deram-lhe a arte e michelangelo criou david.
deram-lhe o amor e o homem destruiu-o.
Francisco Miguel Campos Paredes.
۵
Sempre gostei de dormir com a porta do quarto aberta —
para que possas voltar quando quiseres.
O meu corpo não passava de uma arca preciosa
Nele repousavas e as tuas energias regeneravas.
Vaidade minha em crer nessa tal paixão falaciosa,
Nunca o disseste, mas eram essas as tuas palavras.
Resumimo-nos sempre aos encontros casuais.
Um corpo vazio e obsoleto foi o seu sacrifício,
Porque nunca quiseste além prazeres carnais.
De prazer explodimos em fogos de artifício.
Todas as vezes foram meras ocasionalidades:
No início, aliciante. A última vez, repugnante.
A todo tempo, praticávamos promiscuidades.
Ter-me, para ti, devoto era-te algo inebriante.
(Sabias que terias tudo).
Mas eu gostava. Gostava de te ver por ali entrar,
Permitias que alimentasse sentimento de esperança,
De te ver regressar por aquela porta, para me sugar.
E é por isso que continua aberta. Como lembrança.
Sem qualquer compromisso, como bem definias.
Jamais houve intenção tua de ficar para eterno.
Tinhas medo de ficar preso em alguém, e tu sabias:
Ei-lo, do século novo, o grande amor moderno!
[…] Mas está tudo bem. Fi-lo por te amar.
Amo-te. E, pela certa, fá-lo-ei novamente.
Ilusão essa em que ando à roda sem parar,
Que me faz crer em ti incondicionalmente.
E a porta continua aberta para que um dia possas voltar.
۵
Eu fui uma história de amor —
sozinho.
Mais tarde, um dia, espero que possas ler isto.
Foste dos capítulos favoritos da minha história.
Não posso, porém, lê-lo outra vez à espera disto:
Que me sejas quem devias ter sido nesta trajetória.
Durante tempos, foste tu que pela porta vi entrar.
Precisei que me preenchesses, que me completasses.
Desgraça a minha ter-me deixado por ti enganar.
Nem disso foste capaz. Só precisei que me amasses.
Depois de tudo, espero que te tenhas encontrado.
Espero que tenhas tido oportunidade de recuperar.
Pelos teus grandes males, espero que estejas sarado.
Porque é impossível alguém amar se continuar a sangrar.
(Em si mesmo, e nos outros).
No final das contas, eu fui uma história de amor sozinho.
Nota final. Poema escrito no âmbito do Concurso de Poesia da Semana Cultural AEFDUP (2022).
Comments