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Performatividade e a miragem da perfeição

  • Foto do escritor: Martinha Carneiro
    Martinha Carneiro
  • 3 de out.
  • 2 min de leitura

Neste verão, surgiu uma trend que se foca em criticar, através  do humor, a performatividade- principalmente por parte de homens (“performative men”)- que fingem certos gostos de modo a capturar interesse amoroso. A preocupação extrema com a aparência leva a uma encenação exagerada, com o objetivo de manipular a percepção daqueles que os rodeiam.


Com a explosão da discussão em torno deste conceito, comecei a aperceber-me que, também dentro do universo académico, este era um fenómeno frequente: stories com fotos de livros perfeitamente alinhados e post-its colour coded, vlogs de longas tardes de estudo, imagens cuidadosamente construídas do estudante perfeito. Até que ponto seria tudo isto verdade e até que ponto seria apenas performance? Como é que isto afeta quem consome este tipo de conteúdo?


Tendo estas questões em mente, deparei-me com a obra filosófica e política intitulada “A sociedade do espetáculo”, publicada por Guy Debord em 1967, que oferece uma análise acerca do impacto da comercialização da própria experiência humana- o comércio de imagens e representações- seja através dos meios de comunicação tradicionais, seja, atualmente, através das redes sociaisDebord afirma que “Tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação”, ou seja, mesmo no que toca às relações entre pessoas “comuns”, o autor acusa-nos de não vivermos diretamente, mas sim de permanecermos presos numa posição de autoanálise constante, participando também parte do espetáculo. Mantemos, assim,  um foco inabalável na nossa imagem, comercializando-a não por dinheiro, mas em troca de aceitação e da admiração dos nossos semelhantes...


A nossa experiência enquanto jovens e estudantes em 2025, de muitas formas, comprova as ideias apresentadas por este autor. Ao fazer esta afirmação, não pretendo subir a um pódio moral nem acusar os meus iguais de serem fúteis ou de viverem obcecados com o próprio reflexo, mas sim reconhecer que todos fazemos parte da sociedade do espetáculo. 


A organização social atual aprisiona-nos de tal modo que nos tornamos o nosso próprio encarcerador.  É impossível escapar à importância da aparência: vivemos numa sala de espelhos, rodeados de projeções do que somos e do que queremos ser, analisamos e somos analisados.


Seguindo a teoria desenvolvida por Debord, isto gera, por um lado a perda de identidade individual, à medida que a maioria da população tenta encaixar-se naquilo que são os ideais propagados tanto pela mídia como pelos nossos pares. Por outro lado, faz surgir um sentimento de alienação e de culpa, já que a imagem projetada por todos os que nos rodeiam, por mais ilusória que seja, cria a sensação de constante desadequação e exaustão ao perseguir a miragem que nos é vendida.


Concluindo, a preocupação com a imagem e o sentimento de culpa que ela gera são elementos de tal forma enraizados na nossa sociedade que dificilmente deixarão de ter relevância. No entanto, ter consciência do caráter teatral  de grande parte do que nos é apresentado é um passo importante para nos podemos libertar da pressão das expectativas irrealistas.


Martinha Carneiro

Departamento Mundo Universitário

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