A Música em 1983
- João Vilas Boas
- 23 de mai. de 2023
- 5 min de leitura
Hoje acordei com uma enorme vontade de escutar o que se ouvia há quarenta anos atrás.
Dessarte, quero estar devidamente preparado, tentando emular ao máximo o contexto da época. Certo, irei manter-me por contextualizar a conjuntura desta sala: não tenho cabelo nem para uma permanente, nem para um mullet, e tampouco o meu corpo requer aquelas roupas extravagantes, digamos, em falta de melhor vocábulo.
Fitando o gira-discos, sento-me na minha poltrona e bebo um pouco de Coca-Cola – ou será Pepsi? (Ah!, hodiernamente ainda continua esta guerra). Pego num disco de capa roxa, colorida; 1999, do Prince.
Excelente disco, mas reside aqui um problema: este, na verdade, é de 1982. Ora, o desejo é manifestamente ouvir algo do ano seguinte, e todos sabemos quanto o mundo anda, gira, pula e avança, qual galgo numa corrida de morte, num só ano.
Assim, seleciono outro vinil. O escolhido é…
1. ÁLBUNS
WAR, U2
…War, U2. Confesso que a banda não é a minha predileta, mas é uma excelente obra.
Vejamos: «Sunday Bloody Sunday», «Seconds», «New Year’s Day», «Drowning Man» e «40». Se esta coletânea de faixas não impressiona o mais cético dos críticos, não sei o que impressionará.
O álbum está vivo, recheado de energia e com vontade de tecer objeções contundentes (nomeadamente aos episódios trágicos na Irlanda do Norte e na Polónia).
É verdade que o LP perde a sua vitalidade no Lado B, mas isso é um vício do qual o lendário The Joshua Tree também padece.
Reconhecidamente político, consta uma produção adequada e direta (neste último distinta da que seria feita por Brian Eno, a posteriori), que incide na perfeição numa agressividade cristalina.

POWER, CORRUPTION & LIES, New Order
Depois de Ian Curtis tragicamente tirar a sua própria vida, era pouco expectável que os Joy Division regressassem com o vigor de outrora. Enganados estávamos.
Os New Order emergiram dos resquícios da banda, que ademais contribuíram com elementos novos, provenientes da cena noturna de Nova Iorque. O resultado foi Power, Corruption & Lies.
Aquele que toca o disco sem qualquer experiência prévia, irá deparar-se com «Age of Consent» – e que extraordinária introdução, caros leitores.
O que se segue é o rumo natural de um álbum certamente mais eletrónico (magistrais drum machines e sintetizadores, por falar nisso!) e alegre que os clássicos dos Joy Division. A despeito disso, mantém o charme que sempre caracterizou estes últimos.

HOLY DIVER, DIO
Depois de sair dos Black Sabbath, Ronnie James Dio formou a sua própria banda, recrutando membros experientes e competentes para a integrar.
Fruto do trabalho destes, surgiu Holy Diver, obra pródiga do grupo, que patenteia o uso de melodias extraordinárias, particular âmago do disco, com as composições ótimas que já RJD nos habituara.
Em suma, este é um clássico do Heavy Metal, inequivocamente situado entre os melhores álbuns da década.

VIOLENT FEMMES, VIOLENT FEMMES
É agradável quando nos deparamos com algo à frente do seu tempo: seja na alteridade típica ou no valor de algo material.
Violent Femmes aparenta precisamente sair do preâmbulo dos anos 2000, idiossincrático por manifestar um espírito adolescente, belicoso e honestamente patético.
No entanto, nem tudo o que parece é; este álbum é temperado por um humor próprio, que brilha e ofusca qualquer circunstância que nos tente repelir.

SPEAKING IN TONGUES, TALKING HEADS
O autor, enquanto fã de Talking Heads, pode ostentar escassez de lucidez na sua análise – mas esta, quiçá exposta inconscientemente, em nada oprime a excelência deste LP.
Muitos adeptos da banda olharam de lado para este projeto (admitindo-o quem mesmo escreve estas palavras, a seu tempo e numa hora menos perspicaz), conquanto isso se pareça dever à saída do maestro Brian Eno.
Revisitando Speaking in Tongues, esse discernimento afigura-se inadequado, precipitado: pois Bryan apresenta-se no apogeu das suas capacidades, complementando tais dotes com uma atmosfera funky.
Ora, manifestamente mais pop que anteriores experiências, será que em abono da verdade se pode dizer que é um disco fora dos ilustres campos da virtude? Parece que não.

2. AS MÚSICAS
OS SINGLES DE THRILLER
Já Michael Jackson era um astro (rememoração para o famigerado Off the Wall, de 1979), provavelmente o maior da indústria discográfica americana, quando lançou Thriller.
A diferença, claro está, é que este o impulsionou para outro nível: o panteão das superestrelas, figura imortal e solene, comparável apenas aos Beatles e a Elvis (há quem diga, até, que os ultrapassou no escopo da sua popularidade…).
O menino de Gary, Indiana, tornava-se, assim, um homem; bem lhe fez a parceria com Quincy Jones, produtor de magistral qualidade e sujeito ímpar no seu próprio mérito. Quarenta anos depois, Thriller permanece o álbum mais vendido de todos os tempos, com uma influência que aparenta não cessar.
O leitor poderá ter estranhado o porquê de não incluir este magnum opus na lista prévia – decerto não foi de malograda ciência, visto que as mais de cem milhões de cópias o fariam obrigatoriamente constar na mesma, para além da extraordinária casta do disco, sem quaisquer dúvidas o maior e melhor álbum pop de todos os tempos.
A razão para não incluir Thriller é muito simples: o álbum é de 1982, pese embora os seus singles sejam de 1983, motivo pelo qual aqui estão inseridos.
Das nove faixas, sete foram singles: Wanna Be Startin’ Somethin’, The Girl is Mine, Thriller, Beat It, Billie Jean, Human Nature e Pretty Young Thing.
Todas dignas de enunciação. Todas com inigualável promoção. Todas de vastíssima qualificação.

«UPTOWN GIRL», Billy Joel
Billy Joel não necessita de apresentações: sempre teve o ímpeto adequado de, quando o momento clamar por tal, renovar a sua música. Bem assim, temos «Uptown Girl».
O piano man traduz nesta canção uma receita vencedora – combina os sons da sua juventude com influências contemporâneas.
Este single, prima facie demasiado ingénuo, consegue ecoar e perdurar nos ouvidos de qualquer um.

«LET’S DANCE», David Bowie
Após a trilogia de Berlim, que, sem prejuízo da sua evidente magnificência, não teve particular sucesso comercial, David Bowie procurou Nile Rodgers para fazer um álbum adaptado aos tempos que se viviam.
Desta colaboração soergue «Let’s Dance», que emplacou singles como o homónimo, «China Girl» e «Modern Love», provas assentes do talento do artista britânico.

«EVERY BREATH YOU TAKE», The Police
Uma das músicas mais ouvidas em casamentos retrata, na verdade, perseguição e obsessão. Nunca estivemos tão iludidos.
Apesar disso, «Every Breath You Take» tem relevância por ser, de facto, fenomenal. Desse modo, não é de estranhar o sucesso imenso que teve aquando o lançamento.

«OWNER OF A LONELY HEART», Yes
Os Yes são uns dos responsáveis por trazerem o rock progressivo às luzes da ribalta, isto é, para o topo das paradas.
«Owner of a Lonely Heart» pode não soar como os outros trabalhos da banda, no entanto assemelha-se inequívoco que o grupo instituiu um single de grande qualidade; marcou toda uma era.
3. EVENTOS
BOY GEORGE E OS CULTURE CLUB
Irreverente, atípico, peculiar – bons adjetivos para caracterizar Boy George, personagem incontestável da época.
Se o estilo andrógino dos anos 80 é clarividente, isso pode dever-se a Boy George, que chegou a ser ostracizado pelo seu estilo e orientação sexual.
Independentemente de qualquer tentativa de os abalar, os Culture Club obtiveram êxito e permanecem relevantes: «Karma Chameleon» é um hino da comunidade LGBTQIA+, tendo sido lançado numa altura em que direitos fundamentais mostravam-se ofuscados.

A RAINHA DA POP
Madonna lançava o seu álbum homónimo de estreia, e começava um caminho por vezes periclitante, mas indubitavelmente bem-sucedido.
Não obstante menos conhecido que outros dos seus discos, Madonna constitui uma obra honrada, recordando-nos da era disco com um leque de canções muito bem conseguidas («Borderline» e «Holiday» à cabeça).

NASCIMENTO DOS METALLICA
Em 1983, os Metallica lançavam o seu primeiro álbum, Kill Em’ All.
Como alguém já disse, tudo o resto é história, muita desta feita pelo grupo. Nothing Else Matters…

4. EM PORTUGAL
→ FADO BAILADO, Rão Kyao
→ COINCIDÊNCIAS, Sérgio Godinho
→ ANJO DA GUARDA, António Variações
→ AO VIVO NO COLISEU, José Afonso
→ LÁCTEA, Tó Neto
João Vilas Boas,
Departamento Cultural
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