Nota inicial: O artigo pode conter spoilers.
I: Incursão pelo trabalho de James Cameron
Em 1997, James Cameron parou a indústria cinematográfica com Titanic (os onze Oscars vencidos, dos catorze para os quais foi nomeado, falam por si): uma narrativa épica, dramática e romântica a bordo do RMS Titanic — “the ship of dreams!”, como o apelidou Gareth Russell. Condenado (infelizmente) a um filme que retrata, tão só, o memorável e horrível naufrágio, a verdade é que Titanic é mais do que isso, é o escopo perfeito do Homem moderno: a sua ascensão conduz necessária e invariavelmente à sua queda. Mas vai para além disto: para nós, Titanic é o rosto da gente anónima que morreu e que sobreviveu entre a noite de 14 e a madrugada de 15 de abril de 1912.
Anos mais tarde, em 2009, a história veio a repetir-se com Avatar: um filme de ficção científica que explora o universo de Pandora (uma das luas de Polifemo, um dos três fictícios gigantes gasosos que orbitam Alpha Centauri) [1]. À data, foi deixada a promessa de uma sequela, que só veio a ser cumprida — bem ou mal — treze longos anos depois, em 2022, com o tão esperado Avatar: The Way of Water.
Em retrospetiva, James Cameron carrega, desde 1981, um know-how implacável: vejam-se os seus variadíssimos sucessos — The Terminator (com o qual foi apelidado, por muitos, como o “precursor da ficção científica”), Aliens, The Abyss, Titanic e Avatar —, as suas bilheteiras históricas, o seu pioneirismo em tecnologia na produção de filmes. Mas do que lho valeu?
II: Críticas, spoilers e opiniões sobre The Way of Water
Parafraseando, como caricatamente o fez, o The Guardian, “Astonishing! Enthralling! Exciting! Immersive!” são adjetivos que não podem ser imputados a The Way of Water.
Como se podia esperar…, Jake Sully tornou-se num dos nativos, constituiu família com Neytiri, governou os Omaticaya (o clã na’vi da floresta) e expulsou “o povo do céu” de Pandora — brecha propositada e previsivelmente deixada para que a “antiga ameaça” ressurgisse (pasmem, o mote do segundo filme, que em nada difere do mote do primeiro, uma vez que os humanos procuram, nesse e neste, os recursos naturais da lua de Polifemo para um qualquer fim egoísta).
No entanto, não ficamos por aqui. O lema “the Sullys stick together” traz uma dinâmica familiar estereotipada; bastante, por sinal. Vejamos: Jake Sully, um pai intransigente, demonstrou-se, ao longo do filme, cansativo e pesado. Neytiri, que até então desempenhou um papel irreverente, reduziu-se aos argumentos de autoridade (“My husband was Toruk Makto”). Neteyam é o filho-modelo. Lo’ak é o filho teimoso — e, surpreendentemente, o único que teve um desenvolvimento digno. Kiri é a filha estranha — em boa verdade, é filha da Dra. Grace Augustine, que morreu em, por e para Eywa (o desfecho é fácil de antever…). E, por fim, Tuktirey é a filha irritante.
Aliás, muita desta dinâmica fica aquém do esperado. Os personagens são supérfluos e desconexionados entre si, e até mesmo da realidade que os rodeia — este aspeto é visível quando Neteyam, Lo’ak, Kiri e Tuktirey usam constantemente terminologias como “bro” ou “cuz”; apesar da nossa comunicação se ter desfeito em palavras pobres, espécies alienígenas tribais não se comunicam nesses moldes. Os laços familiares crescem, tão simplesmente, de forma desordenada.
Por outro lado, e apelando à filosofia de Hegel — à tese opõe-se a antítese, à qual se opõe a síntese, que é a nova tese —, os conflitos (muito menos bélicos que o primeiro filme) desdobram-se em múltiplas, repetitivas, exaustivas e premeditadas reviravoltas. Atentemos: o Coronel Miles ou captura constantemente os filhos de Jake Sully e Neytiri, que têm de ser resgatados, ou destrói (como um bárbaro) tudo por onde quer que passe. Pelo meio, travam-se intensas, ofegantes e inéditas batalhas — cuja fórmula é repetida vezes sem conta ao longo das desconfortáveis três horas, em especial, a última, que tão bem se caracteriza pela fadiga.
Não menos importante (ou, melhor, o mais importante e o pior), o roteiro foi construído sobre os erros cometidos no primeiro filme. Avatar: The Way não os corrigiu; pelo contrário, serviu-se deles para criar um filme ainda mais lacunoso e falho. E porquê? Porque James Cameron foi mimado pela 20th Century com um orçamento incomensurável, com longas horas de execução e gravação, com tecnologia de ponta, com o SFX, com o 3D, com o IMAX, com outros tantos benefícios. Mas foi mimado a troco de quê?
E, por isso, fica a questão: por quanto mais tempo durará a soberba de James Cameron?
[1] No universo de Avatar, os nomes dos astros foram cunhados em referência a figuras mitológicas. Polifemo é filho de Posídon (o deus dos sete mares) e de Teosa (uma ninfa), daí a sua cor azul. Pandora (a primeira mulher criada para agradar aos homens), conhecida como “aquela que tudo dá”, mas também como “aquela que tudo tira”, é a representação de Eywa, a Grande-Mãe.
Francisco Paredes
Departamento Cultural
Commenti