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  • Foto do escritorMaria João Pereira

Basta: A punição física infantil não funciona!

A punição física, direcionada às crianças, é um tema que tem surgido cada vez mais em debate. Recentemente, o assunto dominou a esfera social após um episódio (lamentável, eu diria) num dos programas da manhã da televisão nacional. E algo que deveria ter sido comentado, e não foi, é o facto de que a punição física, contrariamente ao que se imagina, não funciona. E, afinal, por que não funciona?


Os maus tratos, de um modo geral, e a punição física, de um modo específico, já existem desde os primórdios da civilização. Na Idade Média, por exemplo, predominavam os castigos humilhantes como forma de educar as crianças. Todavia, a mudança ocorre entre o séc. XIV e o séc. XVII, começando a existir recomendações que visem a moderação das punições físicas, apelando às necessidades das crianças. E, atualmente, como exemplo, temos o artº 152º do nosso Código Penal que tutela os maus tratos. No entanto, se existiu ao longo do desenvolvimento da sociedade, uma evolução também da perceção da criança enquanto ser humano e ser de direitos, porque é que os castigos físicos ainda continuam a ser debatidos na atualidade? Em boa verdade, ainda hoje os castigos físicos continuam a ser usados. No fundo, ainda há quem acredite que o uso da violência pode levar a uma correção e a um bom comportamento daquela criança.  


Como mencionado inicialmente, um recente episódio televisivo pautou-se por esta questão, debatendo-se as “palmadas” dadas pela madrasta ao seu enteado e a gravação do mesmo ato. Perante todo o assunto, poder-se-ia comentar várias situações, isto porque se comentou tudo, mas não se comentou nada ao mesmo tempo. O que me parece importante, ainda assim, ressalvar, é como é que em plena sociedade do séc. XXI, o castigo físico é ainda demonstrado como uma estratégia a que devemos, e podemos, recorrer, com o objetivo de melhorar e de parar um comportamento. Meus senhores, se pensam que a punição física vai permitir quebrar um comportamento e aumentar o respeito daquela criança para com vós, então estamos perante a mais pura ignorância. 


“A mim também me batiam e não foi por isso que morri”; “Uma palmada de vez em quando, para aprender, nunca fez mal a ninguém”. Estes são exemplos de frases que, certamente, já todos ouvimos como forma de legitimar um castigo físico. Caro leitor, nós sabemos que não morreu fruto daquela palmada. Mas também sabemos que se não tivessem sido experiências de tal modo traumáticas, que lhe deixaram cicatrizes, sobretudo emocionais, não teria a necessidade de se relembrar disso anos mais tarde. Aliás, se não tivesse sido algo marcante na sua vida, já tão pouco se lembraria. E não me parece que tenha sido algo marcante a nível positivo, pois não? E uma palmada com o objetivo de aprender? Aprender o quê? A ter medo? A ter medo de dar um passo que possa sair da linha que delineou, espoletando assim mais uma situação intempestiva? Caro leitor, aprender o quê? Dizia-nos Bandura que o ser humano aprende os comportamentos que observa, portanto, todos os comportamentos que adotamos, ao longo da nossa vida, são fruto de um processo observacional junto dos nossos modelos mais próximos, sejam os nossos pares ou a nossa família – recordando, sempre, que a família é a fonte da socialização primária por excelência. E este preceito teórico aplica-se a um conjunto vasto de situações: uma criança que se desenvolva num ambiente cuja violência esteja enraizada e normalizada, assumirá, de modo intuitivo, tal prática como sendo algo natural. E porquê? Primeiramente, porque é o contexto onde cresce, são as práticas que observa nos seus modelos. E depois, não nos esqueçamos que as crianças têm a sua figura de autoridade, uma figura que respeitam, que obedecem, que percecionam, quase, como um lugar seguro. Os comportamentos da sua figura de autoridade serão os comportamentos que, mais tarde, aquela criança poderá reproduzir facilmente, uma vez que os observou e legitimou, dado que estes já estavam normalizados naquele seio. Sabemos, assim, que a educação requer autoridade e compreensão, mas lembremo-nos que autoridade não é o mesmo que autoritarismo. No momento em que os pais se deixam levar pela ira, antecedendo o castigo físico, podem, em simultâneo, intimidar os seus filhos, bem como colocá-los numa posição defensiva, tornando-os mais reativos e agressivos. A manutenção de práticas coercivas revela um forte efeito nas crianças, podendo gerar sentimentos de frustração, de medo e até rebeldia, constituindo estas práticas um fator de risco para comportamentos antissociais no futuro. 


Assim sendo, eu torno a questionar: a criança que foi alvo de um castigo físico, aprende o quê? Aprende a normalizar o recurso à violência como meio de resolução de conflitos? Aprende a ter medo de uma situação que a possa novamente levar a ser alvo de um castigo físico? Aprende a guardar para si as suas emoções advindas desse castigo, transformando-se, gradualmente, em uma experiência traumática? Porque há um aspeto extremamente necessário a frisar: a punição física não leva a um maior respeito. Leva ao medo! Aquela criança não nutre respeito pela figura que a agride. Aquela criança sente medo. É diferente! Além de que a perpetuação destas práticas tem uma vasta influência no percurso das crianças e na forma como estas concebem o mundo que as rodeia. Portanto, apelo a que atentemos à forma como se educam as nossas crianças hoje em dia e as implicações de tal no seu futuro. Por isso, basta. A punição física infantil não funciona! 


Maria João Pereira

Departamento Fazer Pensar

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