Como seria a música há cinquenta anos atrás? O que teria acontecido em 1973 neste âmbito; o que outrora estaria em voga nos ouvidos daquela geração? Vamos descobrir… e, na esteira dos Beatles, «Let’s all get up / And dance to a song / That was a hit before / Your mother was born» (Your Mother Should Know, Magical Mystery Tour (1967))
ÁLBUNS
BAND ON THE RUN, Paul McCartney
Paul McCartney foi inequivocamente a maior estrela dos anos 70 – quer a solo, quer com a sua banda, os Wings (que, em abono da verdade, não o eram senão em aparência, porque, realisticamente, o monopólio era de Macca), conseguiu emplacar uma panóplia de hits que perduram até os dias de hoje.
A única coisa que faltava ao artista nesta época seriam as análises favoráveis aos seus trabalhos: quiçá pela falsa assunção de ter sido este a acabar com os Beatles, as avaliações dos críticos tendiam a ser negativas. Felizmente, álbuns anteriores como McCartney (1970) e Ram (1971) têm sido aclamados hodiernamente.
Com efeito, Band On The Run conseguiu quebrar esse paradigma, ora sendo ovacionado pela indústria, ora sendo comercialmente bem-sucedido.
A realidade, não obstante, teria sido árdua: a gravação deste álbum, que ocorreu mormente na Nigéria, foi marcada por tensões nacionais, roubos de canções, saídas de integrantes da banda e até desmaios.
Mas nada poderia travar o ímpeto de Paul; estava este disco fadado ao sucesso e nem as adversidades mais temerosas conseguiriam travá-lo. Músicas como a faixa epónima, Jet, Mrs Vandebilt, Let Me Roll It ou Nineteen Hundred And Eight Five vivem e perduram até aos dias de hoje.
No discernimento de quem escreve estas linhas, Band On The Run trata-se do melhor álbum a ser lançado por um dos quatro integrantes dos Beatles após a sua dissolução.
GOODBYE YELLOW BRICK ROAD, Elton John
Já Sir Elton John era famoso nesta altura, contando com um repertório de respeito que poderia muito bem formar uma coletânea de êxitos – falamos, a título de exemplo, de Your Song, Levon, Tiny Dancer, Rocket Man e Honky Cat.
Não se negue, no entanto, que 1973 foi o ano do artista: foram dois (Don’t Shoot Me I’m Only the Piano Player e Goodbye Yellow Brick Road) os álbuns bem-sucedidos lançados. Aquele com Daniel e Crocodile Rock; este com tantos outros que mencionaremos a seguir.
Falaremos de Goodbye Yellow Brick Road, que constitui o magnum opus de John. Para um álbum cujas letras foram feitas em uma semana e as melodias em três dias, vinte milhões de cópias parecem um feito incrível.
Não se cesse, porém, o mérito da obra pela escassez aparente de trabalho: Candle In The Wind, Bennie And The Jets, Goodbye Yellow Brick Road e Saturday Night’s Alright For Fighting constam na tracklist; o que à primeira vista parece um disco de Greatest Hits prende-se em integral medida com um álbum de originais.
É difícil também avaliar qual das dimensões é mais sonante – se a qualidade, se a performance comercial.
Sabia o prezado leitor que a regravação de Candle In The Wind, em 1997, aquando da morte da Princesa Diana, vendeu cerca trinta e três milhões de cópias? Pois assim o é.
A maestria da coisa é de tal modo magistral que faixas mais desconhecidas como Grey Seal, I’ve Seen That Movie Too, The Ballad of Danny Bailey e Roy Rogers decerto deliciam até o mais cético dos ouvintes.
Destaca-se Funeral For A Friend / Love Lies Bleeding: descrição desta não faremos, deixando assim ao bel-prazer de quem nos lê essa análise. Uma breve nótula – é uma das melhores músicas de sempre.
Enfim, Sir Elton John tinha imensurável sucesso, mas foi Goodbye Yellow Brick Road que o imortalizou em todos os sentidos.
INNERVISIONS, Stevie Wonder
Desde tenra idade que Stevie Wonder foi reconhecido como um prodígio – com treze anos, tornou-se no mais jovem a atingir o topo da Billboard Hot 100. Só seria ultrapassado por outro génio: Michael Jackson.
Para o artista, os anos 70 foram o período mais pródigo da sua carreira. Signed Sealed & Delivered, Talking Book e Songs in The Key of Life são exemplos desta afirmação. Aqui também se enquadra Innervisions.
Innervisions foi uma lufada de ar fresco na indústria, associando-se a melodias ricas e bem-estruturadas, letras relevantes e a uma produção irrepreensível – ah!, e claro, a voz maravilhosa de Stevie.
Esta obra é a prima expressão do que cerceia a mente Humana, com toda a sua criatividade e genialidade. Não há momento neste álbum em que o autor deste artigo não fique estupefacto, emocionado.
Mas isto é funk? Mas isto é jazz? Mas isto é pop? Não interessa. Ouça-se adequadamente este disco – não se faça verdadeiramente mais nada, coloque-se o leitor confortável e absorva-se neste mundo –, e pense-se somente nisto. É isto e não aquilo; tão simples assim.
OVER-NITE SENSATION, Frank Zappa
Over-Nite Sensation é um álbum curto – tal não significa, porém, que o seja qualitativamente falando.
Zappa usa e abusa dos estilos mais variados, que acabam por concorrer em experiências peculiares e interessantes. O ambiente deste disco é selvagem, não mentimos, embora extremamente fascinante.
Pode dizer-se que esta obra não possui o mesmo carisma e qualidade de Apostrophe (1974), mas também não se pode negar que com esta mantém inúmeros elos de ligação – ou não tivessem sido ambos gravados nas mesmas sessões.
Em suma, é um bom álbum de introdução à discografia do enorme Frank Zappa; abram-se os horizontes!
THE DARK SIDE OF THE MOON, Pink Floyd
Foi com um artigo sobre The Dark Side of the Moon que me apresentei ao Jornal Tribuna, na altura com a mera pretensão de integrar os quadros desta nobre casa. Afirmei o seguinte:
«Quase cinquenta anos depois do seu lançamento, The Dark Side of The Moon permanece tão relevante como sempre, quer nas suas melodias, quer no seu conteúdo lírico. O disco começa com um bater de um coração, que aparenta simbolizar o advento de uma vida.
Eventualmente, a lírica surge com reflexões sobre a efemeridade da vida, a mortalidade do Homem e a saúde mental – as próprias faixas instrumentais ilustram isso, sob a forma de um som experimental e francamente excitante.
De um ponto de vista meramente filosófico, algumas das exposições assentam em sabedoria convencional, pelo que não existe muito a comentar. Outras, não obstante, escondem camadas atrás das suas letras, nomeadamente no que às críticas à sociedade diz respeito.
Levantam-se questões pertinentes: alguém que pensa ou age de forma diferente, tende automaticamente a ser um lunático? A resposta surge no epílogo desta obra fenomenal, Eclipse; não existe nenhum lado escuro da lua, isto é, todos nós temos o nosso lado lunar. O álbum acaba como começou; com a batida de um coração.
Em suma, a obra que culminou na explosão comercial dos Pink Floyd rumina nos ouvidos da história, e impressiona quem ousa aventurar-se pelos caminhos psicadélicos da banda britânica.»
Como é óbvio, mantenho tudo o que disse. Introduzo assim a temática – procurarei elaborar um artigo para comemorar esta efeméride, visto que esta obra merece tudo e mais alguma coisa.
MÚSICAS
“KILLING ME SOFTLY WITH YOUR SONG”, Roberta Flack
Não foi Roberta Flack que originalmente protagonizou Killing Me Softly With Your Song, mas foi ela quem catapultou a mesma para o sucesso com a sua interpretação.
Ganhando inúmeros Grammys e obtendo um sucesso comercial tremendo, esta balada goza de uma doce melodia. Mais concretamente, esta versão de Flack brilha mormente pela sua voz robusta e bela.
“KNOCKIN ON HEAVEN’S DOOR”, Bob Dylan
Este hino, inicialmente gravado para integrar a soundtrack de um filme, atingiu proporções consideráveis por todo o Mundo.
Não espanta: a sua atmosfera, a sua letra, a melodia simples, mas inigualável; decerto assim o merece. Até os vocais de Dylan, por vezes dúbios, são consistentes aqui.
Para além do sucesso, foi regravada por outros tantos artistas, nomeadamente os Guns N’ Roses para o seu álbum de 1991, Use Your Illusion II.
“LET’S GET IT ON”, Marvin Gaye
Marvin Gaye foi uma das forças-motriz dos anos 1970, lançando obras como What 's Going On, que permanecem relevantes até hoje.
Let’s Get It On tem pouco que ver com o exemplo supracitado, dado que representa a primeira experiência de Gaye no chamado funk sensual (cf. Sexual Healing, de 1982, outro extraordinário sucesso) que viria a marcar a segunda parte da sua carreira.
Aposta acertada a do mestre do soul, na medida em que colheu – e bem –, os frutos dessa prosperidade.
“LIVE AND LET DIE”, Paul McCartney
Repito e insisto: Paul McCartney foi a maior estrela desta era. Não estranhe assim o leitor a inclusão do mesmo pela segunda vez.
Música-tema do filme de mesmo nome, “Live and Let Die” é uma música marcante: veja-se que contém secções sonoramente distintas ao longo dos seus três minutos e onze segundos, algo particular para um single reconhecidamente pop.
Curiosamente, os Guns N’ Roses também gravaram uma versão desta canção, desta vez para o álbum Use Your Illusion I.
“MIDNIGHT TRAIN TO GEORGIA”, Gladys Knight & The Pips
«Ligeirinha, ligeirinha» é o que surge quando se escuta este single.
Gladys Knight tem uma voz poderosíssima, e isso é metade do mérito; a outra metade é a instrumentalização fantástica, que parece frugal e não o é, de todo.
Midnight Train to Georgia foi um enorme marco de 1973, tendo tudo a seu favor para justificar tamanho acontecimento.
EVENTOS
ELVIS PELO MUNDO
Elvis já não tinha o fulgor de outrora, mas mesmo assim conseguia impressionar: é caso disso Aloha from Hawaii via Satellite.
Transmitido, como o nome indica, via satélite para dezenas de países, este concerto do Rei foi visto por mais de mil milhões de pessoas.
Presley interpretou vinte e duas canções, incluindo alguns dos seus clássicos (Hound Dog, Can’t Help Falling in Love, Blue Suede Shoes) e versões de músicas de outros artistas (My Way, Johnny B. Goode).
O APARECIMENTO DO BOSS
Em 1973, The Boss, Bruce Springsteen, grava o seu primeiro álbum e realiza os primeiros shows ao vivo.
O resto todos sabemos: momentos lendários, centenas de milhões de discos vendidos e obras impressionantes.
ADEUS, ZIGGY!
Foi no ano anterior que David Bowie nos apresentou a sua persona andrógina, Ziggy Stardust, no álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars.
Foi neste ano que David Bowie terminou abruptamente com esta persona, mostrando que é um artista que quer e gosta de evoluir. Adeus, Ziggy!
SYDNEY OPERA HOUSE
Sua Majestade, a Rainha Elizabeth II procedeu à inauguração da Sydney Opera House.
Caracterizada pela sua estética única e estonteante, este local serviu, ao longo dos anos, para eventos lendários.
E EM PORTUGAL?
Portugal vivia em 1973, como se sabe, num regime autoritário. Não obstante, brotavam já nesta altura os rebentos revolucionários que estariam na génese do 25 de abril de 1974.
No estrangeiro, organizavam-se cantautores como José Mário Branco e Sérgio Godinho; artistas renomados como Amália Rodrigues, Alfredo Marceneiro, Carlos Paredes e os Duo Ouro Negro prosseguiam com as suas carreiras; outros, como José Afonso, estavam detidos, em parte pelo que proclamavam nas suas canções de intervenção.
Seguem-se cinco recomendações que ilustram o que melhor se fazia no nosso país:
“BRUMA AZUL DO DESEJADO”, Quarteto 1111
“MARGEM DE CERTA MANEIRA”, José Mário Branco
“MESTRE”, Petrus Castrus
“POR MORRER UMA ANDORINHA”, Carlos do Carmo
“VENHAM MAIS CINCO”, José Afonso
Nota do Autor: Este será o primeiro de um conjunto de artigos que irá enfatizar o que se fazia nestas «datas redondas». As obras indicadas não são necessariamente as melhores – são, isso sim, aquelas que representarão melhor a sonoridade deste ano.
João Vilas Boas,
Departamento Cultural
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