Depois do tempo quente, o dia vinte e três de setembro marcou o arranque oficial da temporada do chá, do chocolate quente, das maratonas de Gilmore Girls e Harry Potter, das horas infindáveis a ouvir o Red (Taylor’s Version) ou a desafinar a November Rain dos Guns N’ Roses, e, obviamente, das leituras outonais, que esperam a companhia de uma manta… quem sabe de uma lareira ou de um aquecedor. Portanto, eis 5 livros que considero perfeitos para esta altura do ano, que tanto reclama o aconchego de uma boa leitura!
O Assassinato de Roger Ackroyd, de Agatha Christie
Outono combina, claramente, com policiais e thrillers, por todo o ambiente que os envolve. Mundialmente conhecida como a “rainha do crime”, Agatha Christie é também um exemplo perfeito de que não é preciso muito para se escrever um bom livro. Neste O Assassinato de Roger Ackroyd, publicado pela primeira vez em 1926, fá-lo com uma mestria ímpar: numa pacata localidade inglesa, morre uma senhora que esconde um segredo um tanto obscuro; Roger Ackroyd descobre esse mesmo segredo e não muito tempo depois, é encontrado morto. Para desvendar este mistério onde todos são suspeitos e ninguém é inocente, temos de acompanhar a jornada de investigação de Hercule Poirot, o detetive aposentado chamado a resolver este caso.
É um livro altamente viciante, para se ler num par de dias e pensar em todas as pessoas que tinham motivações para cometer atrocidades… e acabar boquiaberto com o resultado final.
Em suma, tem tudo o que um bom policial deve ter. E é tudo o que um bom livro deve ser.
Pumpkinheads, de Rainbow Rowell
Rainbow Rowell foi, há uns anos, uma das autoras mais lidas e traduzidas no mundo – a chance de já terem lido ou ouvido falar de livros intitulados Fangirl ou Eleanor & Park é relativamente elevada. Embora já não seja publicada em Portugal há 5 anos, publicou, em 2019, uma novela gráfica/graphic novel chamada Pumpkinheads que é, simplesmente, o livro mais outonal do mercado.
A história é relativamente simples e básica: dois amigos, que se encontram sazonalmente numa feira de outono e que estão prestes a voar para a Universidade, decidem transformar o seu último turno de trabalho nessa feira numa autêntica aventura.
Muito embora seja um livro previsível, a arte é maravilhosa. É um livro perfeito para entreter e para despoletar entusiasmo pela nova estação.
Contos de Cães e Maus Lobos, de Valter Hugo Mãe
No prefácio de Contos de Cães e Maus Lobos, Mia Couto escreve “há na escrita de Valter Hugo Mãe algo que nos desconcerta e nos fragiliza. (…) há nesta coletânea de contos o convite ao regresso a um recanto de que nunca saímos, um reencantamento de infância, uma cumplicidade de quem partilha vazios e silêncios. (…) Está nestes contos aquilo que está em toda a sua obra: o questionar das nossas certezas mais fundas, uma visita às profundezas da alma. (…) Inverte-se então a relação entre a criatura e o criador: somos nós que somos lidos. E é por isso que estes contos, mais do que gigantescos, não têm tamanho.” (sublinhados meus).
E pouco mais haverá a dizer sobre este livro. É, com toda a certeza, uma das melhores viagens literárias em que poderão embarcar – como se diz no conto “Bibliotecas”, “as bibliotecas deviam ser declaradas da família dos aeroportos, porque são lugares de partir e de chegar”; os livros também são, em certa medida, aeroportos.
Cartas a Um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke
Corria o ano de 1903 quando Franz Xaver Kappus, jovem aspirante a poeta, enviou a Rilke uma carta com escritos seus, pedindo conselhos e opiniões sobre que percurso traçar – a resposta foi clara: “Ninguém o pode aconselhar, ninguém o pode ajudar, ninguém. Há uma única via. Entre dentro de si. Investigue a razão que o leva a escrever, veja se ela lançou raízes no lugar mais recôndito do seu coração, pergunte se morreria caso fosse impedido de escrever.”.
Contudo, a correspondência entre ambos manteve-se até 1908. Daí resultaram 10 magníficas cartas, publicadas em 1929, três anos após a morte de Rilke.
Embora o livro não seja – nem pretenda ser – um manual de escrita, é um bom poço de conselhos para quem ambiciona escrever o que quer que seja: isto porque, mais do que conselhos a um jovem poeta, Rilke enaltece a literatura, demonstra-lhe a sua devoção– acaba, no fundo, por fazer um elogio aos livros, que encantará tanto quem busca moldar as palavras através da escrita como quem as devora através da leitura.
Poemas Escolhidos das Irmãs Brontë, de Anne Brontë, Charlotte Brontë e Emily Brontë
De facto, qualquer livro das irmãs Brontë poderia figurar nesta lista – podem sempre aceitá-los como sugestões extra, embora tenha como objetivo esquivar-me às sugestões mais “batidas” e óbvias neste artigo.
Este Poemas Escolhidos das Irmãs Brontë, disponível numa edição bilingue da Relógio D’Água, tem o tom melancólico, introspetivo, sombrio e mortífero esperado e desejado nesta estação do ano. É simultaneamente um livro que comove e revolta, que aquece e congela. Tem alguns dos poemas mais crus que já li – veja-se, por exemplo, o “Últimos Versos”, de Anne Brontë, o poema escrito depois da morte da irmã Emily e que encerrou a carreira literária de Anne. No fundo, é daqueles livros que vale mesmo a pena ter na estante e aos quais regressamos várias vezes.
A tarde passa depressa,
É quase hora de ir para o leito;
Que pensamentos deixou o dia que cessa,
Que sentimentos em teu peito?
[excerto de “Auto-Interrogação” de Emily Brontë]
Martina Pereira
Cultural
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