No passado dia 15 de abril, a Faculdade de Direito da Universidade do Porto teve a honra de receber Inês Marinho, da associação “Não Partilhes”, para uma ação de sensibilização relativa à violência sexual com base na partilha de imagens íntimas. O evento, inédito na academia, foi organizado pelo FEMfdup, o Coletivo Feminista da FDUP, que continua a contribuir para a discussão de temáticas tão importantes na vida de todas as mulheres.
Antes de mais, importa referir que a associação “Não Partilhes” é uma organização não governamental (ONG), criada em 2019, que contribui para a divulgação e consciencialização do ilícito de abuso sexual com base em imagens. O seu trabalho consiste na promoção de sessões de divulgação nas escolas, consciencialização nas redes sociais e partilha de testemunhos. Nas suas redes sociais podemos encontrar sugestões culturais feministas, guias acerca dos passos a tomar perante a partilha de conteúdos íntimos e posts que ajudam a desconstruir preconceitos misóginos sobre a imagem da mulher. A ONG “Não Partilhes” cria um espaço de partilha onde as vítimas se sentem seguras, reconhecidas e protegidas, porque podem procurar respostas para as suas questões e confirmar a revolta que sentem pelo crime que sofreram.
Um dos maiores problemas nesta área prende-se com o facto de não haver, no Código Penal, uma previsão do crime de partilha de imagens íntimas sem consentimento, pelo que as ações penais caem sempre no crime de devassa da vida privada (art. 192.º do Código Penal). Assim, tanto a fundadora da associação como outras organizações não governamentais, trabalham ativamente para influenciar o legislador através de petições e cartas abertas. O objetivo fundamental reside no aprofundamento e consolidação deste tipo de ilícito, no sentido de conceder uma maior proteção e justiça às vítimas.
O evento foi marcado por uma apresentação dinâmica e pessoal, em que a oradora nos conduziu pela sua experiência pessoal e pelos motivos que a levaram a criar a associação. De forma a compreender melhor a questão em causa, debruçou-se sobre os efeitos psicológicos que marcam as vítimas para sempre, sobre as elevadas taxas de suícido e a total reprovação social que a sociedade confere à vítima, e não ao agressor. Um dos elementos que contribui para a gravidade deste ilícito está muito presente nesta condescendência que se toma em relação às vítimas, quando sobre estas são impostos preconceitos machistas que apenas pretendem justificar uma atitude criminosa. Não há qualquer justificação moral, ou até legal, para que um indivíduo decida partilhar imagens íntimas de uma pessoa. As consequências que esta partilha tem para a vítima são incalculáveis, e começam pelo julgamento social, que escala para um julgamento pessoal.
Com a intenção de desconstruir preconceitos acerca deste problema, a oradora explicou que esta partilha de imagens não se limita àquelas tiradas pelas vítimas a si próprias. O reverso deste problema está mesmo no facto de existirem agressores que partilham imagens que eles próprios tiraram de mulheres e crianças em espaços públicos. Em causa estão práticas intituladas de upskirting e downskirting. Estamos perante uma total violação da intimidade e privacidade, e que é utilizada para a sexualização das vítimas. O tipo de discurso que é feito nos grupos onde estas imagens são partilhadas e trocadas é desumano, e ultrapassa qualquer tentativa de imaginação.
O trabalho europeu nesta área foi, também, um dos tópicos de discussão. Tendo por base a relevância do AI Act, que visa regular todo o desenvolvimento e funcionamento da inteligência artificial na União Europeia, a apresentação debruçou-se sobre o perigo crescente que representam, por exemplo, os deep fakes. Se a partilha de imagens íntimas já era um problema, a inteligência artificial vem permitir um crescimento exponencial deste tipo de ilícito. A facilidade de manipulação de imagens associada à rapidez da partilha vem agravar a situação. Posto isto, reconhece-se a enorme importância deste regulamento para acautelar este ilícito.
A fim de obter um testemunho direto, o Jornal Tribuna falou com Beatriz Morgado (estudante de 3º ano da Licenciatura em Direito e coordenadora do departamento de eventos do FEMfdup), que explica: “ É mesmo crucial trazer a violência sexual com base em imagens para o Ensino Superior. Todas as mulheres conhecem uma mulher que já foi vítima deste ilícito, elas próprias já o foram ou já se sentiram pressionadas a partilhar conteúdo íntimo.”. A estudante referiu, ainda, que este tipo de conversas devem deixar de ocorrer apenas entre mulheres, tendo os homens o dever de assumir uma posição ativa dentro dos seus grupos de amigos, no que diz respeito à censura destes comportamentos criminosos. Enquanto não houver esta atitude reprovadora do lado do agressor, a censura social continuará apenas a recair sobre a vítima. Para terminar, Beatriz Morgado reforçou que “somos todas Inês, somos todas mulheres, e todas sofremos os mesmos problemas, pelo que vamos mudar o mundo uma palestra de cada vez”, como reafirmação da importância destas discussões na academia.
Para terminar, não podia deixar de reconhecer o trabalho e esforço do FEMfdup em trazer à Academia estes eventos ligados a problemas vividos pelas mulheres. A violência sexual com base em imagens continua a fazer parte da realidade de todas as mulheres, representando uma ameça que, a qualquer momento, lhes pode destruir a vida. A motivação que está na base deste ilícito está sempre associada a uma intenção misógina de descredibilização e humilhação da mulher. Enquanto a sexualização da mulher constituir uma arma de repressão e abuso, não teremos uma sociedade verdadeiramente justa. O primeiro passo consiste em colocar a censura social no agressor, e não na vítima.
Ana Picado
Departamento Mundo Universitário
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