Quando serei português?
- Luiza Toniolo
- há 1 dia
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Portugal acolhe oficialmente mais de 1,5 milhões de imigrantes, segundo o relatório da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), de setembro de 2024[1]. A intensidade e rapidez deste fluxo migratório proporcionam diversas vantagens sociais, culturais e económicas ao país, mas também acarretam desafios de organização e geram, por vezes, dificuldades sociais para os próprios imigrantes, especialmente àqueles em situações vulneráveis. O tema está atualmente no topo da agenda política e é central nos discursos populistas de movimentos de extrema-direita ascendentes na Europa. Os debates sobre políticas migratórias são agora calorosos nas vésperas das eleições legislativas.
O atual Governo propõe, caso seja reeleito, aumentar o período mínimo de residência legal exigido para a obtenção da cidadania portuguesa por naturalização. Atualmente, esse período é de cinco anos e inclui requisitos adicionais, como o conhecimento suficiente da língua portuguesa, a ausência de condenação a pena de prisão igual ou superior a três anos e a não constituição de "perigo ou ameaça à segurança ou defesa nacional" (art. 6.º da Lei da Nacionalidade). A proposta indica que esse prazo possa dobrar, chegando a dez anos de residência mínima no país. Um dos argumentos a favor dessa mudança é a grande acumulação de pedidos pendentes, que já atinge quase meio milhão.
Esta proposta abre a discussão sobre o papel da cidadania nas políticas de imigração. Entre os mecanismos de integração disponíveis aos Estados, a cidadania destaca-se por conferir ao imigrante o estatuto de membro pleno da sociedade anfitriã. Académicos da Universidade do Luxemburgo identificam duas perspetivas principais sobre a função da cidadania nas políticas migratórias. Por um lado, a cidadania pode ser considerada como a "coroação de um processo de integração bem-sucedido", depois de longos períodos de residência, testes rigorosos de língua e conhecimentos cívicos, “recompensando” os imigrantes mais empenhados. Por outro lado, pode ser vista como catalisadora da integração, motivando os imigrantes durante o seu processo de adaptação e reduzindo a discriminação de que são alvo.
Ora, os residentes estrangeiros ou apátridas em Portugal gozam de direitos semelhantes aos dos cidadãos portugueses, excetuando-se os direitos políticos, o exercício de certas funções públicas e de outros direitos constitucionalmente reservados a cidadãos portugueses, como o acesso à Presidência da República. A aquisição da nacionalidade portuguesa amplia os direitos políticos e confere acesso à cidadania europeia[2], para além de poder criar um sentimento de integração e pertença no sujeito.
Contudo, questiona-se se a cidadania não perderá importância face à significativa equiparação de direitos já existente. Nota-se que os cidadãos da CPLP com residência permanente em Portugal desfrutam de quase todos os direitos, com exceção de determinados cargos públicos superiores, funções nas Forças Armadas e na carreira diplomática. Além disso, estrangeiros residentes podem votar e candidatar-se nas eleições autárquicas, e enquanto cidadãos europeus residentes têm o direito de eleger e ser eleitos deputados ao Parlamento Europeu. Dessa forma, muitos imigrantes podem não sentir necessidade ou vantagem na obtenção da cidadania portuguesa, especialmente se não se identificarem plenamente com o país.
As políticas de integração enfrentam desafios complexos, e a concessão da cidadania, por si só, não garante a plena integração. Uma integração bem-sucedida depende também da oferta de cursos de língua, oportunidades de acesso à educação, emprego, saúde e habitação adequadas. Conforme destaca a advogada e autora Letícia Bahia Pardal ao jornal Público[3], a proposta do Governo parece ter motivações predominantemente políticas, visando reduzir o número de processos a serem tramitados e eventualmente demonstrar preocupação para com os desafios decorrentes da imigração.
Luiza Toniolo
Departamento Sociedade
[2] Caso não se seja já nacional de Estado-membro.
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