Erasmus+: A experiência de uma vida?
- Vitória Ferreira
- há 7 horas
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A partir do momento em que somos estudantes universitários a questão “fazer ou não fazer Erasmus+?” assombra muitos de nós. Segundo a Direção-Geral da Educação, da Juventude, do Desporto e da Cultura da Comissão Europeia, este programa de mobilidade tem revelado uma melhoria das capacidades sociais, profissionais, educacionais e pessoais dos estudantes. E segundo muitos estudantes é “a experiência de uma vida”.
A mobilidade Erasmus+ engloba diferentes projetos. Interessa-nos aquele que é mais comum entre nós: os programas de mobilidade de longa duração. Assim, o Tribuna entrevistou quatro estudantes que acabaram de regressar a casa após a sua experiência de cinco meses num outro país. Duas estudantes – Victoria de Pinho e Carolina Cepeda – que viveram a “experiência das suas vidas” em Gent, na Bélgica; uma estudante – Matilde Maria Santos – que, vinda de Pavia, não consegue comer nem massa, nem pizza nas próximas semanas; e, por último, um estudante – António Fonseca – recém-chegado de nuestros hermanos, mais concretamente, de Valência.
1 - Imagina que apenas poderias guardar uma memória de todo o período de Erasmus, qual seria?
Matilde Maria Santos: É uma pergunta tremendamente difícil, mas eu diria o último dia de Erasmus. Na minha cidade havia um sítio muito especial e eu fui a esse sítio para me despedir. A verdade é que nós acabamos por viver na mesma cidade durante meio ano e é uma nostalgia enorme ir embora. Então, eu guardaria a memória de ir a esse último sítio, a Ponte de Pavia, pela última vez.
Victoria de Pinho: Mesmo que possa parecer clichê, parece-me impossível ficar apenas com uma memória desses meses. Os primeiros dias foram de muita emoção e entusiasmo pela novidade da vida na cidade, mas acho que os últimos dias, naqueles momentos de introspeção, quando olhas para trás e vês tudo o que levas contigo, desde as pessoas até à cidade, desde a aventura até ao quotidiano, desde as salas de aula até ao café habitual, percebes que a tua visão do mundo se enriqueceu tanto que não podes ver as coisas da mesma forma. Portanto, não diria ser uma memória, mas um acervo de experiências.
Carolina Cepeda: Provavelmente um jantar que eu e a minha colega de casa (Victoria) organizamos em nossa casa quase no final do período de Erasmus. Foi muito especial, porque, para além de reunir as pessoas que mais nos marcaram lá, coincidiu com o momento em que alguns amigos daqui [do Porto] me foram visitar. Adorei ter várias das minhas pessoas preferidas reunidas.
António Fonseca: É uma pergunta um bocado complicada, mas acho que respondo com facilidade, até porque a memória que mais me marcou foi uma coisa mesmo improvável. Foram as inundações, ou seja, as cheias lá de Valência, que acabaram por matar duzentas e tal pessoas. Sei que pode parecer estranho escolher esta memória, mas a verdade é que foi o momento que mais me fez crescer, que mais me marcou. Impactou-me imenso ver a quantidade de pessoas que saía de casa para ajudar e, inclusive, poder também eu sair de casa e juntar-me a eles. Foi espetacular ver numa situação tão difícil para a cidade a forma como as pessoas se movem, se organizam para ajudar, para fazer comida e para montar kits de apoio. Foi incrível perceber como o ser humano consegue dar a volta em momentos tão difíceis. Portanto, apesar de ter sido um momento tão complicado, acho que não o trocaria por nenhum outro. Tive muitas memórias muito boas, mas esta foi, sem dúvida, a que mais me fez crescer. Hoje consigo lembrar-me daquilo e ser melhor pessoa por isso.
2 – Sabemos que, no geral, fazer Erasmus terá sido uma experiência incrível, mas, como em tudo, teve certamente os seus desafios. O que foi, para ti, mais desafiante?
Matilde Maria Santos: Para mim foi extremamente desafiante ter de fazer tudo sozinha, ou seja, estar preocupada com cozinhar, lavar a roupa, limpar a casa, ir ao supermercado… no fundo, tudo o que sejam tarefas domésticas. Tu estás somente por ti, não há aqui outra opção que não tu própria cuidares de ti. Esse foi o meu maior desafio, porque nunca tinha vivido sozinha e isso é completamente diferente do que viver com os teus pais.
Victoria de Pinho: Acho que o mais desafiante foi conseguir acompanhar tanto a parte académica quanto a parte social. Como toda a gente sabe que o Erasmus é transitório, que as pessoas que estão contigo não as voltarás a ver durante bastante tempo, queres aproveitar ao máximo com elas. Além disso, tens imensos eventos e imensa coisa a acontecer. E, ainda, queres aproveitar a cidade o melhor possível. Por outro lado, ao mesmo tempo, tens uma grande pressão académica. É desafiante manter a assiduidade e, principalmente – no caso de Gent, como a avaliação é distribuída – acompanhar a carga de trabalho a que não estamos acostumados aqui (tínhamos trabalhos todas as semanas e leituras para nos preparar para as aulas). Tudo era muito estimulante, mas a um ponto que se torna demasiado.
Carolina Cepeda: Acho que os primeiros dias são os mais difíceis. Ainda não estamos ocupados com atividades, nem integrados... por isso, mesmo fazendo um bocadinho de turismo, pode ser solitário estar num país novo. Mas assim que começamos a conhecer pessoas e a fazer planos, deixamos de ter tempo, inclusive, para ter saudades de casa.
António Fonseca: O maior desafio, mas também um dos mais recompensadores, foi a questão de ter ido sozinho. Ter de fazer amigos e de me safar de alguma forma. Acredito que foi o maior desafio, porque, chegando ao fim de um ou dois meses, os grupos começam a ficar fechados e, portanto, o maior desafio é esse esforço contínuo ao longo do tempo de fazer mais amigos, de conhecer mais pessoas, de sair da zona de conforto e de me ir sentar ao lado daquela pessoa que está sozinha. Além dos próprios desafios da língua, tanto o inglês como o espanhol, que não é um grande desafio, mas que, neste contexto, às vezes pode tornar-se um pouco complicado. Ainda assim, no final, fiquei com amigos bastante bons, precisamente por causa disto, deste sair da zona de conforto e de combinar um café mesmo quando não nos apetece tanto.
3 – É realmente mais fácil subir a média em Erasmus+?
Matilde Maria Santos: Sim! O que eu noto é que a nossa faculdade, a FDUP, que é a única em que eu tenho experiência, é muito “poupadinha” em notas. Quero com isto dizer que noutras faculdades, quando sabes a matéria realmente, dão-te notas como dezoitos e dezanoves, pelo menos, na faculdade em que eu estive. Agora, claramente depende: há faculdades em que não sobes a média em Erasmus. Portanto, não é uma coisa linear. Mas considero que a nossa faculdade é bastante difícil, talvez por sermos alunos internos, e em Erasmus acabas por ter, na maior parte dos casos, como o meu, melhores notas. Eu estudei o mesmo que estudei na FDUP, só que as notas que tirei e as que tiraria na FDUP são diferentes e comparativamente tive mesmo boas notas em Erasmus.
Victoria de Pinho: Depende bastante da faculdade, é evidente. No meu caso, eu estava em cadeiras de um LL.M. program, que tem uma exigência e um método diferente. Além disso, na FDUP nós temos um modo de fazer as coisas, um modo de responder aos exames, um modo de avaliação que não correspondia àquilo que se passa em Gent. Portanto, foi mais complicado perceber como funcionava e acho que isso pode acabar por afetar o desempenho académico. Assim, não diria que é mais fácil subir a média, pelo menos no caso de Gent, acho que é relativamente exigente.
Carolina Cepeda: Acho que depende bastante da Universidade em questão e do empenho de cada um. Eu efetivamente subi a minha média, mas cruzei-me há uns dias, já aqui em Portugal, com um rapaz que estava de Erasmus comigo e soube que reprovou a todas as cadeiras, portanto... depende.
António Fonseca: No meu caso não. Não! Eu achei que sim, até fui de Erasmus também um pouco com essa ideia, mas não aconteceu. Lá, os professores olham para nós exatamente da mesma forma, portanto, não nos tratam com um estatuto diferente dos alunos locais. O que por um lado é bom; o ensino é muito próximo e os professores sabiam quem éramos, mas, no fim de contas, ao dar a nota, estamos todos no mesmo nível e, portanto, no meu caso, não subi a média. Também não tirei péssimas notas, mas a verdade é que foi complicado estudar. Não tive facilidades absolutamente nenhumas, também não as esperava, mas, face à questão, realmente, no meu caso, não foi mais fácil subir a média.
4 – Costumam dizer que quem vai de Erasmus já nem quer voltar. Se realmente tivesses a oportunidade de terminar o curso na faculdade em que fizeste Erasmus, fá-lo-ias?
Matilde Maria Santos: Sinceramente, não. Obviamente custou-me voltar, mas, ao mesmo tempo, fiquei mesmo feliz por fazê-lo. Portanto, não, não acabaria o curso em Pavia. Gostei muito de ter voltado para o Porto, é a minha casa. Tenho aqui a minha família, os meus amigos e tenho um carinho especial pela FDUP. Mas acredito que haja pessoas que quereriam acabar o curso em Erasmus, apenas não é o meu caso. Eu gosto muito do Porto e gosto de viver em casa.
Victoria de Pinho: Sem dúvida alguma, desde o estilo de vida até ao método de ensino, acho que seria uma realidade à qual me poderia adaptar facilmente e na qual seria bastante feliz. Considerando, também, que, como emigrante, estou num perpétuo Erasmus, não me custaria emigrar novamente.
Carolina Cepeda: Em princípio, não. Acho que o encanto da experiência tem muito a ver com o quão curta e intensa é. Para além disso, sempre quis estudar no Porto e essa vontade não se alterou.
António Fonseca: Eu partilho bastante disso, fiquei com uma imagem muito boa da cidade e com a vontade de ficar lá mais tempo ou de voltar para lá um dia. Acho que isso é muito positivo, quando uma cidade nos marca a ponto de querermos voltar, quer pela cultura, quer pelas pessoas que conhecemos. Portanto, saio muito contente por causa disso, mas sinto claramente que o meu futuro, pelo menos para já, será para ser cumprido na cidade do Porto. Além de que a nossa Faculdade na Universidade do Porto também é mesmo muito boa e, portanto, imagino-me mais a terminar o curso cá e depois eventualmente um dia regressar a Valência para uma experiência de trabalho.
5 – Se tivesses de resumir os últimos 5 meses numa só palavra, qual seria?
Matilde Maria Santos: Desafio, foi sem dúvida um desafio, fez-me crescer imenso e eu voltei uma pessoa diferente.
Victoria de Pinho: Esclarecedora, sobretudo a respeito do que quero que seja a minha vida e futuro profissionais.
Carolina Cepeda: Gratificante!
António Fonseca: Acho que a palavra certa é transformadora. Ainda que muitas outras palavras se adequassem, como marcante, enriquecedor... Ajudou-me a definir muitas coisas importantes na minha vida. Quer aspetos vocacionais, profissionais (perceber o que gosto e o que não gosto) e mesmo a nível de amizades. Eu não esperava nada disso. Ia de Erasmus com uma perspetiva de tirar boas notas e a questão de fazer amigos e conhecer uma cultura diferente era secundária, mas, na verdade, acabou por ser ao contrário.
6 – Que conselho gostarias de ter ouvido antes de ir?
Matilde Maria Santos: Gostaria de ter ouvido que Erasmus não é assim tão cor-de-rosa. Tem momentos incríveis e são os melhores momentos de sempre, mas também tem momentos muito difíceis em que sentes falta da tua família, dos teus amigos... Não é tão linear assim. Acho que as pessoas descrevem a experiência de Erasmus como tremendamente linear, do género: “É incrível!” “Vais amar todos os dias!”. Não, tu não estás feliz todos os dias, tu continuas a viver uma vida, só que noutro país e estás longe de tudo. Mas é uma experiência incrível, ainda assim.
Eu fui com uma ideia completamente “Disney” e apanhei um choque de realidade, portanto, diria para os que vão de Erasmus para pensarem que a vida continua igual, a vida não é todos os dias, 24/7, completamente contente.
Victoria de Pinho: Acho que costumo dizer isto a respeito de tudo na vida, mas nunca é demais. “Cada um tem a sua própria experiência, não é porque te venderam o Erasmus como 5 meses em que só há festas e viagens que a tua experiência – por não corresponder a essa “expectativa” – é errada ou não estás a desfrutá-la o suficiente”.
E não posso deixar de dizer, a um nível mais prático, que é preciso ter muito cuidado com os senhorios. Tivemos uma experiência bastante má quanto a isso, portanto, quando se tratar de co-housing, têm de ser bastante cuidadosos e façam-no, sempre, através de plataformas que ofereçam algum tipo de garantia, por exemplo, AIRBNB. Nunca, mas nunca, façam contratos de arrendamento por DM’s de Instagram para evitar as taxas.
Carolina Cepeda: “Diz que sim a tudo!”. O que não falta, na maioria das cidades, são programas, festas e oportunidades para alunos internacionais e são, sem dúvida, a melhor forma de conhecer pessoas novas e aproveitar o Erasmus da melhor forma.
António Fonseca: Acho que nenhum, na verdade. Quanto menos se souber da experiência de Erasmus, mais transformadora a experiência pode ser. Claro que, em relação às coisas essenciais, como a casa, as notas e a cultura, tudo isso é importante. Mas, em relação à experiência em si, acho que é importante que a pessoa se atire sem grandes expectativas, irá surpreender-se bastante. Acaba por ser uma experiência mais transformadora e feliz, que nos pode acrescentar muito mais. Portanto, acredito que não há nenhum conselho que pudesse ou gostasse de ter ouvido, que me preparasse para Erasmus.
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Podemos não saber se é a experiência de uma vida e temos a certeza de que não é tudo um filme da Disney, mas é, sem dúvida – e segundo estes estudantes – uma experiência desafiante, gratificante, transformadora e esclarecedora. Portanto, por via das dúvidas, podemos afirmar que histórias e memórias não se contarão pelos dedos, até porque as melhores histórias são as mais inesperadas.
Vitória Ferreira Departamento Grande Entrevista
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