“Make America great again”
- Matilde Almeida

- há 2 dias
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A 16 de dezembro de 2025 assinala-se o 330.º dia do segundo mandato da presidência de Donald John Trump, o 45.º e 47.º presidente dos Estados Unidos da América. É quase inacreditável que tenham apenas decorrido 330 dias, tendo em conta o impacto global − a nível social, económico e mediático − e a normalização das suas políticas.
Face a inúmeros conflitos bélicos e de um mundo a sucumbir a extremismos e egoísmo, é importante sublinhar algumas das primeiras ordens executivas do Chefe de Estado de uma das nações mais poderosas do mundo: retorno em massa das palhinhas de plástico em detrimento das de papel, já que o aquecimento global não é um problema. Declarou ainda que não crê “que o plástico afete muito os tubarões que estão a mastigar no oceano”; saída do Acordo de Paris, pilar na luta contra as alterações climáticas, afirmando que vai retirar os EUA "imediatamente do injusto e unilateral Acordo de Paris sobre o clima. Os Estados Unidos não vão sabotar as suas próprias indústrias enquanto a China polui impunemente"; saída da Organização Mundial de Saúde (OMS), a maior organização mundial de saúde, que tem como um dos seus fins a luta contra as crises sanitárias; e investimento em até 456 bilhões de euros em IA.
Outro dos feitos notáveis de Donald Trump é tornar-se o Presidente norte-americano da atualidade cuja taxa de aprovação declinou mais rapidamente. Segundo o The Economist, no início do seu segundo mandato, a opinião pública estava quase igualmente dividida relativamente às suas políticas. No entanto, tal não se manteve: no momento presente, a sua taxa de aprovação é mais baixa do que alguma vez esteve no seu primeiro mandato. Em vez de ter recuperado desde o shutdown governamental mais longo que a América presenciou, continuou a descer. No início de dezembro a taxa de aprovação líquida do presidente era de -19%, comparativamente ao início do seu segundo mandato, sendo que 38% aprovam, 57% desaprovam e 4% estão indecisos.
Relativamente ao shutdown, o governo federal dos EUA entrou em paralisação à meia-noite do dia 1 de outubro de 2025, após os republicanos e os democratas no Senado rejeitarem os novos projetos de lei orçamental. Este encerramento, segundo contas do Congressional Budget Office (CBO), custou diariamente 400 milhões de dólares (345 milhões de euros). Durante os 43 dias em que este tomou lugar, mais de 42 milhões de pessoas deixaram de receber assistência alimentar e outros apoios sociais, e os salários dos trabalhadores das agências governamentais foram suspensos. Foram encerrados museus e parques nacionais e cancelados inúmeros voos, devido à falta de operadores nos aeroportos.
É relevante ter em conta que, pela primeira vez desde 2017, o Partido Republicano possui domínio absoluto sobre a chefia do Estado e as duas câmaras do Congresso (Senado e Câmara dos Representantes). Como tal, apesar de ser necessário negociar com os democratas, a maioria absoluta da responsabilidade política recai sobre os republicanos e sobre Donald Trump, que, após a promulgação do fim do shutdown, um momento de desequilíbrio e de angústia para as classes baixa e parte da média norte-americana, veio a público pedir um castigo nas urnas para os democratas.
Como é que um Presidente — a figura da nação que mais deveria representar e promover estabilidade, responsabilidade e respeito — não consegue colocar guerras mediáticas de lado, ter empatia pelo povo pelo qual afirma lutar e tomar responsabilidade política pela crise interna que aconteceu? A culpa não pode ser sempre dos outros, especialmente quando os órgãos políticos do país são controlados pelo partido político que integra.
Para além de não assumir qualquer tipo de responsabilidade, tem a audácia de ridicularizar os norte-americanos. Como é que, com pessoas a passar fome e a não receberem salários, é mais relevante remodelar a Casa Branca e fazer um salão de baile? Pior ainda é convencer mais de uma dezena de magnatas, entre eles Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e Bill Gates, a doar 300 milhões de dólares (258 milhões de euros), tornando-se mecenas da obra, no meio da conjuntura descrita anteriormente.
Em causa começa a estar o facto de que as piadas que Trump faz sobre ser rei e ditador talvez não sejam meras piadas, e que talvez esteja a começar a construir uma oligarquia em detrimento da democracia.
Analisando de outro prisma a conduta e campanha de Trump, verifica-se que, em grande parte, foi eleito devido às promessas que fez relativamente à economia, sendo que uma delas era “acabar com a crise de inflação devastadora imediatamente”. De acordo com a Global Rates, em janeiro de 2025 a inflação era 3%; já em setembro do mesmo ano, a inflação, para além de não ter apresentado uma queda abrupta como foi prometido, aumentou para 3,01%. Outra das suas promessas foi reduzir o preço dos alimentos imprescindíveis. Através dos gráficos disponibilizados pela NBC News é possível concluir que o preço médio do sumo de laranja aumentou 1,08$, ou seja, 29%, passando a ter um custo médio atual de 4,75$, e o de carne moída quase 0,78$, traduzindo-se num aumento de 14% do preço atual de 6,56$, em comparação com o ano passado; ao contrário dessa tendência, o preço dos ovos − um dos indicadores usados para medir a inflação durante a campanha − declinou, recuperando depois do pico da primavera, e já se encontra abaixo dos preços de novembro de 2024.
Face a estes dados, é justo considerar demagógico o discurso que Trump teve durante a campanha para as eleições presidenciais, já que tudo o que prometeu não só não se realizou, como piorou, tendo em conta como se encontrava anteriormente. As diferenças parecem ser insignificantes, mas a realidade é que, de acordo com o New York Times, o custo médio de produtos alimentares aumentou, desde 2020, 28%, algo inconcebível para uma grande parcela das famílias norte-americanas, que necessita de recorrer a bancos alimentares para sobreviver.
Outra consideração a tecer é a falta de integridade de um dos homens com mais poder do mundo. Donald Trump é o primeiro Presidente dos Estados Unidos da América a ser considerado, incontestavelmente, criminoso. Foi acusado de 88 crimes, sendo que um deles foi influenciar ilegalmente as eleições de 2016, e foi considerado culpado de 34 crimes de falsificação de documentos. Apesar de ainda não existirem provas concretas, especula-se relativamente ao seu envolvimento com Jeffrey Epstein em crimes como pedofilia, tráfico de mulheres e violação. No entanto, o Presidente continua a impedir a publicação dos arquivos referentes a esse caso.
A sua formação e carreira, para o cargo que exerce, nada mais é do que medíocre, pelo menos em comparação com a da sua oponente nas últimas eleições presidenciais. Trump estudou dois anos na Universidade Fordham de Nova Iorque, antes de completar a sua formação na Escola de Finanças e Comércio Wharton da Universidade da Pensilvânia. Após a licenciatura, começou a trabalhar no ramo imobiliário e, mais tarde, foi apresentador de um reality show televisivo denominado The Apprentice. Foi também candidato às eleições presidenciais, como candidato de um terceiro partido, em 2000.
Kamala Harris, a primeira mulher com ascendência africana e asiática a ser presidente caso tivesse ganhado, fez uma campanha presidencial de 107 dias, a mais curta da história presidencial dos EUA, após a renúncia de Joe Biden à sua candidatura. Com origem indiana e jamaicana, formou-se em Economia e Ciência Política na Universidade de Howard, em 1986, e em Direito na Hastings College of the Law, na Universidade da Califórnia, em 1989. Mais tarde, tornou-se procuradora-geral de São Francisco e da Califórnia, Senadora do Congresso norte-americano e Vice-Presidente dos Estados Unidos da América (2020). Advogou pelo controlo de armas, defendeu projetos que almejavam um sistema de saúde menos discriminatório para os norte-americanos, a reformulação da política norte-americana de imigração e o aumento das taxas de impostos para a classe social mais rica dos EUA.
Com base numa comparação entre ambos, como é que Donald Trump foi eleito e não Kamala Harris? Como é que ambos se encontram no mesmo nível de comparação?
A resposta a estas perguntas, pelo menos do ponto de vista dos resultados eleitorais, pode estar no sistema educacional dos EUA, mais concretamente nas taxas de escolaridade. Segundo a CNN, nas eleições de 2020, os eleitores com um diploma universitário representaram 41% do eleitorado, sendo que, desses, 55% apoiaram Joe Biden e 43% apoiaram Donald Trump. Nessas mesmas eleições, Donald Trump obteve o apoio de cerca de dois terços dos eleitores brancos sem formação universitária, não obtendo os votos dos eleitores brancos com formação académica mais elevada. Apesar do exemplo ser referente a 2020, tal também se aplica às eleições de 2024.
No entanto, de outro ponto de vista, é plausível que a sociedade norte-americana esteja mais enraizada no racismo, na xenofobia e no machismo do que seria de pensar.
Donald Trump não governa para minorias ou mulheres, trabalha em prol da supremacia do homem branco e não tem qualquer tipo de problemas relativamente a deixá-lo claro.
Desde que entrou em funções, políticas discriminatórias de anti-imigração foram implementadas, como a de interromper permanentemente a imigração para os Estados Unidos de pessoas de todos os países do Terceiro Mundo, numa manifestação contra o “ónus de refugiados” nos EUA; disseminaram fake news, de modo a aumentar a segregação de minorias, como é exemplo o discurso que teve relativamente aos imigrantes, em que disse que "estão a comer os cães. Estão a comer os gatos. Estão a comer os animais de estimação das pessoas que lá vivem"; proibiram o aborto em inúmeros estados, incluindo em casos de violação e de incesto, revertendo o Roe v. Wade; aumentaram a proibição de livros, apesar da oposição geral.
Em apenas um ano, comentários conservadores e discriminatórios, e ordens executivas de um admitido fascista metamorfosearam-se na normalidade e, mais do que isso, em valores a ser respeitados e venerados por uma percentagem preocupante da população mundial. Ainda não passou um século desde a Segunda Guerra Mundial, ainda os seus filhos sequelados estão vivos, e já se esqueceram…
Em apenas um ano, um país e os seus pilares foram fraturados. Não obstante, assim como Kamala Harris afirmou, “há um ditado que um historiador certa vez chamou de lei da história, verdadeiro para todas as sociedades ao longo dos tempos. O ditado é: somente quando está escuro o suficiente é que se consegue ver as estrelas. Sei que muitas pessoas sentem que estamos a entrar num momento sombrio, mas para o benefício de todos nós, espero que não seja esse o caso. Mas aqui está a questão, América, se for, vamos encher o céu com a luz de um brilhante, brilhante bilião de estrelas — a luz do otimismo, da fé, da verdade e do serviço. E que esse trabalho nos guie mesmo diante das dificuldades em direção à extraordinária promessa dos Estados Unidos da América”.
Matilde Almeida
Departamento Sociedade
FONTES:
https://www.economist.com/interactive/trump-approval-tracker
https://www.global-rates.com/pt/inflacao/ipc/4/estados-unidos/
https://eco.sapo.pt/2025/11/10/a-cronologia-do-mais-longo-shutdown-do-governo-federal-dos-eua/
https://brasilescola.uol.com.br/historia-da-america/kamala-harris.htm
https://sicnoticias.pt/especiais/eleicoes-nos-eua/2020-10-07-A-formacao-de-Kamala-Harris
https://brasilescola.uol.com.br/historia-da-america/kamala-harris.htm
https://www.dn.pt/internacional/36-dias-de-shutdown-paralisao-do-governo-dos-eua-bate-recorde
https://www.publico.pt/2025/11/13/mundo/noticia/trump-promulga-lei-poe-fim-shutdown-2154435
https://www.nationalgeographic.pt/historia/quem-e-donald-trump-eua_5714




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