O Novo “Tribunal Popular”: redes, cancelamento e desinformação
- Beatriz Nunes
- há 3 horas
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Caros leitores,
Após um período de descanso, estou de volta com muitas ideias e com vontade de as desenvolver e partilhar convosco. Durante esta pausa, refleti sobre temas que pudesse abordar aqui – temas que, não sendo excessivamente “didáticos”, vos levassem a ler e, sobretudo, a pensar.
Decidi, então, inclinar-me para um assunto que me ocupa os pensamentos com frequência: o papel das redes sociais como um “Tribunal Popular”. Refiro-me ao constante julgamento a que são submetidas pessoas com opiniões ou com formas de estar distintas. Esta tendência não só fomenta o cancelamento de vozes divergentes, como também alimenta a desinformação. Pior ainda: leva à aceitação acrítica daquilo que as “massas” defendem como “normal” – como se a verdade fosse decidida por likes!
Este ciclo de julgamento coletivo faz-se sentir em vários contextos, e o universo académico não é exceção. É no ensino superior que se espera ver pensamentos livres, vozes soltas e críticas. As redes sociais são muitas vezes usadas como extensão do espaço universitário, funcionando como arenas de validação instantânea, onde o receio de ser “cancelado” limita a autenticidade.
Quantos estudantes não se imobilizam com receio de desagradar à maioria? Porquê pensar igual, quando é a diferença que te faz ser quem tu és? Antes de tudo, devemos ser honestos com aquilo que somos e com aquilo que queremos ser. Não devemos camuflar-nos numa “cadeia de opiniões” apenas por medo de sermos julgados. Vivemos em democracia, vivemos na era da dita “liberdade”. Então, se assim é, porque não podemos dizer o que sentimos e o que pensamos? Ser livre não é, precisamente, isso?
Como estudante de Direito, tenho plena noção que o conceito de liberdade não é igual para todos. No entanto, se realmente defendemos a liberdade, devemos estar dispostos a ouvir diferentes perspetivas - porque todos somos diferentes. Não tens de concordar com a visão do teu colega, mas tens de a ouvir e respeitar!
Claro que isso não significa que tudo possa ser dito sem qualquer pudor ou filtro. É fundamental respeitar os limites de quem nos rodeia. A liberdade de expressão deve coexistir em harmonia com o respeito pela dignidade e pela honra do outro.
Esta pressão subtil, mas constante, mina o espírito dos jovens. Ao invés de existir uma desconstrução de ideias, começamos a aceitar verdade fáceis, frases feitas e posições inquestionáveis – muitas vezes sem base sólida. As redes reforçam essa atmosfera: uma ideia amplamente partilhada ganha estatuto de “certa”, mesmo que careça de rigor e fundamento.
O que estamos a viver é uma inversão silenciosa daquilo que é a liberdade de expressão. Hoje, qualquer pessoa com uma visão diferente da maioria é facilmente julgada. Vejo com frequência alguém partilhar o que pensa e, só por isso, ser alvo de julgamento e ainda de insultos. A contradição é evidente: quem tem uma opinião singular é acusado de ser ofensivo ou desrespeitador, mas insultar essa mesma pessoa, apenas por pensar diferente, parece aceitável, democrático e até “normal”.
Talvez o maior desafio do nosso tempo não seja a ausência de liberdade, mas a dificuldade em usufruir da mesma com responsabilidade. Defender um espaço onde todas as vozes possam ser ouvidas (mesmo as que nos incomodam) é um exercício de maturidade! A essência das relações interpessoais deve estar na escuta, na empatia e na capacidade de aceitar que não temos todos de pensar da mesma forma..
É um mundo onde todos falam e poucos realmente ouvem. É na escuta que nasce a tolerância, permitindo uma sociedade mais livre, mais justa e mais consciente. Estamos preparados para ouvir, ou apenas para julgar? Talvez esteja na hora de reaprendermos a escutar.
Beatriz Nunes
Departamento Mundo Universitário
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