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Foto do escritorPedro Vara

Aos olhos de um artista - Entrevista a João Brás

João Brás, jovem realizador, com obras reconhecidas a nível nacional e internacional, trouxe ao Jornal a sua visão do mundo do cinema, do seu mundo particular. Conta aquele que foi o seu percurso e aquelas que são as suas perspetivas para o futuro, tendo ganhado recentemente o prémio de Melhor Filme no 48 Hour Film Project 2022 e irá representar Lisboa no Filmapalooza 2023, em Los Angeles.



Fotografia: João Brás


Como é que começou o bichinho da filmagem? Quando é que tudo começou?


Desde muito novo, porque sempre estive envolvido em diversas áreas, tanto no teatro, como na dança. O cinema foi sempre algo que esteve muito presente, no sentido em que gostava imenso quando o meu pai me comprava DVDs de filmes. Gostava muito de ver o «atrás das câmaras». Penso que começou na primária, quando juntava o pessoal no recreio, e tentava encenar, direcionar, para que eles fossem os atores dos meus filmes. Eu acreditava mesmo que ia gravar alguma coisa, mas no momento não tinha material para isso, embora já tivesse há muito esse bichinho.


Sempre tiveste esta ligação com o mundo das artes?


Sim, sempre tive. Como disse, comecei desde muito novo a fazer teatro e dança, por volta dos 6 ou 7 anos, e foi algo que me foi fomentando a criatividade. Quando estamos envolvidos neste meio artístico, temos uma sensibilidade diferente, artística. Isto fez com que também gostasse de estar mais envolvido neste processo, e em tudo aquilo que era os bastidores, aquilo que eram as artes do espetáculo, para depois juntar à parte do cinema.


Sentiste que foi complicado o começo? Que dificuldades encontraste?


Acho que o que foi mais complicado neste processo de começar foi mesmo colocar as ideias no papel, ou seja, a forma como tu queres realizar qualquer coisa. Às vezes, tens a ideia na cabeça e é difícil passar para o papel, fazer com que aconteça. No entanto, como eu comecei a fazer curtas-metragens, por volta dos 15 anos, era uma coisa que muitas vezes nem passava para o papel, gravava à medida que a história ia acontecendo. Mas eu acho que a dificuldade que mais sentia era ter o material necessário para que a coisa corresse bem, ou seja, ter uma câmara boa, ter um bom sistema de som, esse tipo de coisas, que foi algo que foi evoluindo e melhorando ao longo do tempo.


No decorrer de todo este processo, quem foram as pessoas que mais te apoiaram?


Sem dúvida que foi a minha família e os meus pais porque eles, desde muito novo, me incentivaram. Aliás, o meu pai foi a pessoa que me deu a minha primeira câmara de filmar. Foi uma aposta, ele queria que eu explorasse mais, até porque quando ele era mais novo, ele trabalhava na parte de vídeo, gravava eventos, gravava casamentos, e, desta forma, isto pode também ter surgido por influência dele. A minha família, como vem do meio artístico, apoiou muito o meu percurso e ajudou-me bastante, ao nível de locais para gravar, ajuda em caso de haver algum problema. Eles estiveram sempre lá. Sem dúvida a minha família, os meus pais, não esquecendo os meus amigos, que também me ajudaram imenso.


Como te sentes ao ter reconhecimento ao nível nacional e internacional?


O que é que eu sinto? Eu sinto que é algo muito bom porque tem duas vertentes: por um lado, como sou madeirense, também estou a mostrar o que é que é feito na Madeira, quando fazia curtas-metragens madeirenses; por outro lado, estou a mostrar também Portugal, que consegue competir com outros filmes a nível internacional. Existe bastante talento, e isso é evidente quando algum filme português é selecionado a nível internacional. Quer dizer que já consegue competir com outras produções de, por exemplo, Hollywood, de Cannes. Acho que é bom, acho que é por aqui. Claro que o reconhecimento é uma coisa que demora algum tempo, mas que, ao longo do tempo, tenho conseguido. Comecei a nível regional, depois fui para nível nacional, agora já estou a conseguir a nível internacional. É algo que tem descolado e é gratificante.


Onde é que costumas encontrar inspiração para os teus filmes? Procuras passar alguma mensagem nas tuas obras?


Normalmente, quando crio um filme, ele tem muito a ver com as mensagens que quero passar, que são temas sociais. A inspiração vem de coisas que eu vejo no dia a dia, injustiça, e passa muito por combater este preconceito que existe na sociedade, com certas formas de ver a sociedade. Eu quero transformar isso num filme para que as pessoas vejam o que se está a passar. Então, acabo por fazer muitos filmes sobre racismo, drogas, filmes sobre a comunidade LGBT, queer, filmes sobre a pobreza, as desigualdades entre o homem e a mulher, entre as classes sociais. É de certa forma algo que para mim faz todo o sentido, acho que o cinema deve ter este papel, que é o de passar várias mensagens e fazer as pessoas perceber o outro lado que não estão habituadas a ver.

Ao nível da inspiração, é na ilha da Madeira que surge a maior parte dos meus filmes, até porque adquirem uma nota paradisíaca. Ajuda-me a criar vários projetos que já foram reconhecidos.


Que papel deve ter um realizador na abordagem de temas complexos/fraturantes, como alguns daqueles que acabaste de nomear?


Eu acho que é sempre importante. Quando queremos falar destes temas mais complexos, o realizador tem uma visão bastante própria, porque uma coisa é estares a falar de um tema de que muitos filmes falam, mas o que vai distinguir esse filme de outros é a visão do próprio realizador relativamente a esse tema e a forma como ele envolve o espectador, o guião, o argumento, a forma como o filme é filmado. Todos estes aspetos fazem com que exista uma diferença. Quando falamos do papel do realizador neste tipo de abordagem, este deve ser sempre algo que faça com que o espectador, através do filme, perceba o que o mesmo pretendeu transmitir, um tom mais triste, ou mais feliz, e que isso seja algo que a pessoa leve para casa e o faça refletir. O objetivo é o de provocar a consciencialização nas pessoas. Acho que esse é papel do realizador, embora existam muitos realizadores que não gostem de passar este tipo de mensagens e que preferem fazer coisas mais simples, de certa forma mais experimentais, com o objetivo de trazer diferentes visões às diferentes pessoas. Aliás, cada pessoa vê um filme e acaba por ter a sua própria interpretação do filme que viu, não é? Passa muito por isto, existem várias formas de abordar estes temas.


Como é que procedes na escolha dos atores para os teus projetos? No que diz respeito a critérios, o que valorizas mais?


Começou por serem os meus amigos da escola. Agora, claramente, organizo casting, porque é a melhor forma de escolher a melhor pessoa para o papel. Muitos dos meus filmes surgem por colaboração, ou seja, um ator quer fazer um determinado projeto, e eu concordo em elaborar esse filme, de acordo com a personagem que essa pessoa quer interpretar. O próprio cinema nasce muito das personagens, que acabam por adquirir uma nota pessoal do ator que as interpreta. Se o ator já estiver desde o início do processo, é muito mais fácil criar algo que seja credível, mesmo para o público. Mas sim, a escolha dos atores ou é muito por colaboração, ou por casting, tentando sempre que a personagem se adeque bem ao ator.


Já tiveste alguma vez de lidar com contratempos, nomeadamente com desistências em cima da hora, conflitos no ambiente de trabalho? Nessas situações, como deve o realizador reagir?


Eu trabalho sempre com pessoas em quem confio imenso. Por isso, ao nível de conflitos, acho que nunca me surgiram problemas. Eu conheço as pessoas, gosto de ter tudo organizado, por isso não acontece. Agora, no processo de trabalhar com pessoas novas, até porque vim para o continente, surgem, não propriamente conflitos, mas problemas com o tempo. Por exemplo, quando tens um determinado tempo para fazer uma coisa, porque o sol está numa determinada posição e passados alguns minutos (por exemplo, numa cena gravada ao pôr do sol), já está completamente diferente. Começam a surgir alguns stresses ao nível do planeamento, não conseguir fazer tudo aquilo que tínhamos planeado para o dia. Temos sempre de tentar fazer o melhor que conseguirmos e, às vezes, acaba por chocar nesse sentido. No que diz respeito a contratempos, já tive um. Ia fazer um filme, aliás, cheguei a fazer um filme, mas a covid meteu-se e desisti de o fazer, pensei que nunca mais lhe ia pegar. Depois, quando voltei, vim para Lisboa passados dois anos. Voltei a pegar no argumento e refiz muita coisa porque já não me identificava com o que lá estava. Realizei o filme, e penso que vai estrear brevemente, vamos ver. Outra situação foi quando uma semana antes de começarem as gravações do projeto «A magnífica Zoe», os atores principais apanharam covid. Foi complicado, tivemos que mudar datas, tivemos de substituir membros do elenco. Mas é assim, é lidar com esta situação e com estes contratempos que surgem, mas a maior parte deles deveu-se à pandemia.


Consideras que as cerimónias de entrega de prémios no entretenimento ainda são relevantes?


Eu acho que não, honestamente. No entanto, acho que é importante haver uma promoção no que toca a projetos. Acho que não tens de premiar «o melhor filme», ou o «melhor ator», porque para todas as pessoas que já são selecionadas/mencionadas já acabam por sentir algum relevo, já quanto à cerimónia de entrega de prémios, considero não ser tecnicamente relevante. Penso que deveria haver mais promoção dos projetos, porque a verdade é que entregas um prémio, mas depois as pessoas não conseguem ver o filme, mesmo que queiram. Devia haver uma maior promoção dos diferentes filmes, daqueles mais vistos, por exemplo, para também existir um maior consumo. O que acontece é que vemos uma cerimónia de entrega de prémios na RTP, na SIC ou na TVI e muitas vezes nem sabes quem são as pessoas, ou os filmes. Ao nível português, perguntando a qualquer pessoa qual é o seu filme favorito, as pessoas por norma respondem com o nome de um filme estrangeiro. Agora, eleger o melhor filme numa cerimónia, para mim não faz sentido, até porque o melhor não existe e o que é para mim, pode não o ser para ti.


Consideras que neste aspeto, há muita subjetividade ignorada?


Sim, exato. E depois vemos que ganham pessoas mais relacionadas a determinada entidade ou agência. Acho que é tudo um lobby, honestamente. É tudo muito feito. É o que também acontece com os programas como os «Ídolos» ou «The Voice», ou seja, uma pessoa está a ver aquilo, mas sabe perfeitamente que houve castings antes de as pessoas irem para ali passar vergonhas. É tudo uma questão de entretenimento.


De todos os projetos que já desenvolveste, qual consideras ser o teu favorito?


Chama-se «Eddie». Ainda não estreou e fala sobre o racismo: relata um dia na vida da personagem «Eddie» e de todas as formas de racismo que sofre. Gosto bastante desse filme porque, em primeiro lugar, passa-se no momento em que surgiu o «Black Lives Matter», com a manifestação em Lisboa. Acho que é um filme bastante importante, principalmente hoje em dia. Apesar de já ter feito muitas coisas, acho que foi sempre muito diferente. O «Veranico» foi muito poético, fi-lo em 2020, o «Cacos» é muito nu, muito cru, e acho que o «Eddie» encontra um meio termo entre os dois, encontrando aí também a minha linguagem cinematográfica. É o que gosto mais, mesmo a nível de produção, ao nível dos atores, acho que foi o que ficou melhor conseguido.


O que é que achas que te ainda falta realizar? Que objetivos tens para um futuro próximo?


Bem, ainda falta realizar muita coisa, porque ainda tenho apenas 22 anos, por isso, ainda tenho muita coisa para fazer. Agora, a nível de futuro próximo, estou a desenvolver a minha primeira longa-metragem e tem sido um processo muito interessante, muito exaustivo e cansativo. Acho que tem sido algo que me tem feito crescer, sem dúvida, realizar a minha primeira longa-metragem. Agora é ver o que o futuro reserva, mas sem dúvida que agora estou muito focado nisso porque também é muito complexo, até porque quando falamos de uma longa-metragem, estamos a falar de quase 2 horas de filme, por isso, é algo que tem de ser muito bem pensado, muito bem estruturado. Também gostaria de ir a festivais e ver o que acontece, porque já fiz cinco curtas-metragens e acho que está na altura de fazer um step-up para uma longa.


Pedro Vara

Grande Entrevista


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