Reflexão sobre a série Esperança
Esta é para os amantes de uma boa história. Falo de uma octogenária «alfacinha» de gema de ideias fixas, de convicções inabaláveis, de personalidade verdadeiramente vincada – falo de Esperança. Protagonizada por César Mourão, esta série – aposta da SIC e da OPTO – conta com 12 episódios e é inspirada na peça Esperança.
É no coração de Lisboa, mais precisamente no Bairro do Castelo, que tem lugar a história de Esperança. No meio da azáfama lisboeta, o turismo é um cenário irremediável com o qual Esperança, para mal dos seus pecados, tem de se confrontar. Diria que mais cobiçado do que ganhar a lotaria, só mesmo um andar no centro da capital – nos tempos em que estamos, deve valer pouco, deve… Querem tirar Esperança e Baltazar, o seu gato, daquela que foi a casa de uma vida, tudo em virtude de um qualquer fim lucrativo. Assistimos àquilo que é a realidade de uma Lisboa de despejos.
Esperança, do latim sperantia, é a disposição de espírito no sentido de crer que uma coisa que se deseja muito se vai realizar. E é impressionante como não havia nome que lhe coubesse melhor. Nas palavras de Pedro Varela, argumentista e realizador de Esperança, estamos perante uma senhora «[…] ativa, combativa, que vive e persiste»: é a personificação do carisma, da luta e da perseverança, de alguém que não se rende às adversidades que teimam em colocar-se no seu caminho.
De espírito livre, Esperança vive inúmeras aventuras já na terceira idade: desde ir com o neto a Marina D’Or para a sua viagem de finalistas, até ambos irem presos, passando pela vivência de um amor com o senhorio – António – que muito tentou contrariar.
Os planos de uma Lisboa agitada, em contínuo movimento são uma constante no decorrer da série (destaco o elétrico sempre a passar, as pessoas agitadas num quotidiano alvoroçado) – tal parece espelhar a personalidade de Esperança: numa bolha de uma quase hiperatividade em busca de uma solução para que não lhe tirem a sua casa, Esperança nunca se resigna.
São poucas as caras que reconhecemos quando vemos Esperança. A escolha específica deste núcleo de atores não é aleatória, tem um propósito claro: Pedro Varela pretende «começar numa página em branco», almeja que o espectador assista a série sem ideias pré-concebidas. E é sempre bom ver rostos novos e perceber que se dá oportunidade sem ser aos do costume, mas isso já é reflexão para outra vez…
Não podia deixar de mencionar o álbum As Canções da Esperança, de Miguel Araújo (que conta com a participação de António Zambujo, Camané, Cláudia Pascoal e César Mourão), que é a banda sonora que acompanha cada episódio. As 9 músicas que compõem este álbum são quase um contar em estilo podcast musical a história de Esperança.
Se pensarmos bem, esta é uma história que podia perfeitamente ser a de uma qualquer avó nossa. E é precisamente por nos poder ser tão próxima que esta série se revela tão cativante.
Já dizia o outro, a Esperança é sempre a última a morrer.
Beatriz de Oliveira Loureiro
Departamento Cultural
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