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Foto do escritorDepartamento Cultural

Angola, Brasil, França e Moçambique: sobre as origens dos nossos estudantes internacionais (PARTE I)

Atualizado: 23 de mar. de 2022

Quando recuamos à nossa entrada na Universidade do Porto, é provável que nos deparemos com memórias comuns; uma delas sendo, certamente, o desejo que trazíamos de conhecer pessoas novas e “diferentes”. Mas quem percorre os corredores da FDUP saberá o quão fácil é ser-se surpreendido pelo alcance da diversidade entre os estudantes. A verdade é que cedo nos apercebemos da possibilidade de contactar com colegas, não só de outras regiões do país, como também dos vários cantos do mundo. Falamos dos “nossos” estudantes internacionais, que muito enriquecem a identidade académica do Porto, seja com passagens temporárias pela cidade, onde deixam o seu rasto, seja com projetos de um futuro mais duradouro em Portugal.


A francesa Anaelle Exposito (estudante de mobilidade ERASMUS+), a moçambicana Andrea Martins, o brasileiro David Savignon e a angolana Erika Naulyla aceitaram partilhar com o Tribuna alguns factos característicos dos seus países de origem, fazendo também um balanço do seu percurso em Portugal. Aqui fica uma primeira parte dos seus testemunhos.


  1. Primeiras impressões

Qual foi a tua primeira impressão de Portugal? Quais foram as principais dificuldades sentidas na adaptação ao país e, em particular, à comunidade académica da FDUP?


David Savignon, aluno do 2º ano da Licenciatura em Direito na FDUP, tem 18 anos e é natural de Vitória, capital de Espírito Santo (Brasil). Há quase cinco anos que reside em Portugal com a sua família, tendo já frequentado o ensino secundário em território luso.


«Das primeiras impressões que tive quando cheguei a Portugal foi que teria, literalmente, de recomeçar a minha vida», diz sobre o primeiro impacto - «Eram pessoas e culturas diferentes». Para além do fator climático, surgiu o tradicional «medo de não ser bem aceite e de não ter amigos» - «provavelmente não iam me entender, nem eu ia entender a eles, em razão da língua», pensava. Ainda que o «preconceito contra brasileiros» nunca tenha sido uma preocupação a priori para David («acho que eu era tão “criança” que isso não passou pela minha cabeça»), preocupava-o o choque linguístico, cultural e também o relacionado com a sua idade, porque em razão das diferenças entre os sistemas de ensino, sempre foi o mais novo da turma - «enquanto eu tinha 14 anos no 10° ano, tinha gente que já ia fazer 16».


Quanto ao seu maior receio, David admite que no início o liceu provou-lhe que estava errado: «na verdade, todo o mundo veio falar comigo; inclusive pessoas que nem eram do meu curso (Línguas e Humanidades) queriam estar comigo, me fazer perguntas, sair comigo…». Porém, passados alguns meses, David verificou que esse interesse esmoreceu; sucede que os colegas não se tinham propriamente interessado pela sua personalidade, mas antes por ser uma novidade em razão da sua origem - «depois do momento ter passado, acabei por ser esquecido».


Não obstante, aquela que David aponta como a «verdadeira dificuldade» prendeu-se com o próprio «sistema de ensino e a “cultura escolar”». «Lembro-me até hoje quando a minha professora de Filosofia explicou que aqui as notas vão até 200 e eu tive que lhe perguntar se isso significava que a prova teria necessariamente 200 perguntas», confessa. O sistema de autoavaliação, típico do ensino português, também o deixou apreensivo: «não faz sentido termos que autoavaliar nosso trabalho ao longo do semestre e isso ser objeto de peso na pauta final», defende. Da escola portuguesa que frequentou, surpreendeu-o o comportamento das auxiliares educativas - «as funcionárias das escolas são submissas aos professores, mas ao mesmo tempo são ‘mázinhas’ com os alunos mesmo quando não há necessidade», conta, assumindo estranheza face a eventos já normalizados no percurso escolar do estudante português, como o “obrigar a comer a comida toda do prato”.


No que concerne a adaptação à comunidade académica da FDUP, David afirma não ter encontrado obstáculos pelo facto de ser brasileiro - «uma vez tratar-se de uma comunidade que já integra pessoas de diferentes culturas e nacionalidades, e considerando que já somos todos adultos, a adaptação e convivência foram muito mais fáceis». Acresce que já havia cursado o Ensino Secundário em Portugal, pelo que «já estava habituado».


Ao contrário de David, o primeiro contacto com solo português de Erika Naulyla é bem mais recente. Erika tem 20 anos, é natural de Luanda, a grande metrópole de Angola, e reside em Portugal há apenas 2 anos, altura em que decidiu vir estudar Direito para o Porto. Atualmente no segundo ano da licenciatura, as suas dificuldades de adaptação ainda passam por questões como o “choque do clima” e o relacionamento social - «Portugal é frio, o Porto é geladíssimo. Venho de um país quente e com pessoas bastante acolhedoras». Com efeito, num primeiro contacto, Erika admite ter-se sentido receosa de «sequer conversar com as pessoas». Ao contrário do que se poderia imaginar, outra barreira muito forte foi a própria língua - «embora em Angola falemos português, o português de Portugal parece um derradeiro trava-línguas. No meu primeiro ano na FDUP eu não entendia nada que os meus professores diziam, muito menos as intervenções dos colegas. Parecia-me que falavam a correr e era muito difícil de acompanhar».


Tal como David, Erika também sentiu na pele a disparidade dos sistemas de ensino; no seu caso, entre o angolano e o português - «Tinha a impressão, no primeiro ano, de que todos os meus colegas, inclusive os que não fizeram humanidades, já haviam dado boa parte das matérias.». Essas diferenças funcionaram igualmente como obstáculo ao método de estudo, que Erika diz ainda não ter sido capaz de encontrar: «venho de um sítio em que a autonomia do estudante não era tão incentivada. Os meus professores ajudavam-nos com questionários e resumos; então o estudo individual tinha sempre esse suporte do professor. Mas com a quantidade de matéria dada na Faculdade, orientarmo-nos sozinhos é muito difícil», confessa.

Luanda, Angola

Quem também pode chamar ao continente africano de ”terra-mãe” é Andrea, cuja adaptação a Portugal foi ainda mais repentina. Moçambicana, de 20 anos, e sem nunca ter pisado solo português, Andrea só conseguiu instalar-se no Porto no 2º semestre do seu 1º ano da Licenciatura em Direito. Antes de se decidir pelo Porto, ponderou também Lisboa, tendo acabado por escolher a Invicta para prosseguir os estudos, pela sua dimensão mais pequena e acolhedora, esperando que daí resultasse um ambiente mais familiar; e já lá vai 1 ano e 3 meses de “primeiras impressões”, tempo que Andrea tem aproveitado para refletir sobre o país e sobre os portugueses com quem se tem relacionado: «Fiquei com duas impressões diferentes - uma para a Faculdade e outra para Portugal (Porto)», revela. Tendo tido já oportunidade de se integrar noutros núcleos da cidade, como é o caso do ginásio que frequenta e da escola de dança Jazzy Dance Studios, na Trindade, Andrea destaca que achou as pessoas «muito simpáticas e dispostas a ajudar», algo com que não contava. Em contrapartida, no que toca ao ambiente da FDUP, sentiu que as pessoas eram «mais fechadas».


Falando de hábitos alimentares, curiosamente Andrea diz não ter sofrido uma grande mudança de paladares, «como seria de esperar», uma vez que encontrou na comida portuguesa sabores semelhantes aos pratos moçambicanos, o que lhe parece ter a ver com os temperos.

Maputo, Moçambique

Quanto à questão curricular, a primeira dificuldade que enfrentou logo que entrou na FDUP foi a de acompanhar a matéria que perdera do primeiro semestre, durante o tempo em que não conseguira assistir às aulas presenciais, por ainda se encontrar em Moçambique - «mas felizmente, com muito esforço e ajuda de algumas colegas especiais, consegui e passei a tudo!», constata.


Se até agora os testemunhos são de quem veio para Portugal para completar “do início ao fim” uma licenciatura, o contexto de Anaelle é bem distinto. Estudante de Direito da Université de Pau et des pays de l’Adour, Anaelle Exposito encontra-se no Porto, a estudar na FDUP, ao abrigo do programa de mobilidade ERASMUS+. A estudante de 22 anos, natural de Bayonne (França), espera permanecer no país pelo menos até ao final do segundo semestre do ano curricular que já iniciou na FDUP em setembro de 2021. Apesar de se encontrar em Portugal há menos de um ano, Anaelle transmitiu-nos generosamente as suas impressões, que aqui traduziremos do inglês: «Portugal é um país maravilhoso e lindo, cheio de história e coisas para descobrir. Os portugueses são muito acolhedores e simpáticos; estão sempre aqui para ajudar O principal entrave na adaptação da estudante francesa ao país tem sido aprender em língua portuguesa «uma vez que os professores falam por vezes muito rápido e com sotaques diferentes».

Bayonne, França

2. Hábitos culturais


Quais consideras serem os hábitos sociais ou culturais que melhor caracterizam o teu país/região de origem?


Segundo David, «um hábito social do brasileiro é aparecer depois da hora marcada no local de encontro»; mas esse, muitos dirão, é um ponto em comum com os portugueses. Já quando falamos de “maneiras” à mesa, David aponta o facto de «no Brasil, assim que recebe a comida a pessoa começa a comer», o que contrasta com aquilo que é socialmente prezado pela maior parte dos portugueses - pelo desconhecimento desta regra não-verbal, lamenta já ter sido apelidado de “mal-educado”. Não obstante, David assume não ver sentido nessa norma de cortesia que aponta para a confluência entre o momento de comer e a ideia de respeito pelo outro; é que, na perspetiva brasileira, o “comer” e o “conviver” não estão necessariamente associados - «ainda que você termine de comer, não significa que o momento de convivência com família e amigos tenha terminado também», justifica.


Já Erika coloca o foco no relacionamento intergeracional: «em Angola, todo e qualquer mais velho se sente no lugar de te ensinar e repreender; o respeito dos menores para os mais velhos é algo muito forte lá (e o inverso, embora não se veja tanto, também é prezado)». Esse aspeto cultural gera uma certa «familiaridade» entre todos e também uma «responsabilidade» de uns para com outros, fazendo-a sentir como se todos os angolanos pertencessem a uma mesma família – «sinto falta de não conviver apenas na minha esfera», confessa.


«Os moçambicanos são conhecidos por serem um povo recetivo, muito alegre e vibrante», começa Andrea, numa análise sintética do seu povo, apontando também a «curiosidade» como um bom definidor do moçambicano: «há sempre interesse em conhecer o desconhecido». Em contraste, Andrea sentiu que essa curiosidade é menos evidente em Portugal, uma vez que foram muito poucos os que se aproximaram para conhecer a sua história ou revelaram interesse pelas suas origens. Com o tempo, Andrea reparou ainda numa particularidade, que a confundiu ao princípio, fazendo-a achar os portugueses muito pouco criativos: é que em Moçambique todo e qualquer nome próprio pode ser original, não existindo os limites convencionados do “João”, da “Maria” ou da “Inês”. Daí que a escolha do nome “Andrea”, sem o “i” no meio como seria redigido em português, tenha sido uma expressão de liberdade criativa dos seus progenitores; uma liberdade que não existe em Portugal.


Anaelle não consegue contornar o «clichê» quando se trata de referir hábitos típicos do seu país, uma vez que considera ser essa a pura realidade: comer pão e croissant é, sem dúvida, um hábito dominante em todas as famílias francesas – «quase todas as pessoas comem pão à refeição e um bom croissant numa manhã de Domingo é uma tradição», partilha. Segundo Anaelle, outra “mania” habitual dos franceses é beber café e outras bebidas no terraço (quem o tenha) numa manhã de sábado, independentemente do clima ou da temperatura. A estudante ERASMUS ressalva ainda o facto de os franceses serem muito reivindicativos: «adoramos organizar manifestações e mostrar o nosso descontentamento», ressalta.



Testemunhos com continuação na PARTE II



Beatriz Castro e Clara Castro


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