas hão de sair. Porém, o processo de escape da nossa canção interior transfigura-a a um ponto que, talvez, não se deseje, uma vez que a nossa originalidade primária se verga à bajulação daquilo que devíamos produzir, deixando de lado a libertadora ignorância de espírito que cada obra merece e, no limite, a impossibilidade de o fazer…
Aqueles momentos em que o desespero, por cristalizar a tempestade que queremos retratar, apanha oxigénio e arde no papel (ou, sejamos honestos, num ecrã) apenas aparecem ao bom ouvinte. E a chama, essa será a nossa vontade circunstancial. Já agora, a propósito das “circunstâncias”, não se culpem se não conseguirem escrever, pois isso é meramente um estado e não uma condição. Podemos ser proativos e tentar afastá-lo, mas creio que é preciso vivê-lo e vivê-lo bem. É uma passagem pelo deserto antes do oásis, por isso, vivamos o presente e contemos o que é passar pelo deserto e pelos entretantos que daí advêm. Quem sabe até percamos o interesse na água.
Divagações sobre writer's block à parte, toda a arte é um mapeamento que só socialmente faz sentido e só replicando os ligamentos que unem essa tapeçaria nos entendemos — e nós queremos, mesmo muito, replicá-los, queremos ser aceites no extraordinário. Mas como é que isso se consegue? Como é que se consegue proceder à efetiva tradição daquilo que nos foi passado pelos nossos sentidos, bem sabendo que isto é como o jogo do “telefone estragado” e não poderemos garantir que o outro sinta aquilo que desejássemos que sentisse?
A resposta curta é que isso não se consegue.
A resposta nuanceada é que temos de afunilar a nossa perspetiva… E com isto não quero dizer não falar sobre todo um universo, mas sim partir de um ponto equidistante entre a nossa experiência e uma janela empática pela qual todos nós experienciamos a vida. Ou, por outras palavras, considerar que o sujeito poético que habitamos efemeramente seja apenas mais um ruído, ao qual a nossa fonte de impulsos deva prestar atenção.
Uma outra resposta é que, na verdade, nenhuma grande teoria me convence e que isto tudo não passa de um grande ato de fé. Pois, quanto à ponta solta que deixamos para trás, só nos resta deixá-la — não interpretar, não forçar a sua magnitude —, estando totalmente sujeita àquilo que outros poderão sentir (e retransmitir) da nossa pretensamente imaculada obra.
Como não escrever um poema? De uma maneira ou de outra, todos nós os escrevemos. Todos nós revelamos a nossa música interior: quer seja nas nossas ações, quer seja nas nossas paixões e até no nosso subconsciente. E é natural que ela seja afetada pelo meio envolvente — é desejável que assim seja, quanto baste —, porém, nada disso nos deve impedir de continuar a explorar um doce infinito acessível apenas ao nosso ignorante espírito. Combinem isso ao verso e juntem-se a todos aqueles que não sabem escrever um poema.
José Pedro Carvalho
Departamento Cultural
コメント