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Exames nacionais e a porta de entrada (muito estreita) para a Universidade

  • Foto do escritor: Maria Duarte Chagas
    Maria Duarte Chagas
  • 5 de out.
  • 6 min de leitura

Na primeira fase do Concurso Nacional de Acesso de 2025 foram colocados 43.899 alunos, menos 6064 – 12,1% – do que em 2024.


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Houve uma diminuição de candidatos: registaram-se 48.718 inscrições, menos 9.583 do que no ano passado – uma descida de 16,4% – sendo que desde 2018 a fasquia não baixava dos 50.000. Aproximadamente 90% dos candidatos conseguiram colocação nesta fase, e, desses candidatos, nove em cada dez numa das primeiras três opções de candidatura. No entanto, ainda assim, das 55.292 vagas disponíveis, sobram 11.513 para a segunda fase, mais do dobro do que foi registado em 2024 e o valor mais elevado da última década.


Por outro lado, a taxa de colocação nos institutos politécnicos apenas atingiu os 63%, cerca de 14 mil alunos – uma redução significativa face ao ano passado. Esta situação é mais preocupante nas instituições do interior do país, essenciais para o desenvolvimento e coesão territorial. Situando-se estes institutos em zonas de baixa densidade demográfica, os mesmos são polos de desenvolvimento essenciais, e esta queda de alunos põe em causa a sustentabilidade de certas áreas de formação. A Presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Maria José Fernandes, considera que os números das colocações são o reflexo de uma “litoralização do ensino superior, que, além de acentuar as assimetrias regionais, coloca em causa a coesão territorial e o legítimo acesso de todos ao ensino superior”. 


Não será apenas uma a causa desta diminuição de candidaturas ao concurso nacional de acesso ao ensino superior público, mas antes uma confluência de fatores: desde o peso dos exames nacionais, aos problemas de habitação estudantil, passando pelo custo de vida e pela insuficiência do sistema de ação social. 


O Ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, reconhece que as recentes mudanças nas regras de avaliação e conclusão do ensino secundário – decididas em 2023, pelo então ministro João Costa – provocaram, igualmente, uma diminuição de alunos colocados; no entanto, recusa-se a alterar as mesmas, por considerar que “vão no sentido correto” e sublinha que o atual modelo é uma “garantia de qualidade”. No ano corrente, as provas de ingresso passaram a ter um peso mínimo de 45% na nota de candidatura (antes era de 35%) e a classificação final do secundário deixou de contar 50%, passando a valer apenas 45%. Por outro lado, tornou-se obrigatória a realização de três provas nacionais para os alunos dos cursos científico-humanísticos darem por concluída a escolaridade, e as faculdades voltaram a ter de exigir, pelo menos, dois exames nacionais como provas de ingresso.


Há muitos indícios de que os exames se constituíram como um obstáculo ao aumento de candidaturas ao ensino superior: eram 83 mil os alunos inscritos para realizarem o exame de Português; apenas 77 mil marcaram presença e apenas 63 mil foram aprovados. 


O reforço do seu valor nas condições de acesso, embora este instrumento esteja concebido, supostamente, para colmatar as discrepâncias entre o ensino público e privado, acaba por se tornar um condicionante desigualitário, ignorando a falta de preparação dos alunos que não têm professores a uma ou mais disciplinas, ou ainda a (im)possibilidade de acesso a uma preparação continuada para os exames, por exemplo através de explicações. Diversos são os estudos que têm alertado para o facto de o sucesso académico continuar a estar muito ligado à fraca situação socioeconómica familiar, havendo mais chumbos e desistências entre alunos nestas condições. Esta realidade refletiu-se também no contingente prioritário que abrange os alunos mais carenciados, procurando combater a sua baixa presença no ensino superior: este ano, apenas foram colocados 1.548 estudantes beneficiários de escalão A de Ação Social Escolar (ASE), dos quais 1.123 através deste contingente prioritário – menos 55 do que no ano passado. Estes alunos têm colocação prioritária desde que cumpram as condições de acesso e as notas mínimas de prova de ingresso exigidas para cada curso, e este ano, a tutela confirmou que houve 119 candidatos que não conseguiram lugar nesta fase através deste contingente por não cumprirem estes requisitos mínimos.


Por outro lado, o Ministro anunciou o descongelamento das propinas das licenciaturas, a partir do próximo ano letivo, passando o teto de 697 para 710 euros – mais 13 euros –, sendo esta atualização das propinas feita com base na taxa de inflação de 2025. Em 2016, o Parlamento aprovara o congelamento da propina máxima, por proposta do PCP, no âmbito do Orçamento do Estado; à data, o valor ficou fixado em 1.067,85 euros, tendo sofrido reduções sucessivas e sendo fixado em 697 euros no ano de 2020, resultado das políticas da pandemia de COVID-19. Ficou igualmente definida a retirada do teto máximo das propinas de mestrado, deixando estes valores ao critério e autonomia das próprias instituições. A tutela justificou que este passo é essencial para garantir um ensino de qualidade, com infraestruturas adequadas, inovação pedagógica e competitividade a nível internacional. Sobre o risco deste descongelamento se refletir num aumento do abandono escolar no ensino superior, Francisco Fernandes, presidente da Federação Académica do Porto, desvalorizou a hipótese, no entanto, considera que “muito mais do que o impacto direto de estudante a estudante, estamos a falar do impacto da mensagem […] – uma mensagem de desvalorização do ensino superior”. 


Este descongelamento e consequente aumento progressivo da propina acresce ao mais discutido problema – o da habitação estudantil: o maior gasto dos jovens universitários é com o alojamento. À data de fevereiro de 2025, arrendar um quarto em Lisboa rondava os 599€, e no Porto o preço médio era de 450€. No Porto, entre 2018 e 2024, houve uma redução de 10% de deslocados na cidade: o Presidente da FAP afirma que, apesar de parte se poder justificar em termos demográficos, há outros aspetos que só podemos justificar com questões sociais, revelando o grave problema que temos, e que mostra que “para estudar no ensino superior é preciso ter dinheiro e sorte no código postal”. 


Embora existam instrumentos, como o complemento de alojamento, muitos jovens – aproximadamente metade dos estudantes deslocados – ficam excluídos deste apoio por não terem contrato de arrendamento ou recibos de renda, uma vez que o Estado não pode pagar por contratos informais. Se é verdade que se tem trabalhado para aumentar o número de residências públicas disponíveis, é também um facto que apenas 2493 das 19.212 (13%) camas previstas no PNAES estão prontas.


Não obstante, Fernando Alexandre anunciou que o Governo irá aumentar o valor das receitas de impostos dedicados à ação social para o ensino superior dos atuais 70 milhões para 100 milhões, “um aumento de 43%”. No entanto, as conclusões do relatório final do estudo e avaliação do sistema de ação social no ensino superior, realizado pela Universidade Nova de Lisboa, revelaram que o valor real das bolsas atribuídas aos estudantes carenciados caiu na última década, e, em média, apenas chega para cobrir até 20% das despesas. No ano letivo 2013/14, o valor real total atribuído ultrapassava os 2 mil euros, mas, no ano passado, não chegava a 1500 euros, “sendo esta diminuição um reflexo do impacto da inflação, que não foi acompanhada por uma atualização dos montantes atribuídos, resultando numa perda significativa do poder de compra dos beneficiários”, consta da investigação. Quando inquiridos, a maioria dos jovens sublinhou a insuficiência do valor deste apoio, afirmando que, excluída a propina, a bolsa não chega a cobrir 20% dos restantes custos. O relatório apresenta, ainda, outras fragilidades no atual sistema de ação social, como a complexidade do processo de atribuição de bolsas.


Também a atratividade do mercado de trabalho pode ter impacto na diminuição do número de candidatos ao ensino superior: em períodos de expansão do emprego, os jovens são atraídos para o trabalho logo à saída do secundário, podendo este fenómeno verificar-se com mais prevalência nos estudantes de meios mais desfavorecidos. À semelhança deste fator, a incapacidade do país reter talento é também já percetível pelos alunos do ensino secundário, começando alguns destes jovens a olhar para o ensino superior como incapaz de lhes proporcionar aquilo que pretendem.


Surge, ainda, outra perspetiva: Pedro Santa Clara, Professor Catedrático de Finanças na Nova School of Business and Economics, considera que “há um excesso de oferta e muita oferta de baixa qualidade”, e que há uma “desadequação entre a oferta e a procura”: dos 1.132 cursos superiores existentes em Portugal, 153 têm 20 ou menos vagas, e o número médio de vagas por curso é de 49; na primeira fase, ficaram desertos 41 cursos, o que significa que nenhum aluno terá concorrido a nenhuma das quase mil vagas abertas. Deste modo, constata-se que, em certos casos, esta oferta se revela pouco eficiente.


O concurso destes fatores – as elevadas rendas, o descongelamento e aumento da propina, a insuficiência da resposta da ação social, o custo de vida, o desequilíbrio entre a oferta e a procura de cursos, e as melhores perspetivas de futuro longe dos estudos – contribui para esta inclinação dos jovens e tendência de desertificação do ensino superior, que deverá ser combatida se pretendemos manter-nos a par e passo com os restantes países-modelo quanto ao nível de instrução.


Maria Duarte Chagas

Departamento Sociedade

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