O medo também mata?
- Rita Marques
- 26 de dez. de 2020
- 4 min de leitura
Há 9 meses que Portugal vive num contexto de pandemia, o que nos trouxe o confinamento, o distanciamento social, o medo de saírmos à rua para as coisas mais básicas como idas ao supermercado, porque o vírus podia estar em todo o lado. Todo e qualquer sintoma, por mais pequeno que fosse, era sinal de alarme. Os despedimentos tornaram-se cada vez mais frequentes porque as empresas não tinham como pagar aos seus funcionários; os donos de estabelecimentos como cabeleireiros, cafés, lojas ou restaurantes ficaram desesperados porque já não havia fonte de rendimento e não havia dinheiro para sobreviver. Passámos a desconfiar de toda a gente que passava por nós. A máscara tornou-se a nossa melhor amiga. Deixámos de fazer planos. Mudámos os nossos hábitos. Ninguém sabia o que esperar nem como é que o amanhã ia chegar. A nossa saúde física estava (e ainda está) em perigo mas, infelizmente, não fica por aqui. Como é que o nosso sistema psicológico lida com uma situação destas?
Estamos em 2020 e a saúde mental continua a ser um tabu. Para muita gente, se não se vê, então não é doença. Mas não é realmente assim. O impacto do isolamento social causado pela pandemia, embora necessário, manifestou-se negativamente de várias formas: depressão, ansiedade, stress, diminuição da qualidade de vida, raiva, dificuldade em dormir, angústia, ataques de pânico, entre outros. Não foi só o medo de ser contagiado pelo vírus que tomou conta das nossas vidas, não foi só o medo da morte, mas também o medo de não ter dinheiro para comer, o medo de perder pessoas importantes para nós, fossem família ou amigos, e de nem sequer saber se, ou quando, voltaríamos a estar com eles. De repente, estar longe fisicamente tornou-se o maior ato de amor. E por falar em perda, as cerimónias fúnebres passaram a ser mais reduzidas no que diz respeito ao número de pessoas presentes, deixámos de ter tantos ombros amigos ao nosso lado num momento que é tão difícil, o apoio e o aconchego daqueles que gostam de nós passou a ser feito à distância.
Este contexto em que vivemos levou a uma enorme crise a vários níveis: os empregos perdidos, o orçamento de muitas famílias que diminuiu abruptamente, as perdas de entes queridos, as desigualdades acentuadas, a incerteza do futuro. Vários são os grupos de pessoas especialmente vulneráveis a uma situação destas: as grávidas sentiram ainda mais receio e desconforto; os estudantes sofreram uma reviravolta nas suas vidas com as aulas on-line, muitos deles sem meios para tal e sem poderem recorrer à cantina da escola; os pais tiveram preocupações acrescidas sem saber se iam conseguir pôr comida na mesa; as crianças viram-se obrigadas a ficar em casa sem brincar com os seus amigos e, muitas delas, sem perceber porquê; os idosos ficaram confinados às suas casas, sozinhos, ou em lares, sem receber visitas das famílias; as pessoas com doenças do foro psiquiátrico que precisaram de ainda mais apoio, nomeadamente as que sofrem de TOC (transtorno obsessivo compulsivo); os trabalhadores do ramo da cultura, como tantos outros, ficaram sem trabalho; as vítimas de violência doméstica foram obrigadas a passar mais tempo em casa, sem terem onde se refugiar; os profissionais de saúde que têm abdicado deles e dos seus para cuidar de nós.
O cenário não é o mesmo que era quando entrámos em Estado de Emergência pela primeira vez, já se sabe mais sobre este vírus, já se sai à rua para fazer outras coisas que não ir ao supermercado, mas todo o cuidado é pouco, porque isto ainda não acabou. É fundamental falar sobre o que nos preocupa com as pessoas especializadas para nos ajudarem, descansar, arranjar passatempos, dormir boas horas de sono, ter uma boa alimentação, fazer exercício físico, reduzir o consumo de notícias, manter uma rotina, manter a conexão com as pessoas e, por mais que custe, tentar tranquilizar a nossa mente de que, demore o tempo que demorar, não vai durar para sempre, mas tendo sempre a consciência de que devemos continuar a ter todos os cuidados para evitar a transmissão.
Durante esta pandemia, tivemos que nos reinventar. Tantas horas passadas em casa trouxe à tona coisas menos boas de cada um de nós, o convívio 24/7 com o nosso agregado familiar nem sempre é fácil, o que leva a um nível de ansiedade e stress muito alto, as conversas por videochamada foram o melhor substituto do convívio social que se conseguiu arranjar, mas também surgiram novas iniciativas solidárias e, creio eu, começámos a olhar mais para o próximo. E é por isso que, agora, mais do que nunca, há que disponibilizar todos os meios para chegar àqueles que enfrentam uma luta com eles mesmos e com o desespero que este período trouxe, há que fazer aquela chamada que andamos a adiar, para saber se está tudo bem com aquele nosso amigo, ou com aquele primo que já não vemos há muito tempo, há que ajudar aquele vizinho que sabemos que está com mais dificuldades. Não podemos fechar os olhos àquilo que se passa à nossa volta, o mínimo gesto, vai fazer a diferença, como por exemplo contribuir para a associação do nosso bairro que está a distribuir bens pelos mais necessitados. A pandemia mata. Mas o medo também.
Linhas de ajuda:
Linha de aconselhamento psicológico integrada no serviço SNS 24: 808 24 24 24 (24h/ dia)
Linha SOS Voz Amiga (linha de apoio emocional e prevenção ao suicídio): 213 544 545 – 912 802 669 – 963 524 660 (16h às 24h); Linha Verde Gratuita: 800 209 899 (21h às 24h)
Linha APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima – 116 006 (09h às 21h)
Linha Crianças em Perigo: 96 123 11 11
SOS Estudante: 969 554 545 (20h à 01h)
Associação Abraço (linha de ajuda destinada às pessoas com VIH/SIDA): 211 936 510
Liga Portuguesa contra o Cancro: 800 919 232
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