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Foto do escritorEunice Galvão

A Verdade sobre o Amor e a Saúde Mental

“Turtles All The Way Down” é uma adaptação cinematográfica do livro homónimo de John Green. Este filme conta-nos a história de Aza Holmes, uma adolescente de 16 anos que sofre de uma perturbação obsessivo-compulsiva. No seu decorrer, é retratada a jornada de Aza e a sua luta diária com esta perturbação mental. Por causa da sua doença, o seu maior medo é ser contaminada por bactérias que darão origem a uma infeção. Por este motivo, o contacto físico é algo complicado para a protagonista deste filme. Tudo se torna ainda mais desafiante quando aparece Davis, rapaz por quem Aza começa a nutrir sentimentos.


Após ter terminado de ver o filme e ter ido pesquisar opiniões de outras pessoas na internet, deparei-me com o típico comentário de um filme romântico (spoiler alert): “eles deviam ter ficado juntos”. Mas será que isto é mesmo verdade? Um dos maiores receios de Aza era ter de beijar Davis. Quando finalmente o consegue fazer, fica aterrorizada com a ideia de uma infeção poder estar a crescer no interior do seu corpo, chegando ao ponto de engolir desinfetante. É claro que se Aza e Davis tivessem terminado juntos, este seria um final mais feliz e que agradaria mais aos espectadores, sobretudo os hopeless romantics, que defendem o amor enquanto cura para tudo. Não obstante, seria um fim realista? Será que, tendo em conta a condição da protagonista, faria sentido eles ficarem juntos? 


A grande questão que se coloca é a seguinte: os filmes devem ser realistas ou “bonitos”?


Existem várias opiniões no que toca àquilo que um filme deve ser. Muitos defendem que os filmes devem ser “bonitos”, porque são uma forma de distrair as pessoas dos seus problemas (tal como se costuma dizer “para trágica já basta a vida”). A meu ver, é importante existirem filmes “bonitos” como forma de inspirar as pessoas e de as motivar, renovando-lhes a esperança. Mas os verdadeiros apaixonados prezam pelo realismo. É claro que todos gostamos de ver filmes mais “leves” como mera forma de entretenimento e, sejamos honestos, todos gostamos de um final feliz. Contudo, o cinema é uma arte. Apesar de o conceito de arte ser uma discussão filosófica que se encontra em aberto, no meu ponto de vista, a verdadeira arte cria empatia com o espetador, relevando os seus sentimentos. 


Quando vejo um filme, não o vejo simplesmente porque sim. Procuro retirar algo, algum ensinamento útil para a minha vida. Assim sendo, sou daquelas pessoas que defendem que os filmes devem ser realistas. Aza e Davis ficarem juntos não seria um fim realista para “Turtles All The Way Down”. Viver com uma perturbação mental implica um caminho de altos e baixos. No início do filme, percebemos que a protagonista não está propriamente bem. Recusa-se a tomar a sua medicação e passa os seus dias escrava dos seus pensamentos. Mesmo que Aza estivesse bem, conhecer Davis e aquilo que ela teria de ultrapassar para conseguirem ter uma relação amorosa dita normal seria sempre um desafio. Tendo em conta que Aza não se encontrava propriamente bem, o rapaz vem apenas perturbar ainda mais a sua estabilidade. À medida que avançamos, o estado de Aza vai piorando. Chegamos mesmo ao ponto em que os protagonistas se encontram num café, Davis senta-se ao lado de Aza e esta pede-lhe para trocar de lugar e sentar-se à sua frente, uma vez que a proximidade entre os dois a incomodava. Tendo em conta o estado de Aza, como é que ela conseguiria ficar com Davis? Não seria um fim realista, uma vez que não bastaria estalar os dedos para ficar tudo bem. Não seria uma descrição realista de como funciona a progressão de uma perturbação obsessiva-compulsiva. Aliás, iria transmitir uma ideia banalizada e romantizada de que é uma doença fácil de lidar, o que é, no mínimo, ofensivo para quem tem de viver com isto todos os dias.


Como já foi mencionado, “Turtles All The Way Down” é uma adaptação cinematográfica feita a partir de um livro. Muitas vezes, estas adaptações fogem à sua versão original para uma versão que atraia mais audiências. Nestas situações, o realismo é trocado por aquilo que se acha que os espectadores irão gostar mais. Apesar de ser a favor do realismo, entendo que o final mais bonito possa servir como forma de inspirar as pessoas, tal como já mencionei acima. No entanto, neste caso, esta alteração não seria feita a pensar na felicidade dos espetadores, mas simplesmente na forma de angariar mais dinheiro. Isto, a meu ver, é desrespeitador para o autor do livro, uma vez que destrói por completo a mensagem que este queria transmitir. O desejo por finais “bonitos” muitas vezes ignora a importância do realismo, que é fundamental para refletir sobre as verdadeiras dificuldades enfrentadas por muitos.


Eunice Galvão

Departamento Cultural


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