Sugestões Culturais de Dezembro
- Departamento Cultural
- 4 de dez. de 2021
- 3 min de leitura

À Boleia do “303”
Num tempo de incertezas, em que nós, jovens, ainda nos deparamos com uma socialização de «curta-metragem», a longa-metragem alemã 303 (2018) debruça-se sobre um lado discreto das relações humanas. O grande ecrã é tomado pela magia do imprevisto, dos encontros inesperados - algo que raramente chegamos a saber que perdemos.
Estreado no Berlinale (festival internacional de cinema de Berlim), o enredo de 303 segue dois estudantes universitários que se conhecem quando Jule decide dar boleia a Jan, aceitando partilhar a sua autocaravana «303» pelos longos dias de viagem que se seguirão. Percorrendo as estradas e encruzilhadas que separam Berlim de Lisboa, os dois jovens discutem ideias políticas, valores, crenças, até que do debate brota uma tímida confiança mútua.
Realizado por Hans Weingartner, este verdadeiro «Road-trip movie» realça a delicadeza, o respeito e o altruísmo nos relacionamentos jovens. Filme de diálogos importantes, que juntamente com uma excelente fotografia, um sentido estético e uma banda sonora original nos proporciona algo de magnético.
De uma beleza pura, sem pressas, perfeita para embalar um fim de tarde tranquilo.
Clara Castro

Capernaum (ou Capharnaüm), realizado por Nadine Labaki, 2018
O título significa “caos”, um bom definidor do retrato social que nos é apresentado neste drama libanês. A tela preta rompe-se com um episódio inusitado: um rapaz de doze anos presta declarações em tribunal no âmbito de um processo interposto pelo próprio contra os pais. O objeto da acusação? O seu próprio nascimento. E daqui partimos para o flashback…
Zain vive revoltado com a indignidade cruel a que os seus pais o submetem, a si e aos seus irmãos, em resultado da sua pobreza. Não suportando mais o papel de sujeição que lhe é destinado, decide escapar a essa realidade grotesca, empreendendo uma fuga na qual se cruzará com outras vidas itinerantes e precárias. Numa luta pela sobrevivência, Zain sonhará cada vez mais em delírio com a realidade que o rodeia.
Um elenco de não atores – com especial menção para o protagonista, que empresta o nome próprio à personagem - e uma banda sonora única completam esta obra de arte desconcertante.
Nadine Labaki, a realizadora (e atriz) libanesa, alcança aqui o pleno: uma autenticidade irrepetível, que lhe valeu o Prémio do Júri no Festival Internacional de Cinema de Cannes de 2018 e uma ovação de quinze minutos no momento da estreia. Este filme quase documental apela a uma urgente reflexão sobre o mundo em que vivemos.
Beatriz Castro

Pessoas Normais
Dificilmente se vê um livro e uma série andarem de mãos dadas, sendo este um caso raro em que ainda é possível assumir um compromisso de fidelidade entre duas manifestações culturais. É indescritível a forma como cada uma, à sua maneira, transparece a súmula desta obra: como ser verdadeiramente.
Esperava-se, entre outros tantos, por mais um enfadonho e cliché romance. Nele retratam-se as desventuras de um casal inexperiente, mas que faz o impossível na medida do possível para que a sua relação funcione, desde a adolescência até à idade pré-adulta. Essa visão é, de imediato, desconstruída por Sally Rooney ao trazer-nos Normal People.
Dois jovens de personalidades tão complexas são postos frente a frente, talvez até acorrentados um ao outro pela força do Destino, estando nas suas mãos o poder de mudar as suas vidas. Com eles, aprendemos o que é o poder e o sexo, o que é amar e magoar, o que é ser uma pessoa normal.
Não podemos ser outro quando nos está determinado ser quem somos. Podemos combatê-lo, porém, seremos sempre uma Marianne e um Connell. O tempo passa e as coisas mudam. Nós continuamos os mesmos, porque somos pessoas, porque somos humanos. Memento mori.
Não tarda é Natal. Divirtam-se, como os nossos protagonistas fizeram: usem adereços, reúnam-se com os próximos e joguem ao Quem é Quem?.
Francisco Paredes
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