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Foto do escritorMaria Duarte

Alemanha: uma nação (ex)cêntrica ou a história de uma metamorfose incompleta

No passado dia 6 de novembro, a coligação de três partidos que governa a Alemanha entrou em colapso, no meio de recriminações mútuas, depois de o chanceler alemão, Olaf Scholz, demitir o ministro das Finanças e líder do FDP [1], Christian Lindner, que foi afastado na sequência de divergências na política económica do atual executivo. Esta demissão põe em causa o atual Governo alemão.


O anúncio foi feito pelo líder do governo alemão, em conferência de imprensa, depois de uma reunião na chancelaria em que os três partidos que formam a coligação do “semáforo” — o SPD (Partido Social-Democrata), os Verdes, e os Liberais (FDP) — se sentaram para discutir os termos da continuidade desta união política. Foi o debate sobre como tapar o grande buraco no orçamento do próximo ano que levou a tal desfecho.


Scholz acusou Lindner de bloquear leis de forma irrelevante, de agir para servir a sua clientela e o seu partido, e de quebrar muitas vezes a sua confiança. Acrescenta que “gostaria de ter poupado [o país] desta decisão difícil”, especialmente considerando o período de crise económica vivido, “em que a incerteza está a aumentar”.


Em resposta, o líder do FDP afirmou ter apresentado propostas para relançar a economia alemã, mas que as mesmas não foram aceites por nenhum dos outros dois partidos. Lindner alega também que o chanceler pretendia suspender o travão constitucional que estabelece as regras do limite da dívida orçamental. Considera que “infelizmente, Scholz mostrou que não tem força para dar um novo alento a este país”, uma vez que as suas propostas são “fracas, pouco ambiciosas e não contribuem para ultrapassar a fraqueza fundamental do crescimento no nosso país”.


Por outro lado, os Verdes acusam o FDP de não ser permissivo, tratando-se esta situação orçamental de “uma emergência”. O partido apoia a decisão das eleições antecipadas e pretende continuar a fazer parte da coligação. Robert Habeck, ministro da Economia e vice-chanceler, estabelece que, até lá, o Governo se manterá em funções, e está determinado a “cumprir plenamente os deveres do cargo e a proporcionar a estabilidade que a Alemanha pode e deve proporcionar na Europa”. Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros e deputada dos Verdes, lembrou a responsabilidade e o papel fundamental da Alemanha no contexto internacional, nomeadamente no apoio à Ucrânia.


Com a saída de Lindner, os três outros ministros do FDP apresentaram a demissão ao fim da noite de quarta-feira, embora, entretanto, Volker Wissing, ministro dos Transportes, tenha retirado a sua demissão. Assim, Scholz lidera agora um governo minoritário.

Desde o início do mandato que a coligação se deparava com dificuldades, uma vez que as ideias e medidas políticas de cada partido são bastante divergentes: enquanto o SPD e os Verdes apoiam uma forte atuação do Estado, com a emissão de dívida para financiar políticas públicas, caso seja necessário, os Liberais opõem-se a essa estratégia, defendendo cortes de impostos e gastos – o que, segundo os outros partidos da coligação, seria contrário ao disposto no programa governamental. Lindner defendeu uma ampla redução de impostos para as empresas e a redução de certas metas de proteção climática, que considera demasiado ambiciosas.  


Scholz anunciou que irá pedir um voto de confiança na Câmara Baixa do Bundestag [2], a realizar-se a 15 de janeiro, que, segundo se espera, fracassará e abrirá caminho a eleições antecipadas em março – meio ano antes do previsto. No entanto, os partidos da oposição aproveitaram o momento para exigir que este voto de confiança seja convocado muito antes da data por ele apontada: Friedrich Merz, líder da União Democrata Cristã (CDU), partido da oposição, pede que ocorra já na próxima semana.


De acordo com a Constituição alemã, a decisão de realizar eleições federais antecipadas não pode ser tomada por deputados nem pelo chanceler. Caso a votação seja no sentido negativo, é o presidente do parlamento, Frank-Walter Steinmeier, após pedido formal do chanceler, que tem 21 dias para proceder à dissolução do Bundestag. Após a dissolução, novas eleições devem ser realizadas dentro de dois meses.


Estes três partidos têm vindo a perder popularidade, ao longo do mandato, tendo atingido os mais baixos níveis de votação de sempre, em diversas sondagens e nas eleições regionais. As sondagens indicam que, em caso de eleições, a oposição conservadora (CDU  União Democrata-Cristã) venceria com mais de 30% dos votos, seguida da extrema-direita do Alternativa para a Alemanha (AfD), que ocuparia a segunda maior bancada, com 16% a 19% das intenções de voto. Por oposição, os votos dos partidos que se encontram atualmente no Executivo cairiam drasticamente, com o SPD entre 14% e 18%, os Verdes entre 9% e 12% e o FDP com apenas 3% a 5%.


É comum o cenário de eleições antecipadas na Alemanha? Geralmente, a norma para os alemães é a estabilidade política, com alternância entre o SPD e a CDU. Por exemplo, a chanceler Angela Merkel manteve o poder por 16 anos e as últimas eleições antecipadas ocorreram em 2005, convocadas pelo então chanceler Gerhard Schröder.


Tendo em conta a conjuntura política, Scholz passa a liderar um governo minoritário, tendo de contar com maiorias parlamentares improvisadas para aprovar a legislação governante: irá, provavelmente, recorrer a Friedrich Merz e à CDU para obter apoio na aprovação da legislação a curto prazo. No entanto, para além das divergências políticas, Merz opõe-se ao pedido do voto de confiança apenas em janeiro, pelo que este apoio não é totalmente garantido.


É Jorg Kukies, conselheiro do chanceler, que agora assume a pasta das Finanças, num governo em crise e minoritário  uma realidade impensável há 3 anos, quando a chanceler Angela Merkel foi substituída no cargo de líder da nação europeia mais bem sucedida economicamente. A “velha Europa” dá sinais de metamorfoses imprevistas, resultado de crisálidas que parecem ter eclodido precocemente, portanto, sem gerarem a desejada borboleta, mas antes a larva que não conseguiu completar o seu tempo de gestação.

 

[1] Freie Demokratische Partei

[2] parlamento alemão

Maria Duarte Chagas

Departamento Sociedade


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