O alegado sentimento de superioridade ocidental criou uma bolha de passividade e de distanciamento do ocidente perante o resto do mundo, na medida em que havia o dado adquirido de que a cultura ocidental, naturalmente mais civilizada, nunca mais veria a guerra, característica dos países do Terceiro Mundo. Não é de espantar que, agora que tudo caiu como um baralho de cartas, a Europa esteja assolada por um sentimento de assombro e de perplexidade quando uma guerra está à porta das suas fronteiras. Afinal assiste a todos. Mas porque é que só incomoda o genocídio de alguns? Não deveriam todos os povos, de igual modo, ver respeitado o seu direito à autodeterminação? A luta dos palestinianos, um caso óbvio de genocídio, já é aceitável? Ainda alguém se lembra da Palestina?
Nação. Do latim natio, define uma comunidade, um conjunto de indivíduos historicamente ligados pela mesma língua, a mesma cultura e por tradições, interesses e aspirações comuns. Deste sentimento de nação, nasce o desejo de um povo de autodeterminação, que se manifesta na existência do Estado-nação que os represente, do Estado que possa construir um projeto que vá de encontro às suas aspirações. Em que é que a Palestina é diferente? Na verdade, em nada. O território da Palestina historicamente denomina a área geográfica que atualmente cobre o Estado de Israel, Cisjordânia e a Faixa de Gaza, e existe desde o Império Otomano, no séc. XIX. A palestinidade, sentir-se palestiniano, é algo que os colonizadores israelitas negam, mas é inegável: o termo palaistine já começou a ser usado pelos gregos e pelos romanos na antiguidade, e o irónico é que o sentimento de palestinidade consolidou-se perpetuamente com a agressão israelita ao povo árabe com a Al-Nakba (A Catástrofe), em que, depois de um ato unilateral em que se formalizou a criação do Estado de Israel, cerca de 80% da população árabe da Palestina foi forçada ao exílio. O exílio é o espaço de tempo em que, para não ser anulado, o refugiado busca reforçar a sua identidade, e portanto, a partir desse momento fulcral o palestiniano identifica-se como tal pelo sentimento antagonizante perante o colonizador israelita que os expulsou dos seus lares, pela experiência no exílio, pelo direito à terra. As analogias são impossíveis de não fazer com o momento vivido pelo povo ucraniano: um colonizador, a subjugação mais ou menos forçada a uma cultura que lhes é estranha, a descredibilização de um povo inteiro. Aos ucranianos está a ser negado, de forma injustificável, o seu sentimento de nacionalidade, e o mundo ocidental está a mobilizar-se (e bem) nesse sentido. Questione-se: E o direito de autodeterminação dos palestinianos? Existe uma tabela de quantificação do quanto direito de autodeterminação deve ter um povo? Ainda alguém se lembra da Palestina?
Não deveria haver uma cultura mais defensável que outra, uma soberania melhor que outra. Será que na realidade as liberdades individuais já são deixadas para segundo plano quando o povo oprimido é economicamente irrelevante? Será que a mediatização recebida pela Ucrânia, que não é dada na mesma medida à Palestina, não se baseia realmente na importância dada à autodeterminação de povos, mas puramente nos interesses mediáticos pelo facto do país agressor se tratar de um inimigo do ocidente? O ocidente, que supostamente respeita as liberdades individuais melhor que ninguém, é então conivente e até aliado do Estado de Israel, erguido no sangue do povo que de lá expulsaram à força? Ainda alguém se lembra da Palestina?
Apenas observa-se um facto: as tentativas desesperadas dos povos de se libertarem das suas amarras, não estão a ser tratadas da mesma forma. Não nos podemos esquecer da Palestina.
PASSPORT
They did not recognize me in the shadows
That suck away my color in this Passport
And to them my wound was an exhibit
For a tourist Who loves to collect photographs
They did not recognize me,
Ah... Don't leave
The palm of my hand without the sun
Because the trees recognize me
Don't leave me pale like the moon!
All the birds that followed my palm
To the door of the distant airport
All the wheatfields
All the prisons
All the white tombstones
All the barbed Boundaries
All the waving handkerchiefs
All the eyes
were with me,
But they dropped them from my passport
Stripped of my name and identity?
On soil I nourished with my own hands?
Today Job cried out
Filling the sky:
Don't make an example of me again!
Oh, gentlemen, Prophets,
Don't ask the trees for their names
Don't ask the valleys who their mother is
From my forehead bursts the sward of light
And from my hand springs the water of the river
All the hearts of the people are my identity
So take away my passport!
Mahmoud Darwish, poeta palestiniano
Comentarios