Diferentes o suficiente para não sermos os mesmos; iguais o suficiente para não sermosdiferentes.
- Jornal Tribuna
- 22 de mai.
- 2 min de leitura
Diria que a sociedade está doente, mas uma sociedade patológica é uma sociedade “anormal” e, assim o sendo (e, assumindo que a patologia é o bom senso, o respeito e o sentido crítico), a sociedade está imperfeitamente saudável.
Voltamos, novamente, à guerra dos sexos - de um lado, homens que lutam pela liberdade de ignorar o consentimento;do outro, mulheres que lutam pela sua liberdade, privacidade e, acima de tudo, pela possibilidade de viver. Repugnante! Que atitude nesciamente opressiva! Pois bem, meninas, não percebeis a necessidade de um homem de violar os vossos direitos individuais, de não vos reconhecer como alguém, e de vos tirar fotos sem consentimento para proveito próprio? Pois bem, o excesso de testosterona não deixará que o mundo masculino seja dominado pela frigidez!
A sociedade está saudável e recomenda-se! Conseguimos o que queríamos: uma sociedade fortemente pautada por valores imateriais. A fé move montanhas - ainda bem que esse Deus sumamente bom e omnisciente definiu tão corretamente o papel de cada um, dando o individualismo aos homens e uma só missão a todas as mulheres: a de ser involuntariamente objeto de tentação e assédio. Imagino que a Virgem Maria estará orgulhosa.
Regozijo-me em saber que podemos todos viver livremente, de forma segura. Afinal, a quantidade de meninos crescidos que juram e prometem que defendem as próprias mães de todos os males do mundo é suficiente para que a sociedade opere. (Sim, é pena para as mulheres sem filhos, mas apregoa-se tanto que mulheres servem só e apenas para ter e cuidar dos filhos, que me leva a concluir que a culpa é inteiramente delas). Que alívio sinto ao saber que muitos homens só agiriam acaso pudessem, indiretamente, ser vitimizados…
Acho bem que protejam as próprias mães, naturalmente. É triste que isso sequer se coloque em causa. Contudo, frustra-me, genuinamente, estas juras de proteção. A instituição “Mãe” é sagrada, mas as mães não são as únicas humanas, tampouco as únicas mulheres a quem se deve respeito, segundo um código ético tacanho e perverso.Antes de uma mãe, está sempre um humano. Não podemos perpetuar a ideia da vítima como a “mãe” ou a “filha” de alguém. Que sociedade individualista a nossa, onde nos esquecemos de que alguém é alguém porque o é, e não porque o é para alguém.
Cada vez mais, os indivíduos de uma sociedade distanciam-se da realidade e abandonam a sua consciência por vontade própria. É preferível viver uma realidade à nossa escolha, mas essa realidade fictícia não é material o suficiente, e a realidade objetiva é assustadora. A distância da realidade é o distanciar da consciência e, consequentemente, da empatia, e, não sendo essa, por si só, uma razão que dê azo à perpetuação do machismo na sociedade, será, e já é, um fator a se ter em conta na luta contra o materializar destes idealismos bacocos.
Espero que os nossos fotógrafos profissionais, os nossos meninos do futuro, os 70 mil homens de boa índole, os influenciadores digitais e todos os outros perpetuadores da normalização da objetificação da mulher e da vida humana continuem a proteger as suas
mãezinhas!
André Freitas
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