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Foto do escritorDuarte Nogueira

Programa Mais Habitação: Destinado ao Fracasso?

A 16 de fevereiro de 2023, o executivo de António Costa apresentou um vasto leque de medidas, aprovadas em Conselho de Ministros, para combater a crise no mercado de habitação em Portugalo Programa Mais Habitação. A habitação é hoje uma preocupação central e transversal da sociedade portuguesa porque diz respeito a todas as famílias e não apenas às mais carenciadas (…), mas também aos jovens e às famílias da classe média” declarou o Primeiro-Ministro António Costa, na apresentação do Programa.


O Governo anunciou que haveria um debate em duas fases: primeiro, as medidas que constam do programa, e que serão desenvolvidas posteriormente neste artigo, estarão em discussão pública até 10 de março, havendo a liberdade de qualquer pessoa enviar comentários, críticas e sugestões de melhoria; de seguida, à exceção das medidas relativas às famílias (que serão aprovadas em março, através de Decreto-Lei), o resto do pacote será enviado para o Parlamento sob a forma de Proposta de Lei.


Bastante criticado quanto às medidas apresentadas, uma fonte do governo disse aos meios de comunicação social que ‘testar’ é a palavra de ordem – “é para testar que servem as discussões”, sendo que o mesmo admitiu que o pacote legislativo ainda vai fazer o seu percurso no Parlamento e o Governo vai ouvir várias entidades, desde o Conselho Nacional de Habitação à Associação Nacional de Municípios, estando disposto a afinar e melhorar as medidas.


Já se previa uma atuação por parte do Governo na matéria da Habitação desde que António Costa, no início do ano, a elegeu como uma das “cinco reformas” para o primeiro trimestre. Os analistas consideram que é uma forma de recuperar a iniciativa pública, perdida no meio de “casos e casinhos”, a contar com a enorme pressão que se tem feito sentir impelindo o Estado a agir para estancar o problema na Habitação. A fonte do Governo também admitiu que o primeiro-ministro “teve consciência de que tinha de agir no apoio às famílias quando os juros começaram a disparar. A ideia é assumir a iniciativa para tentar travar a contestação”.


Marcelo Rebelo de Sousa também já se pronunciou e espera que o Governo não volte a perder uma eternidade para dar resposta à crise instalada na Habitação. O Presidente da República respirou de alívio quando percebeu que António Costa apenas “mandou barro à parede” e não tinha avançado com ideias consolidadas. Ficou surpreendido com a indefinição do Programa, sendo clara a avaliação negativa que o mesmo faz de algumas das ideias lançadas, em especial a medida que prevê o arrendamento coercivo pelo Estado de casas que estejam devolutas, com a agravante de não ter sido acautelado o conceito de ‘casa devoluta’ que já consta da Lei de Bases da Habitação, mas que não coincide inteiramente com o conceito que o Chefe do Governo começou por transmitir. Em suma, o Presidente está esperançoso que o Governo aproveite o tempo do debate público e parlamentar para rever algumas das ideias, ouvindo os vários agentes do setor de forma a aperfeiçoar o resultado final.


Dentro do próprio partido, os socialistas encontram-se apreensivos sobretudo em relação à capacidade da máquina do Estado de suportar tamanha intervenção no mercado, mas, acima de tudo, estão convictos de que, ao contrário do que a Oposição acusou, não há nenhum perigo vermelho (comunista) nas propostas apresentadas, uma vez que o direito à Propriedade tem de ser equilibrado com outros direitos fundamentais. Nem tão pouco perigo das medidas serem inconstitucionais, uma vez que já há na Lei inúmeros mecanismos jurídicos que admitem a intervenção pública na propriedade privada, desde o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) à lei de bases da habitação, que prevê a necessidade de assegurar o uso efetivo de imóveis devolutos.


Mas afinal quais são essas medidas?


No documento apresentado pelo Governo, muito criticado por apenas ser um documento com propostas e linhas de orientação, um PowerPoint, evidenciam-se 5 objetivos principais e genéricos: 1. Aumentar a Oferta de Imóveis para Habitação; 2. Simplificar Processos de Licenciamento; 3. Aumentar Casas no Mercado de Arrendamento; 4. Combater a Especulação; 5. Proteger as Famílias.


Mas o Programa também previa medidas mais concretas, tais como:


Apoios às Rendas – as famílias que vivem em casa arrendada, cujo contrato é anterior a 31 de dezembro de 2022, poderão beneficiar de um apoio caso a sua taxa de esforço (rendimento mensal afeto ao pagamento da renda) supere um determinado patamar. O apoio terá um limite de 200 euros por mês e será atribuído por períodos de 12 meses até ao máximo de 5 anos, mas o valor reduz-se a partir do primeiro ano.


O Estado arrenda casas para as subarrendar – O Estado propõe-se a arrendar casas que se encontrem devolutas para as subarrendar. A renda entre o Estado e o senhorio será estabelecida livremente, desde que o valor não seja 30% superior aos limites gerais do preço de renda aplicáveis no Programa de Apoio ao Arrendamento Acessível (PAA), tendo em conta a tipologia e localização da casa. O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e a ESTAMO serão os representantes do Estado neste processo, com o primeiro a constituir-se como arrendatário e a promover o sorteio dos candidatos ao subarrendamento do imóvel, e o segundo a identificar os imóveis que se inserem na categoria de ‘devolutos’. Os contratos terão a duração mínima de cinco anos, renováveis por igual período se nenhuma das partes se opuser. O documento prevê que “caso o proprietário não queira arrendar ao Estado será dado um prazo formal para dar uso ao imóvel. Só findo esse prazo é que o Estado pode arrendar o imóvel de forma obrigatória”.


Pagamento de Rendas em atraso após três meses de incumprimento – O Estado assume o pagamento das rendas se o incumprimento for devido a carência de meios, após três meses de incumprimento. O Estado irá avaliar a situação do inquilino e poderá avançar para a cobrança dos valores em falta usando os meios atualmente existentes para a cobrança de outras dívidas.


Incentivo à mudança das casas de Alojamento Local (AL) para arrendamento – está previsto a atribuição de isenção de IRS para os rendimentos das rendas até 31 de dezembro de 2022 para as casas afetas ao AL que transitem para o mercado de arrendamento.


Contribuição extraordinária e suspensão de novas licenças de AL – os imóveis que se mantenham afetos ao Alojamento Local vão passar a suportar uma contribuição extraordinária ainda a definir. Além disso, o Programa prevê a suspensão de novas licenças de AL, exceto em zonas rurais.


Fim dos vistos Gold – para além da eliminação destes, a medida prevê que a sua renovação (a cada dois anos) apenas aconteça se o imóvel for usado como residência própria e permanente do proprietário ou descendente; ou se for colocado no mercado de arrendamento para habitação própria e permanente por prazo não inferior a cinco anos.


Mais medidas foram apresentadas; no entanto, estas foram aquelas que mais discussão fizeram levantar, em especial a medida relativa ao arrendamento por parte do Estado de casas devolutas. Grande parte da discussão centra-se à volta da definição de ‘casa devoluta’ – identificar e gerir as casas vazias vai ser uma tarefa muito difícil que levará muitos casos a Tribunal.


Nas palavras de Victor Reis, arquiteto e ex-presidente do IHRU, “se o Governo não deixar cair a intenção de arrendar à força casas devolutas, daqui a uns anos vamos ter uma mão cheia de nada e, até lá, arriscamos a criar um monstro burocrático para juntar a toda a lentidão processual que já existe”. O arquiteto estranhou o facto de as medidas nada falarem sobre a atuação das Autarquias que, de acordo com a legislação em vigor, são a entidade competente para realizar obras coercivas em casas para arrendar, além de que, no seu entendimento, “vai ser uma completa perda de tempo e de dinheiro, ao que acresce o facto de as autarquias não terem recursos técnicos e humanos para uma tarefa desta dimensão”, uma vez que “se estivéssemos a falar da entrada de 100 ou 200 casas no mercado até poderia ser viável, mas neste caso, num processo de identificação de imóveis devolutos desta escala [com base no universo de 730 mil casas vazias em todo o território nacional], isto, simplesmente não é exequível”.


O Governo deixou claro que quando se identifique que uma determinada casa está devoluta, será proposto ao proprietário que celebre livremente um contrato de arrendamento do imóvel com o IHRU, estabelecendo as condições de tal contrato. No entanto, caso o proprietário não queira arrendar ao Estado, será dado ao dono um prazo para “dar uso” ao imóvel, e caso o proprietário nada fizer, então o documento prevê que o Estado poderá arrendar o imóvel de “forma obrigatória, considerando o interesse público”. Esta solução suscita muitas dúvidas quanto à sua constitucionalidade, mas como Victor Reis disse “qualquer proprietário de uma casa que esteja habitável e vazia encontrará uma forma rápida de lhe “dar uso”.


Além disso, também se levanta a questão de saber como é que se identificarão as casas devolutas. A analista Vera Gouveia de Barros criticou a falta de informação e declarou o seu receio que “no fim da linha, isto pode fazer disparar a conflitualidade em processos de tribunal”. Uma opinião muito difundida pela opinião pública, sendo esse o motivo pelo qual Luís Marques Mendes, comentador da SIC, ironizou dizendo que “a única parte que vai sair a ganhar de todo este processo será a dos escritórios de advogados”.


Este leque de medidas não agradou muito aos jovens que são dos que mais dificuldades têm para arrendar casa. Das doze medidas que o Governo lançou para combater a crise habitacional, apenas uma (e não em exclusividade) é direcionada aos jovens.


A ajuda à população jovem é encontrada na medida relativa ao Arrendamento forçado de casas devolutas em que a prioridade é dada “a jovens até aos 35 anos, famílias monoparentais e famílias com quebra de rendimentos superior a 20% face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior”.


Vasco Barata, dirigente da Associação Rés do Chão, afirmou que “os jovens e os pobres são quem tem maior dificuldade no arrendamento” e que “[os jovens]exigem outro tipo de medidas, que não estas que irão fracassar”. Paulo Caiado, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Mediação Imobiliária, também veio a público afirmar que estas medidas são até prejudiciais para os jovens, vindo “trazer dificuldades acrescidas para os jovens, os mais penalizados no acesso à habitação, quando era mais fácil atribuir apoios diretos para arrendar casa”.


No que diz respeito ao Alojamento Local, como mencionado supra, foram várias as medidas direcionadas a este tipo de estabelecimento, levando a que empresários, proprietários e autarcas se opusessem veementemente.


Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi um dos primeiros autarcas a criticar a estratégia escolhida pelo Governo e, em especial, as novas medidas relativas ao Alojamento Local. O autarca destacou que o Programa pecava por não envolver as autarquias, que têm um papel determinante nesta matéria. Aliás, a CML tinha recentemente suspendido, por mais de seis meses, a emissão de novas licenças em 15 freguesias, tendo iniciado a preparação de um regulamento com novas regras.


O Presidente da Câmara Municipal do Porto também não se inibiu de tecer fortes críticas ao afirmar que “medidas como a extinção de uma atividade económica tão relevante como o Alojamento Local minam o fator-chave essencial da relação público-privada”. Recentemente, também no Porto entrou em vigor um Regulamento Municipal para o Crescimento Sustentável do Alojamento Local que recebeu nota positiva por parte de um conjunto de profissionais que considera que as medidas são as mais adequadas para a cidade, uma vez que, como diz o presidente do grupo imobiliário Himo, resulta de “uma análise e de um estudo bem feito sobre a realidade económica da cidade” que o Governo, o poder central, não consegue igualar, pois é importante aferir as características e necessidades específicas de cada centro urbano para aplicação de medidas como estas.


Portugal enfrenta um grave problema no que toca à habitação acessível, que tem escalado nos últimos anos, e é preciso que medidas sejam feitas para reverter a situação atual. O Governo tentou chamar a si a iniciativa pública e começar o processo de apresentar algumas soluções, dando basicamente o ‘pontapé de saída’ da discussão política. Como afirma a fonte do governo, a ideia é assumir a iniciativa para tentar travar a contestação “ninguém nos obrigou a iniciar este debate”.


As vozes que defendem a iniciativa e o próprio conteúdo das medidas do Governo são quase inaudíveis – o sociólogo Romão Lavadinho e Presidente da AIL é uma dessas vozes que considera que o combate à especulação será importante se forem colocados no mercado de arrendamento os fogos necessários a preços acessíveis, de forma a que a oferta seja superior à procura, para que os proprietários privados baixem esse valor. No entanto, como demonstrado ao longo deste artigo, as vozes que criticam a ação governamental são largamente superiores – o Arquiteto Victor Reis evidencia que “não há noção do que se promete”, defendendo que estas medidas não irão contribuir para o aumento da oferta; não originarão uma redução de preços, nem irão facilitar o acesso à habitação. O ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, afirmou que o Estado “está a tornar-se numa espécie de Big Brother do arrendamento, e isto, sinceramente, não tem nada de saudável”.


Outras mais foram as personalidades que vieram publicamente criticar a iniciativa governamental; no entanto, como o Secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços Nuno Fazenda refere, “a proposta pode ser aperfeiçoada, no período de discussão pública, e também no debate parlamentar”.


Apesar do impacto inicial do Programa Mais Habitação, a verdade é que o Governo “apenas começou a testar”, sendo de acreditar que, aquando da sua entrada em vigor, o diploma já esteja aperfeiçoado e consiga produzir resultados eficazes para atenuar os problemas da Habitação acessível. Marcelo Rebelo de Sousa respirou de alívio quando percebeu que este pacote de medidas era apenas um esboço inicial suscetível de ser melhorado. Apesar das baixas expetativas, os portugueses esperam também poder respirar de alívio quando o Programa for promulgado e começar a produzir efeitos nos preços da Habitação.


Uma curiosidade final: o Jornal Público criou um painel interativo onde se pode apurar a média dos valores estimados de renda mensal nas freguesias do país, sendo que, por exemplo, na União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória (onde se encontra a nossa Faculdade), a média do valor das rendas de um apartamento T1 é de 694€/mês (o link segue abaixo).



Duarte Nogueria

Departamento Sociedade

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