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Foto do escritorRaquel Ferreira

Aos Olhos de um Artista

Nesta entrevista, Ana Pais Oliveira explica-nos vários aspetos da sua carreira profissional profundamente relacionada com o mundo artístico. Formada em Belas-Artes e Doutorada em Arte e Design na Faculdade de Belas-Artes do Porto, é professora de dança há cerca de vinte anos e também pintora. Nas palavras da mesma, é uma opção que lhe dá equilíbrio, e mostra-nos que apesar de não ser aparente, as duas áreas se complementam. Com várias conquistas ao longo do seu percurso, Ana Pais Oliveira abre-nos portas para que possamos conhecer melhor o seu percurso, sendo certo que desde que estejamos a fazer o que gostamos, estamos no caminho certo.


Como e quando é que começou o seu gosto pela arte?


Aos quinze anos os meus pais ofereceram-me a inscrição numa escola de pintura em Espinho, sem eu sequer ter pedido ou verbalizado algum interesse pelas artes plásticas. Foi um presente baseado naquilo que observavam em casa e no facto de eu passar muito tempo a desenhar e a pintar. A partir daí não tive mais dúvidas de que queria seguir artes e, especificamente, o ramo da pintura. Hoje sei que esse presente dos meus pais foi um gesto fundamental para a definição do meu percurso nesta área e, enfim, para a minha própria forma de estar no mundo. A pintura faz-me falta e espero que faça um pouco de falta aos outros a partir do momento em que a adiciono ao mundo. É uma área tão fascinante quanto intrigante, tão incerta quanto poderosa. Desde que estejamos a fazer o que gostamos, estamos no caminho certo.


Na sua carreira profissional, é visível o gosto por várias vertentes artísticas: pela pintura, pela dança, pelas artes plásticas… Consegue eleger uma destas áreas com a qual se identifique mais?


A minha formação é em Belas-Artes e fiz, inclusive, um doutoramento em Arte e Design na Faculdade de Belas-Artes do Porto. Poderia dizer que o trabalho como pintora é a minha principal profissão, mas a verdade é que a dança ganhou igual destaque na minha vida e hoje divido, com um equilíbrio que por vezes é difícil mas muito necessário, o meu tempo entre a pintura e a dança. Não me imagino a fazê-lo de outra forma porque ambas se complementam a diversos níveis. Se o trabalho de pintura no estúdio é bastante solitário e introspetivo, a dança traz à minha vida uma vertente social e de saúde física e mental que é fundamental. A criatividade, no fundo, abraça ambas as áreas e penso que é o que me move: a necessidade de estar sempre a criar, seja uma pintura ou uma coreografia, de ter dias com diferentes desafios, de ter vários tipos de palco para o meu trabalho artístico e de ter o privilégio de o poder partilhar com os outros.

Especificamente no âmbito da pintura, são já várias as exposições individuais da sua autoria que existem em galerias. Como é que descreve o sentimento de partilhar a sua visão artística com vários olhares?


É uma sensação de enorme responsabilidade e exposição. Penso que é sempre necessária alguma coragem e algum atrevimento para expormos o nosso trabalho dessa forma. Pensar num tema, num título, num conceito ou num conjunto de ideias, trabalhar nisso e partilhar com todos acreditando que temos algo a acrescentar ao mundo. É preciso confiar e acreditar no nosso trabalho, mais do que qualquer validação externa. Mas o trabalho artístico necessita, efetivamente, do outro para existir ou para fazer sentido a sua existência. Aliás, esses objetos artísticos passam a ser projetados pela visão do outro num conjunto de novos significados, camadas de sentido e modos de ver que são, em si mesmos, uma adição enriquecedora e fundamental a qualquer manifestação artística. Aprendo muito com a visão do outro.


Considera que há uma linha de identidade que caracteriza todos os seus trabalhos, ou que não possui propriamente um estilo único?


Sim, sei que existe essa linha de identidade, se assim se pode chamar, transversal a todos os trabalhos e facilmente identificável por quem acompanha o meu trabalho. Penso que é uma coisa boa porque essa é a minha verdade, aquilo que quero e preciso de fazer. Independentemente das estratégias, suportes, escalas, conceitos e materiais que adoto para dar forma a uma ideia, a cor é sempre usada como elemento fundamental de composição capaz de transformar significativamente o espaço e a perceção que temos dele. Para além disso, existe uma conversa subtil entre a pintura e a arquitetura, sendo que utilizo a geometria e a linha para estruturar espaços ficcionais, mas cada vez mais perto daquilo que achamos que conhecemos. A casa é também um elemento fundamental no meu trabalho enquanto o lugar por excelência, o nosso canto no mundo, abrigo e fortaleza que também define a nossa identidade. Tenho representado mais espaços interiores, como resultado do período que atravessamos. A casa ganhou um impacto ainda mais profundo nas nossas vidas e isso está presente no meu trabalho mais recente. Todos os trabalhos têm essas premissas, independentemente de serem pintura, desenho, colagem ou objetos tridimensionais.


Onde é que se inspira para criar?

É impossível não transportarmos tudo o que nos rodeia e nos acontece para o nosso trabalho artístico. Esse pode ser um processo inconsciente, mas é inevitável. Vivemos na era do excesso de informação, de espaço, de tempo e de indivíduo, tal como referido pelo antropólogo Marc Augé. A superabundância de informação a que somos expostos diariamente leva a ser difícil destacar o que é que influenciou diretamente a nossa produção artística. Mas o contexto tem sempre relevância e aquilo que nos acontece individualmente também. De qualquer modo, sei que um dos acontecimentos que mais me inspira e que sinto que adensa significativamente o meu “banco de imagens” mental é viajar. Sem dúvida. Gostaria de poder viajar mais.


Leciona aulas de dança há já vários anos. Como é que descreve o que a música lhe transmite e de onde vem este gosto por ensinar?


Dou aulas de dança há vinte anos. Não sei o que teria sido o meu percurso artístico na área da pintura se não dançasse, mas tenho a certeza que a dança me equilibra e me traz felicidade. Os meus alunos são família e os dias a ensinar dança são de entusiasmo, alegria, escape, expressão corporal e artística, criatividade. Adoro coreografar e acontece-me muito ouvir uma música no carro e começar a dançá-la mentalmente ao ponto de ter que a coreografar depois. A dança é uma atividade riquíssima, com inúmeros benefícios ao nível da saúde física e mental, da socialização, da autoestima e trabalho de equipa. Quanto ao ensinar, fui aprendendo, ao longo dos anos, com a experiência. É uma atividade nobre e de enorme responsabilidade e delicadeza. O professor, seja de dança ou de qualquer outra matéria, é muito mais do que um transmissor de conhecimentos. No meu caso, e também como treinadora de competição, sinto que lido com as expectativas, os sonhos, as dúvidas, ansiedades e incertezas de muitos jovens. Que temos que estar lá para eles, da mais pequena dúvida ao maior impasse. Somos, muitas vezes, conselheiros. Nas modalidades mais sociais e de diversão, sinto que faço um papel importante no bem estar dos meus alunos e essa é a maior força desta área. “Teachers are the real influencers”. É uma frase de que gosto muito.


Qual é a sua conquista alcançada no mundo artístico em geral de que mais se orgulha?


É difícil destacar uma. Das mais recentes, ter vencido o 1º Prémio no XLIX Concurso Internacional de Pintura Homenaje a Rafael Zabaleta em Quesada, Jaén, Espanha. Ter mostrado a minha coleção de tapetes de luxo Perspectives Collection na Maison & Objet Paris 2019 e no The Hotel Show Dubai, no Dubai World Trade Centre (2021), com o Desistart Group. Ter produzido uma pintura site-specific de 200x500cm para instalar no lobby principal do Vinha Boutique Hotel, no Porto, um enorme desafio de que me orgulho muito. Ter vencido o Kunstpreis Young Art Award <33 [colour] da Galeria Art Forum Ute Barth em Zurique, Suíça, onde expus individualmente em 2014.


Crê que existe uma especial conexão entre as diferentes áreas artísticas nas quais trabalha?


Quando andava na Faculdade de Belas-Artes achava que eram mundos muito diferentes e tentava nem os misturar muito. Não falava nem mostrava muito da dança aos colegas de faculdade. Hoje sei que a componente da criação, da expressão, seja corporal ou visual, andam de mãos dadas e que transporto a experiência de uma área para a outra. Alguns alunos meus dizem que isso se nota na escolha das músicas, das roupas, dos temas. Apesar de só ter pintado a dança, de uma forma mais direta e representativa, em poucos anos do meu percurso, as duas realidades nunca deixaram de se conectar.


Há alguma área do mundo das artes em que gostaria de iniciar ou densificar a sua exploração?


Já tenho algumas dificuldades em fazer tudo o que gostaria de fazer nas duas áreas artísticas a que me dedico. Por vezes dou por mim a pensar como seria se me dedicasse a cem por cento a uma delas. O que conseguiria fazer nessa área. Se faria mais, se faria melhor. Depois lembro-me que esta é a minha opção, que é uma opção que me equilibra e que dou sempre o meu melhor em ambas.

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