Estamos perante o momento derradeiro em que abrimos as nossas portas escancaradas, do Tribuna e da FDUP, para a nova fornada de estudantes que, com passos hesitantes e um olhar pouco convicto, espreitam para ver o futuro que lhes espera. Estamos igualmente perante o momento derradeiro em que é preciso começar a alcatifar a saída, para que não doa tanto quando cairmos estatelados no chão que é a vida a sério.
E é-me então confiada a função de veicular a mensagem que abre agora a temporada que muitos gostam de chamar “os melhores anos da tua vida” ou “o início do fim”.
“-Mas a quem, a mim?”. Olho em volta e vejo cabeças a abanar que sim.
“-Mas têm a certeza? É que eu sou igual a vocês e sofri na licenciatura igual a vocês, não esperem de mim um discurso de sabedoria divina sobre como fazer da universidade o melhor que conseguimos.”. Continuo a ver cabeças a abanar distraidamente que sim. Vá lá Isabel, faz disso um pitch rápido para conseguir ler no intervalo antes da aula de Comercial.
Considero-o uma tarefa ingrata. Sinto que o meu percurso universitário foi feito de fervor, caos, erros e imprevistos felizes e infelizes. Não tenho o conselho inspirador de finalista que atingiu o nirvana académico (tenho ansiedade até aos cabelos). E então impôs-se na minha cabeça: o que poderia eu acrescentar ao Editorial do Tribuna, que mensagem eternizar na minha caminhada no Tribuna e na FDUP?
Não vale a pena florear a experiência universitária. Ou se calhar vale, mas não faz parte da minha filosofia. A experiência universitária é dura, muito dura. Não sou adepta das frases clichê: “o Porto de abrigo”, “a casa amarela da Rua dos Bragas”, “o início do fim”, “os melhores anos da tua vida”, “o curso faz-se no recurso”, “não se explica, sente-se”. Quando dizem “quem só sabe de Direito nem de Direito sabe”, é possível eu revirar os olhos, depois de passar 2 meses a lutar duro para tentar conciliar ir ao maior número humanamente possível de melhorias - mesmo sendo a pessoa que queria saber da vida para além do Direito. Várias vezes ponderei: e mesmo que assim seja, não seria melhor abdicar da multitude de “personas” que tenho, focar no projeto “média de licenciatura”, e preservar pelo menos a minha sanidade mental? Revirei-me do avesso dezenas de vezes, e fiz percursos que visualizei na minha mente, mas que tomaram rumos inesperados. E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, já dizia o João da Ega em “Os Maias”. E nem tudo se endireita no final, apesar de isso ser doce de acreditar.
O verdadeiro conselho que posso trazer não é de ir às aulas ou não, ou de ler as sebentas ou só a bibliografia, ou de focar nas notas ou fazer muitas extracurriculares. Até diria: “depende”. Mas isso seria cair na maior redundância de SEMPRE do mundo jurídico, e a premissa do texto é precisamente o contrário. O único, o verdadeiro conselho que tenho a dar é a génese de todas as inquietações que temos na universidade, e, em geral, nesta fase da vida, a mais precária mas mais entusiasmante de todas (vulgo, os “vintes”). É a única luz pela qual me guiei ao longo de todas as minhas ações, expectativas, decisões difíceis, desapontamentos: Viver com intenção.
Dostoiévski disse-o primeiro que eu: “Your worst sin is that you have destroyed and betrayed yourself for nothing.” Esse é o arrependimento que vos acompanhará para sempre, por mais confissões e indultos que vos aliviem. Seguir o sabor da corrente, observando passivamente a paisagem da margem do rio a passar, fingindo que não se sabe que o fim do rio se aproxima. O tempo irá passar, inexoravelmente. Nesta metáfora, a âncora é que vos salva de, no momento singular em que deixam o rio e caem finalmente na catarata, sentirem que não se destruiram nem traíram a vocês próprios por nada. Se não for arrependimento por ações concretas, que seja arrependimento pela vida em si - viver passivamente é já uma traição para com vocês. Não se meçam pela grandiosidade dos vossos intentos, mas pela firmeza da vossa âncora moral. Será o vosso maior alento nos momentos de maior privação - seja essa privação mais uma época de exames infinita em que querem alcançar um 17, seja a necessidade de brilhar numa entrevista para um cargo que desejam muito, seja até saber que estão no curso errado e que odeiam Direito: a procura intencional por algo mais gratificante. A intenção é, na verdade, o que vos levará mais longe - porque o espírito humano rejubila através do sacrifício e da recompensa. Não há gratidão espiritual maior.
A todos os meus colegas finalistas, pela maratona que percorremos, pelas privações que passaram, desejo do fundo do coração que não tenha sido para nada. Que seja aquilo que vos enche as medidas. E se não for, que seja a nova fase da vida que aí se avizinha a folha em branco que precisam, uma nova oportunidade para a vida que desejam.
Aos caloiros, que utilizem as minhas palavras para moldarem o mundo como o conhecem, e que o tornem no mundo como o querem.
À FDUP, fica o desejo que nos anos vindouros me venha a mencionar como um dos nomes ilustres que por aqui passou (ou não me tivesse ensinado a lutar com garra e espírito).
Ao Tribuna, por ter sido um amor recíproco do início ao fim. Recordar-te-ei como o início na minha jornada.
Para sempre vossa,
Isabel Lobo
Direção
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