Por um espaço tão nosso quanto vosso
- Maria Lúcia Pestana
- 25 de nov. de 2021
- 3 min de leitura
As mulheres da Universidade do Porto começaram esta semana com a triste notícia de que uma colega foi vítima de tentativa de violação no parque de estacionamento da Faculdade de Arquitetura. Agredida, queimada e cortada, o que aconteceu a esta mulher não é estranho à Universidade do Porto. Na verdade, a violência sexual é o segredo escondido da academia. Desde a jovem mulher cuja violação num autocarro da queima foi filmada e partilhada em 2017, aos inúmeros relatos de assédio sexual que crescem a cada ano, a segurança das alunas não parece ser prioridade de ninguém que não delas próprias.
De facto, as estudantes desta casa conhecem demasiado bem as múltiplas rotinas que lhes são impostas numa tentativa de salvaguardar a sua segurança. Não andar sozinha à noite, partilhar a localização com uma amiga, não deixar a bebida desacompanhada, não usar sapatos desconfortáveis não vá ser preciso fugir - a lista continua. De uma forma ou de outra, as mulheres são forçadas diariamente a restringir a sua conduta, a adaptar as suas vidas e os seus horários, àquela que é a ameaça escondida, invisível para todas menos para aquelas que afeta - a ameaça da violência sexual.
Dirão as vozes mais reacionárias que as mulheres no ocidente já atingiram a igualdade para que tanto lutaram. Que as feministas de hoje em dia são histéricas e radicais - afinal de contas, as mulheres já estão nas faculdades, na magistratura, na advocacia e em praticamente todos os campos da vida pública.
O que não vos dirão é que as vozes das mulheres em todos estes espaços são menosprezadas. Que as mulheres são desrespeitadas e humilhadas pelos seus colegas. Que são espalhados rumores sobre a sua vida sexual, ou falta dela. Que os seus corpos são avaliados em listas, como se de objetos se tratassem. Que aquele comentário que deixou uma companheira enojada era só uma brincadeira. Que conversas são tidas nos corredores sobre como seria tão fácil tocar-lhes numa festa. Que os nossos representantes não nos representam a todos. Que toda a gente sabe que aquele homem já violou alguém mas foi tudo encoberto. Que não vale a pena denunciar porque vão humilhar-te e vai ser pior para ti. A lista continua.
A violência sexual é a sombra que paira sobre o dia-a-dia de todas as mulheres e meninas do mundo. Chegam anualmente milhares de raparigas ao ensino superior na expectativa que a academia seja diferente. Afinal, onde estarão seguras senão na sua instituição de ensino, lado a lado com os seus pares, naquele que se apresenta como um espaço progressista, onde reina a igualdade e inclusão?
Mas o patriarcado não dá tréguas e a ameaça da violência sexual masculina é inescapável. As mulheres na academia, espaço privilegiado e inacessível a inúmeras raparigas em Portugal e no mundo, continuam a enfrentar aquela que é a opressão mais antiga da história da humanidade, e que milénios mais tarde continua a reclamar vítimas: a opressão sexual do homem sobre a mulher.
Neste 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, venho questionar que igualdade atingimos afinal quando uma de nós sofre uma tentativa de violação no campus da universidade? Quando na última queima das fitas uma mulher foi encontrada inconsciente e semi nua junto ao queimódromo? Hoje lembramo-nos delas e de todas as outras mulheres cujas histórias nunca foram contadas. Relembramos as caloiras assediadas na sua primeira festa universitária. Relembramos as mulheres que foram drogadas e escapam por pouco. Relembramos as mulheres que não escaparam. Relembramos as mulheres que denunciaram os seus agressores e viram-se alvo do mais reles escárnio. Relembramos as mulheres que nunca denunciaram a violência de que foram alvo, por medo de retaliação, por vergonha e por falta de proteção das instituições competentes.
Não posso deixar de questionar que medidas estarão a ser tomadas pela Faculdade de Arquitetura e a Reitoria da Universidade do Porto. O reforço da segurança nos espaços da academia é urgente para o bem-estar físico e psicológico das alunas. Mais que isso, é fundamental para que as mulheres possam viver livres de restrições e assim possam fazer uso total do seu potencial. Afinal, uma mulher assustada não se impõe quando é assediada.
Numa faculdade onde o machismo impera, as mulheres, tantas vezes jovens, vêem limitados os espaços onde, seguras e certas da sua pertença, possam fomentar o seu senso crítico, a construção do pensamento e do conhecimento científico. A total e intransigente participação das mulheres na academia é inconciliável com o machismo dentro das suas paredes. E com isso, perdemos todos.
Mas as mulheres continuam, organizadas umas com as outras, nos diversos grupos feministas e coletivos de faculdade, esta luta milenar pela emancipação feminina. As mulheres, dentro e fora da academia, dizem basta. Exigem viver as suas vidas em segurança, livres de restrições e constrangimentos. Chegamos, e não descansaremos até que este espaço seja tão nosso como vosso.
Um artigo bem redigido, forte e que levanta questões pertinentes, ao passo que simultaneamente demonstra algumas das problemáticas vividas pela comunidade feminina quotidianamente !