Eleições Presidenciais em Portugal: Excessos e retrospetivas
- Jornal Tribuna
- 26 de jan. de 2021
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Um Primeiro-Ministro que lança a candidatura presidencial do Presidente da República; Presidente por sua vez popular, com uma talentosa aptidão de se ajustar aos ventos e às marés; e uma Eleição que, por tendência histórica, favorece o incumbente. Estavam assim criadas as circunstâncias para umas Eleições Presidenciais de desfecho antecipado: Marcelo venceria de forma confortável, sem precisar de grandes artifícios, panfletos ou sequer programa.
Para ajudar à festa, o maior partido do país, o que tem como líder o Primeiro-Ministro que lançou a candidatura do Presidente, optou por não apoiar nenhum candidato, catapultando o espaço político-ideológico que lidera para uma incapacidade funcional de apresentar uma candidatura única; e o líder da oposição, o mesmo que tem como militante do partido o Presidente cuja candidatura foi lançada por aquele a quem lhe compete opor, decidiu, naturalmente, apoiar o recandidato.
Neste cenário de moderação artificial resultou o que dela sempre resulta: o excesso.
Desde logo, o excesso de centrão que teve como epitáfio triste a declaração de Carlos César e como invocação delirante as intervenções de Francisco Rodrigues dos Santos e de Rui Rio, quais conquistadores indomáveis no expandir de uma bandeira colorida que apenas acromático vê: de que a direita passou, subitamente, a corresponder a 80% do país.
E eis a primeira retrospetiva. Quando, em 1991, numa situação de apoios tácitos em tudo semelhante à deste ano, Mário Soares foi reeleito com 70,35% dos votos (aos que se somavam mais 12,92% de Carlos Carvalhas, candidato de esquerda apoiado pelo PCP), formou-se a convicção de que, também subitamente, o PS passava a ter uma autoestrada aberta para o governo. O resto todos sabemos. O PSD de Cavaco, meses mais tarde, em outubro, conquista uma segunda maioria absoluta, para choque de António Guterres. Mas nisto da política, os choques de uns servem pouco para refrear a cólera otimista de outros.
O segundo excesso vem diluído em 496.661 votos que o candidato do ódio, do divisionismo e da indecência obteve, alimentado pelo excesso de zelo de uma comunicação social que, salvo honrosas exceções, participou num exercício de escrutínio parco e num patrocínio desproporcional. A noite do autoproclamado Cristo de Algueirão-Mem Martins terminou com juras de inevitabilidade de um governo à direita e com a triste constatação que a reconfiguração deste espaço político não mais pode ignorar o mesmo tipo de forças que caíram no Carmo a tiro de cravo, sob pena de misturar o que é democrático com o que não é.
A noite de ontem (*) só não teve traços de tragédia jospiniana porque Ana Gomes soube não deixar confinado um espaço progressista, europeísta, ecologista e de esquerda.
Mas a noite de ontem provou, na linha com as retrospetivas às idas Eleições presidenciais de 1986 e de 1996, que para este espaço da esquerda triunfar, tal só será possível no cenário em que toda a esquerda se une.
Contudo, por estranho que pareça, a união da esquerda de hoje tem mais traços de união de esquerda trabalhista inglesa no pós-guerra do que da coligação que elegeu Sampaio e Soares.
No belíssimo documentário de Ken Loach, The Spirit of’ 45, que fala do papel do Labour Party nas Eleições de 1945, descrevem-se as necessidades que anos de guerra deixaram evidentes e que tiveram no Estado Social a sua primordial resposta. A esquerda de hoje precisa das mesmas causas mobilizadoras para a reforma do Estado Social e da consciência de que o desejo de resposta aos problemas legítimos que a ultradireita levanta não têm que estar confinados às respostas hediondas que estas forças defendem e que apenas levariam, hoje como no passado, ao exponenciar dos nossos problemas coletivos.
No mesmo filme, há a recordação de um discurso de Nye Bevan, histórico fundador do NHS, no qual diz: “We have been the dreamers, we have been the sufferers, now we are the builders”. Este é o tempo de construir. A derradeira retrospetiva é 2026.
Por Tiago Cunha
Estudante convidado
(*) Este texto foi redigido no dia 25 de janeiro de 2021.
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