Anualmente, o dia de “descontos” da Black Friday é aproveitado por muitos, que aguardam ansiosamente por esta data para comprar produtos que já tinham em vista, ou produtos que se apresentam como uma boa oportunidade de compra, tendo muitas vezes em conta a proximidade com a quadra natalícia.
A história da origem da Black Friday, com a conotação mais correspondente à atual, remonta a 1961, altura em que a polícia de Filadélfia, nos Estados Unidos da América , utilizou pela primeira vez o termo para se referir ao caos no trânsito, provocado pela elevada circulação na cidade, no dia seguinte ao Dia da Ação de Graças. Atendendo ao facto de o feriado ocorrer numa quinta-feira, muitos faziam “ponte”, e aproveitavam o dia seguinte para realizar compras antecipadas de Natal, o que se revelou numa oportunidade de negócio para os comerciantes. No entanto, só nos anos 2000 é que este dia se assumiu como o dia com mais compras efetuadas do ano, universalizando-se o termo, que começou a definir a data de descontos e promoções na última sexta-feira do mês de novembro.
Atendendo ao atual panorama nacional, num ano pautado pela inflação e pelo contínuo aumento das taxas de juro, seria expectável que a afluência dos portugueses fosse escassa e consentânea com o período de notória crise económico-financeira que o país atravessa. No entanto, e segundo a DECO, a maioria tencionava, em média, gastar 290 euros neste dia, um aumento de 11% em relação a 2022. Relativamente ao e-commerce, estima-se que a faturação, em Portugal, durante a semana da Black Friday se tenha situado entre os 120 e os 130 milhões de euros.
As compras impulsivas são habituais nesta data, algo que é tido em conta pelos comerciantes e pelas marcas, que recorrem a diversos meios que atuam no subconsciente dos consumidores - por exemplo, é frequente que junto de produtos mais avultados se passe a apresentar a opção de pagamento em prestações - de forma a impulsionar a compra de determinados produtos, influenciados não só pelo desconto, mas pela ilusória tentação de uma excelente oportunidade de compra, circunscrita a um dia especial.
Nos termos do Decreto-Lei 109/2019, na alínea a) do seu art. 3º/2, o preço mais baixo anteriormente praticado é “o preço mais baixo a que o produto foi vendido, fora de eventuais períodos de saldo ou de promoção”. O desconto da promoção deve, segundo este diploma, incidir sobre o valor mínimo que o produto atingiu e não, como se vê frequentemente, sobre o Preço de Venda ao Público Recomendado (PVRP). Apesar desta salvaguarda legislativa, a cada ano que passa, o Portal da Queixa revela o aumento do número de reclamações, bem como das tentativas de burla: só no ano passado, a ASAE instaurou 48 processos de contraordenação, e este ano detetou 300 infrações.
No Reino Unido, um estudo revelou que apenas uma em cada 50 ofertas da Black Friday está com preço mais baixo neste dia, o que significa que só 2% dos produtos não estavam a ser vendidos pelo mesmo preço (ou até mais caro) no período de seis meses que antecederam a promoção. Em Portugal, sucederá uma situação análoga? Os consumidores portugueses apresentam uma maior literacia financeira que os britânicos? Resistirão mais à compra por impulso e que não se traduz, afinal, numa oportunidade de negócio? Ou, pelo contrário, caem no engodo das estratégias dos comerciantes para rentabilizar lucros? Segundo a DECO, 71% dos inquiridos têm uma opinião positiva relativamente à Black Friday - o que representa um aumento de 9%, em comparação com 2022 -, justificado pela perceção que os mesmos têm de que esse é um bom dia para realizarem bons negócios, poupando dinheiro.
Nem sempre o consumidor tem acesso a informação fidedigna sobre a flutuação de preços que um determinado produto conheceu ao longo de meses, portanto não é difícil que venha a ser enganado por técnicas de um marketing cada vez mais ferozmente inteligente. Se o mesmo não investiga profundamente o negócio que pretende levar a cabo, tendo apenas acesso à informação que lhe é veiculada em loja, pode ser apanhado nas malhas da publicidade, que esconde mais do que revela, levando-o a adquirir um produto que não se constitui como uma boa oportunidade. Poderemos estabelecer o paralelo: esta parca informação da parte do consumidor constitui as sombras que os prisioneiros de Platão viam projetadas nas paredes da sua caverna. Como pode o “consumidor-prisioneiro” acorrentado à sua (des)informação, ver para além da realidade que lhe é apresentada? Todos à sua volta insistem na excelência de negócio que lhes é oferecida, reiterada pela ideia de que acontece num único dia do ano, portanto, esta é a realidade que conhecem, e com a qual são bombardeados, nas semanas que antecedem a “grande data”. Organismos como a DECO e o Portal da Queixa procuram elucidar o consumidor, para que este realize compras informadas – representam, assim, a luz a que Platão aludia, na sua Alegoria da Caverna. No entanto, serão suficientes para o “consumidor-prisioneiro” ver para além das sombras da Black Friday, também chamada por muitos Black Fraude?
Maria Duarte
Departamento Fazer Pensar
Comments