Samuel Nunes (no artigo que escreveu para o jornal Observador, intitulado “Prostituição é trabalho. Uma nova opção de carreira...”) afirma que «a velha máxima de que a prostituição é a “profissão mais velha do mundo”, nunca fez tanto sentido» partilhando eu da sua prespetiva. Em Portugal a sua prática não é ilegal, no entanto, é punido todo aquele que, profissionalmente, ou com intenções de lucrar com a mesma, fomente, favoreça ou facilite o seu exercício por outra pessoa. A sua não criminalização fez com que se passassem a utilizar termos como “trabalho sexual”, “trabalhadores do sexo” ou “indústria do sexo”, sempre que fosse necessária uma alusão ao assunto. Esta temática abraça longos debates que, por um lado, se pronunciam no sentido da prostituição representar a prestação de um serviço. De uma outra perspetiva, há quem se remeta a esta atividade como a venda do corpo. A verdade é que, independentemente do prisma adotado, a prostituição é uma realidade inegavelmente vislumbrada, não apenas no panorama nacional, mas em qualquer parte do mundo.
Relativamente à questão da venda do corpo, podemos questionar-nos até que ponto tal não é feito em qualquer profissão que optemos por desempenhar. Não é mentira que nos encontramos submersos numa conjuntura absurdamente capitalista, capaz de sugar todos os nossos anos de glória a troco de trabalho mal remunerado. Infelizmente, esta é a realidade de muitos, com ânimo, não de todos. Voltando ao cerne da questão, se a prostituição se realizar num contexto onde prevalece o consentimento, livre e esclarecido, creio que o que verdadeiramente difere esta profissão das outras seja a sua natureza (no caso, sexual), intenção e contexto em que é realizada.
Claro está que, a utilização do corpo neste ofício certamente envolve riscos e desafios diferentes e específicos. Pessoalmente, considero que a sua regularização poderia colmatar inúmeros problemas, primeiramente através da proteção dos direitos dos trabalhadores sexuais, uma vez que lhes seriam proporcionadas condições de trabalho seguras, bem como o acesso a serviços de saúde, mitigando ainda situações de abuso e exploração. Depois, podemos falar de uma prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, dado que, à semelhança do que é feito em alguns países (como na Letónia e na Áustria, a título de exemplo), quem se dedicar a este trabalho pode ficar obrigado a fazer exames de saúde regulares. Pode ainda abordar-se o facto de que a regularização da prostituição pode criar uma fonte de receita para os governos (através de impostos e taxas sobre os serviços sexuais), o que também pode ser útil ao nível do financiamento de programas de prevenção de DSTs, por exemplo.
Tendo a concordar com Jessica Swanson, quando nas instâncias finais do seu artigo, intitulado “Sexual Liberation or Violence Against Women? The debate on the legalization of Prostitution and the Relationship to Human Trafficking”, afirma que, até serem realizados esforços superiores no sentido de abordar a exploração feminina e questões como, por exemplo, o abuso de substâncias e a desigualdade de género, a relação entre a legalidade da prostituição e o tráfico de seres humanos será difícil de determinar. Ainda assim, não poderia a regulamentação da prática em questão auxiliar na redução deste crime? Na minha ótica, a mesma serviria como um entrave à operação de redes criminosas, ao mesmo tempo que oferecia aos trabalhadores uma alternativa segura ao trabalho clandestino. Mas, e tal como Swanson afirma, apesar de, tanto os abolicionistas como os trabalhistas, apresentarem argumentos válidos acerca das consequências da legalização da prostituição, esta é uma realidade complexa e com demasiadas nuances, pelo que é imperativo que se reconheça a grande variação existente nos indivíduos, nas normas sociais e nos valores culturais.
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Constatam-se conjuntamente argumentos que pregam pela falta de dignidade humana que reveste o ofício em questão. Este conceito manda-nos olhar para a pessoa como um fim em si mesma e não como um meio ou coisa. A discussão que se avista nesta arena coloca a pessoa que se prostitui como alguém que, por regra, é marginalizada e oprimida, utilizando o trabalho sexual como modo de sobrevivência. Quem se guia por esta lógica de pensamento, imediatamente instrumentaliza qualquer pessoa que opte por se prostituir, excluindo todos aqueles que optem por fazê-lo por mero prazer. No meu entender, a autonomia e a autodeterminação são direitos inerentes ao conceito em análise, pelo que, desde que seja uma escolha livre e consensual, não vejo o porquê de negarmos aos indivíduos a liberdade de tomarem as suas próprias decisões. Sobretudo, deve existir um respeito pela escolha individual e a criação de condições de trabalho dignas, para que a dita dignidade esteja protegida.
Obviamente, o tópico da prostituição tem andado de mãos dadas com outros fenómenos como a pobreza e o isolamento social. Deve-se isto à existência da ideia generalizada que a prostituição é unicamente realizada por pessoas que, estanto em eminente necessidade económica, tiveram que recorrer à profissão de modo a conseguirem suprimir o seu estado de vulnerabilidade económica. Mais ainda se fala da sua apertada relação com a moralidade e a religião. Não estará o olhar negativo que reveste esta profissão demasiado ligado a estas duas componentes? Quem se prostitui não merece, segundo os (des)entendidos, proteção estatal uma vez que a finalidade das relações sexuais consumadas não é meramente procrinatória, mas sim a obtenção de lucro ou satisfação própria (por exemplo). Muitas religiões tradicionais condenam a prostituição, apontando-a como violadora de princípios morais, oferecendo mensagens que vendem o perdão e a redenção a quem, através da mesma, ganhe a vida. De facto, considero que deveria existir uma compreensão, por parte dos religiosos que desta forma pensam, mais adequada aos tempos vigentes e, até mesmo, mais compassiva.
Pessoalmente, diria que este não é um debate simples. Não podemos ser negligentes e ignorar que, ao mesmo tempo que a prostituição é uma escolha legítima, pode também ser uma fonte de exploração e vulnerabilidade, estando qualquer pessoa que a pratica sujeita a abusos. Ainda assim, acredito que a sua criminalização contribui copiosamente para a perpetuação da estigmatização das pessoas envolvidas e acaba por não ajudar ninguém e tampouco resolve algum problema. A regularizaçãoda prostituição, no fundo, serve como meio de respeitar a autonomia dos trabalhadores do sexo, ao mesmo tempo que lhes garante uma oportunidade de trabalhar de forma segura e legítima.
Lucília Oliveira
Fazer Pensar
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