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  • Foto do escritorBeatriz Costa

A MULHER NA FRENTE DO COMBATE

O (h)omem declara Guerra, a Mulher vive-a todos os dias.

Por todo o Mundo, diferentes mulheres assumiram diferentes responsabilidades em tempos de guerra: preveniram que casas ardessem e que Reinos perdessem a sua independência na Era da Reconquista Cristã, apoiaram o serviço militar assumindo os postos de trabalho nas fábricas e a liderança do lar familiar no século XVIII, voluntariaram-se como enfermeiras nas áreas das trincheiras durantes as duas Grandes Guerras.


Na tentativa de apoiar o país durante os conflitos armados, sempre tentaram intervir com os únicos meios que lhes eram possíveis – mas não nos esqueçamos, em tempos de guerra as desigualdades escalaram e as condições laborais das mulheres tornaram-se mais precárias.


Mas os tempos mudaram – a mulher passou a integrar as Forças Armadas e a lutar lado a lado com os seus camaradas nas frentes de combate, um dos feitos das políticas de igualdade de género. Ainda assim, podemos ver o exemplo das Forças Armadas dos EUA que, em 2021, contava apenas com 200.000 mulheres no corpo efetivo, o que correspondia a 14,4% do total dos ativos militares, segundo dados publicados pelo Military Service Member Data. Já na Organização das Nações Unidas, o número é ainda mais baixo, sendo que, no ano de 2020, somente 5,4% das forças efetivas eram mulheres. Em Portugal, no mesmo ano, contávamos apenas com 3.002 mulheres entre os 27.948 militares do efetivo.


Mas, então, o que afasta as mulheres das Forças Armadas?


Os relatos vivos das militares que regressam do combate, diria. É comum para uma mulher nas Forças Armadas ouvir que o seu percurso profissional não é tão traumatizante quanto o do homem – seja por não serem colocadas nas linhas da frente, e não experienciarem os receios do combate frente a frente; seja por não lhes ser exigido os mesmos resultados que aos homens. A verdade é que as mulheres regressaram da guerra do Iraque e do Afeganistão não só com trauma devido ao combate, mas também com severos danos psicológicos e emocionais, conhecidos como Trauma Sexual Militar (MST), o que as torna mais vulneráveis a desenvolverem stress pós-traumático.


Ademais, uma em cada quatro mulheres reporta ter sofrido de abuso sexual enquanto servia as Forças Armadas Norte-Americanas, e mais de metade alega já ter experienciado algum tipo de assédio, de acordo com os dados publicados pelo jornal Trauma, Violence & Abuse.


Todavia, os agressores viram poucas ou nenhumas ações disciplinares a si aplicadas. A desconsideração para com os traumas sexuais das vítimas leva a que menos de 1/3 das mulheres consiga manter a sua carreira militar[2].


Nas Nações Unidas, o quadro é o mesmo, mas juntam-se às militares as civis que deveriam ser protegidas pelos oficiais da ONU. Nos últimos 15 anos, foram reportadas mais de 1.700 alegações de violência sexual levadas a cabo por tropas da ONU, na Bósnia, Camboja, Congo e Haiti.


O jornal The Guardian ouviu o testemunho de duas crianças, vítimas de abusos sexuais pelas tropas francesas que estavam lá para as proteger das milícias armadas do Congo e da República Centro-Africana.


[Alexis, de 15 anos, descreveu que as crianças eram coagidas a fazerem sexo oral aos peacekeepers em retorno de comida. “They were just their leftovers.”]


[Daniella tinha 10 anos quando um grupo de peacekeepers lhe ofereceram água, depois agarraram-na, levaram-na para dentro de casa, “took off my clothes, threw me down and had sex with me, then told me to go”.]


António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, responde perante as alegações de violência sexual durante as missões de manutenção de paz com uma política de tolerância zero, através da publicação de um Memorando do Assistente Militar: Medidas das Nações Unidas Contra a Exploração e o Abuso Sexual. Guia dos comandantes sobre medidas para combater a exploração e o abuso sexual nas forças armadas das Nações Unidas.


Mais uma vez, nada se fez. As medidas implementadas continuam a revelar-se insuficientes e sem dar resposta efetiva às militares e às civis - as ações disciplinares terminam em dispensas de honra e reformas pagas. Não obstante, os relatos de abusos sexuais vêm aumentando.


Ainda assim, quando ouvimos o termo Guerra, a mulher fica esquecida, como se só a espécie masculina fizesse o derradeiro sacrifício final. Não parece justo. Não podemos comparar o que é pedido a um homem ao juntar-se ao exército com o que é pedido a uma mulher. Já vimos que, independentemente de se estar numa situação de conflito, um terá mais poder sobre o outro, traumatizando tanto a sua par, como aquela que deveria proteger. Por isso, não façamos comparações parvas entre a lei marcial, que obriga o homem a ir para o combate, e a luta feminista - a mulher não tem medo de lutar pela independência do seu país, tem medo do homem que usa a Guerra para viver sem limites. Porque são aqueles que lutam pela democracia e juram à bandeira guardar e fazer guardar a sua Constituição, lealdade e compromisso com a pátria os primeiros a declarar guerra ao corpo da mulher.


Por isso, é essencial promover e garantir a efetiva participação de mulheres que representem os nossos interesses em todas as estruturas de poder. Parece apenas justo, sendo nós as principais afetadas, que tenhamos direito à participação na prevenção, mediação e resolução de conflitos. Só assim será possível certificar a proteção de todas.


O (h)omem declara Guerra, a Mulher vive-a todos os dias

O (h)omem escolhe bombardear cidades, a Mulher vê-las lançadas a si.

O (h)omem sai impune, a Mulher vê a sua vida a ser-lhe retirada.



[2] Dados fornecidos pelas vítimas que procuram apoio na Miles Foundation


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