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Foto do escritorBárbara Pedrosa

As barreiras para além das fronteiras e da guerra

A invasão da Ucrânia pela Rússia veio demonstrar o pior e o melhor que o mundo tem para oferecer, colocando em evidência que a única resposta possível é uma que se mova através de uma enorme entre-ajuda, cooperação, solidariedade e apoio com vista à proteção dos valores democráticos e dos direitos mais fundamentais do ser humano.


Este conflito teve por consequência uma afluência enorme de ucranianos e de pessoas residentes na Ucrânia às fronteiras do país, isto, como uma forma de escapar à guerra. E, a verdade, é que a resposta por parte dos países transfronteiriços, como a Polónia e a Roménia, foi surpreendentemente positiva. Algo que não se verificou aquando de outras crises de refugiados, tais como as provenientes dos conflitos na Síria ou até da crise humanitária na África subsaariana, que se têm vindo a fazer sentir aos longo dos anos, podendo questionar-se as razões de fundo para tal discriminação.


Contudo, gostaríamos de chamar à atenção para o facto de alguns dias após o início da guerra, bem como do acolhimento de refugiados por parte destes países transfronteiriços se começar a verificar a existência de situações de racismo e xenofobia na fronteira entre a Ucrânia e a Polónia.


Com o despoletar da guerra os cidadãos ucranianos, bem como muitos africanos, asiáticos, indianos e do Médio Oriente residentes na Ucrânia — sobretudo estudantes — tentaram igualmente sair da Ucrânia para os países vizinhos à procura de segurança. No entanto, ao chegar a esta fronteira ou mesmo quando tentavam aceder aos comboios e autocarros que lhes permitiriam sair do país, viram-se confrontados com uma discriminação inesperada, principalmente aquando de um contexto de guerra.


Esta discriminação teve portanto uma motivação racial. Segundo um testemunho avançado pelo Jornal Público, dois portugueses viram-se enviados para o fim das filas várias vezes pelas autoridades ucranianas, com esperas entre 14 a 16 horas consecutivas, sendo humilhados e vendo a seu lado somente estrangeiros não brancos e portanto tendo chegado nesse momento à conclusão que o critério de seleção seguido era a cor da pele.


Isto obriga-nos a questionar será que “há vidas que valem mais que outras ? “ E a resposta é clara, segundo a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados (ONU), nomeadamente no seu artigo nº 3, intitulado “não discriminação”, diz-nos que “ Os Estados Contratantes aplicarão as disposições desta Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça, à religião ou ao país de origem.”. Tendo o Governo da Nigéria emitido um comunicado apelando a que os cidadãos nigerianos, bem como os cidadãos de outros países africanos vizinhos, fossem tratados com respeito e repugnando o tratamento discriminatório observado ao longo das fronteiras da Ucrânia por parte de autoridades ucranianas.


E apesar de a Polónia negar a veracidade destes relatos, a verdade é que mesmo após conseguirem passar a fronteira e entrar na Polónia continuam os cidadãos não brancos a ter de enfrentar diversas dificuldades, tais como o facto de lhes ser recusado abrigo em hotéis transformados em centros de ajuda a ucranianos, sendo-lhes permitida a entrada no país somente por tempo determinado (15 dias), etc. Contudo, alguns destes estudantes também referem a falta de reação e de eficácia por parte das autoridades nigerianas nas semanas anteriores ao início da guerra, bem como após o despoletar da mesma.


O Ministro dos negócios estrangeiros nigeriano chegou a sugerir e aconselhar os cidadãos nigerianos em solo ucraniano a dirigirem-se às fronteiras de países como a Roménia e a Hungria, em oposição à entrada através da fronteira polaca.


Pesa-nos informar que esta não é a única forma de discriminação que se tem verificado nas fronteiras, sendo de destacar as situações vivenciadas por pessoas transgéneras e pessoas não binárias (É um termo “guarda-chuva” utilizado para pessoas que não se identificam nem com o género feminino, nem com o género masculino. Deste modo, utilizam linguagem mais inclusiva através do recurso a pronomes neutros e evitando a utilização de palavras que impliquem género). Com a implementação da Lei Marcial, os homens entre os 18 e os 60 anos viram-se impedidos de sair da Ucrânia, deste modo, as mulheres transgéneras ucranianas têm experienciado situações difíceis nas fronteiras e muitas delas têm receio de sequer se apresentarem nas mesmas. Isto, porque nos seus documentos de identificação ainda se encontram identificadas como sendo do sexo masculino, acabando por ficar expostas a uma situação de vida precária. O mesmo ocorre com as pessoas não binárias, uma vez que apesar de não se identificarem com sendo do género feminino ou masculino, aqueles que estejam identificados como sendo do género masculino na sua documentação veem-se impedidos de passar às fronteiras.


Infelizmente, os problemas só tendem a agravar, já que se tem manifestado uma crescente preocupação por parte dos países europeus de que se encontrem verificadas as condições “perfeitas” para que verifique uma ascensão do tráfico humano, nomeadamente o tráfico de refugiados ucranianos, maioritariamente de mulheres e crianças desacompanhas.


O artigo 160º Código Penal, diz-nos que pratica um crime de tráfico humano quem “oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração, incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a mendicidade, a escravidão, a extração de órgãos ou a exploração de outras atividades criminosas”. Sendo que, há vários meios utilizados para colocar as pessoas neste tipo de situações, destacando-se no caso em concreto as “manobras fraudulentas” e o aproveitamento de “situações de especial vulnerabilidade da vítima”. Isto, uma vez que tem sido noticiado que estes criminosos tentam enganar e convencer vários refugiados do sexo feminino ou então crianças desacompanhadas prometendo-lhes apoio a nível de estadia, financiamento, empregabilidade, entre outras coisas, mas a verdade é que depois a realidade que iriam encontrar seria uma completamente distinta e cheia de perigos.


Tendo conhecimento do contexto atual e do quão fértil o mesmo se pode tornar para a proliferação do crime organizado nestes países de acolhimento temporário de refugiados ucranianos, a Europol (Tendo iniciado a sua atividade em 1999, esta é uma agência da União Europeia, que visa garantir a segurança dos cidadãos da UE, melhorar as relações e cooperação entre as polícias dos vários Estados Membros e promover o combate à criminalidade internacional e ao terrorismo) , tomou a iniciativa de implementar postos de controlo de segurança secundários, de modo a identificar, evitar e travar a entrada de criminosos, bem como reconhecer casos de imigração ilegal ou tráfico de seres humanos.


As mulheres ucranianas que fogem da guerra na Ucrânia, sofrem inevitavelmente com esta questão do tráfico humano nos países transfronteiriços, especialmente ao nível da exploração sexual, tal como se tem verificado na Alemanha (denominado o “bordel da Europa”), em que várias refugiadas ucranianas se têm queixado de ser abordadas por traficantes, bem como predadores. Para além disso, também a polícia alemã e até voluntários tiveram de intervir, tendo expulso muitos desses indivíduos dos locais onde se encontram acolhidos estes refugiados.


Contudo, há um outro grupo de pessoas que se encontra imensamente desprotegido: as crianças desacompanhadas. Estas crianças veem-se muitas vezes sem documentação, sem a sua estrutura familiar e portanto transformando-se em alvos mais fáceis, uma vez que a desorientação coligada a uma inocência característica da infância e ao desejo de segurança acabam por traçar, muitas vezes, um caminho que os levará a inúmeras situações de perigo, tais como as acima supracitadas. De não esquecer igualmente as inúmeras crianças que por se encontrarem em “instituições de acolhimento residencial na Ucrânia” — ou seja, locais de acolhimento de crianças e jovens, entre os 0 e os 18 anos, que são retiradas dos seus agregados familiares pelos mais variados motivos, tendo em vista a proteção e o bem-estar das mesmas — irão ficar à mercê da guerra que assola a Ucrânia, já que a ajuda através dos corredores humanitários, quando existentes, se tem mostrado uma situação muito complexa e por vezes instável/insegura.


Os relatos de tentativas de tráfico de refugiadas têm emergido de forma preocupante, bem como a ocorrência de diversos crimes sexuais contra jovens ucranianas, dando-se génese a uma necessidade urgente de intervenção por parte dos vários Estados membros e das suas autoridades, de modo a aconselhar, apoiar e proteger estas mulheres, jovens e crianças fugidas da guerra e que procuram incessantemente por um lugar seguro onde recomeçar.


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