Se eu estou doente, é porque à minha volta é tudo doentio
- Carolina Chaveiro
- 29 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: 29 de set.
The one thing I’d like to say about the label of sick comedian, which I think is a misnomer […]. It is not that Lenny Bruce, per se, is a sick comedian, but that Lenny Bruce comments, reflects, holds up the mirror, so to speak, to the sick elements of our society that should be reflected upon, and that should be spoken about.
Don Freedman sobre Lenny Bruce, The Carnegie Hall Concert, 4 de fevereiro de 1961
O ano era 1961, o tempo era nevoso, e John F. Kennedy era o recém-eleito Presidente dos Estados Unidos da América. Lenny Bruce, comediante, dizia para uma plateia de 3.000 pessoas que fantasiava chegar ao palco com uma trompete e dizer as palavras que lhe viessem à cabeça para dentro do instrumento, e “soprar, soprar, soprar”.
Quando se é preso por obscenidade tantas vezes quanto Lenny Bruce, e quando se pensa em tudo o que é herético, é normal que se deseje que da boca apenas saia Jazz. Ainda assim, o sistema judicial não o impediu de saltar no palco e perguntar ao público se um membro do Ku Klux Klan preferiria casar com uma mulher branca feia ou uma mulher negra bonita. Não é por acaso que o público conservador tratou de o apelidar de “comediante doentio”.
Sessenta e poucos anos mais tarde, pergunto eu se os membros do KKK ainda se veem aflitos a testar a linha que separa o seu racismo do seu machismo. No século XXI, ainda não nos livrámos destes ismos – a não ser dos autismos, claro (obrigada, Presidente Trump, pela advertência quanto ao Paracetamol!) –, nem tão pouco das afrontas à liberdade de expressão (novamente, obrigada Presidente Trump!), mas pelo menos já podemos dizer “pénis” em público, mesmo que na presença de um polícia... acho eu, nunca experimentei.
Por vezes, também me apanho a imaginar, que nem um utilizador do Twitter (sim, Twitter) que recorre à Inteligência Artificial para criar imagens de mulheres de vestido a segurar três crianças arianas em simultâneo enquanto prepara um assado, como seria viver em 1950: quando os filmes ainda eram filmados em Technicolor, ainda não se sabia quem era Margaret Thatcher, e Ronald Reagan era só um cowboy falso em Westerns. Depois volto à realidade e lembro-me que eu até gosto de estudar Direito, e de ter uma conta bancária em meu nome.
Se eu às vezes gostaria de estar a fazer cozinhados em vez de estudar? Sim, muitas vezes. Contudo, ainda não encontrei nenhuma receita que me saiba melhor do que saber que, um dia, a minha vida será definida pelo que escrevo, pelo que digo, pelo que penso, pelo que faço, e não pelo meu marido. Então, podemos não ter começado o incêndio de que fala Billy Joel na sua canção, mas, e contrariamente ao nosso Primeiro-Ministro Luís Montenegro, que se abrigou na Festa do Pontal, não podemos fugir às chamas.
We didn’t start the fire
No, we didn’t light it, but we tried to fight it
E assim, tal como o espelho que Lenny Bruce colocou diante da sociedade da sua época, ora sagrada, ora profana, igual à música da Luísa Sonza, ambiciono da mesma forma refletir o que me rodeia, por mais doentio que seja. Poderá não ser sempre bonito, poderá nem ser correto, mas será sempre honesto.
Carolina Chaveiro
Diretora do Jornal Tribuna
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