No passado dia 16 de novembro, celebrou-se o centenário de José Saramago, um dos maiores autores portugueses de todos os tempos. Refira, se possível, três adjetivos para descrever o impacto de Saramago não só para a Literatura Nacional, como também para a Cultura Portuguesa em geral.
Na minha opinião, há três adjetivos que caracterizam muito bem não só o próprio trabalho do autor como o seu impacto na Literatura e cultura nacional: Irreverência, pela sua capacidade de desafiar as normas e as críticas religiosas e sociais presentes nas suas obras; Invulgar, pelo seu trabalho com a pontuação, o qual cria um desafio na leitura e representa um símbolo inconfundível da sua escrita; Intemporal, pelo facto de os temas abordados continuarem a ser atuais.
Sabemos que parte de toda a obra de José Saramago é lecionada aos alunos do ensino secundário. Na sua opinião, qual será a importância da lecionação da obra de José Saramago nas escolas? Há aspetos a melhorar?
As obras de Saramago representam uma crítica aos sistemas que regem as sociedades, questionam comportamentos; com uma temática que contribui para ajudar os estudantes a desenvolverem o seu espírito crítico e de análise, não só em relação às obras, mas principalmente em relação ao mundo.
Sem dúvida que há aspetos a melhorar. Claro que ajuda muito se os estudantes já trouxerem de casa bons hábitos de leitura – embora, mesmo para estes, possa haver alguma resistência para estas obras. E é aí que entra o papel do professor em contexto de sala de aula. É preciso cativar os alunos para a leitura e, de modo particular, cativar para a leitura de uma obra de Saramago é algo que exige algum cuidado e originalidade. Cabe aos docentes criarem as melhores estratégias e pensar nas melhores abordagens para suscitarem o interesse dos seus alunos para os trabalhos do autor.
Qual será a importância da obra de José Saramago no contexto atual? O que podemos retirar das obras de José Saramago que ainda hoje podemos aplicar ao presente?
Creio que há algo muito importante nas obras de Saramago: o seu realismo. Temos o exemplo da crítica social feita em Ensaio Sobre a Cegueira (1995) onde, através de uma “cegueira branca”, são expostos vários problemas que corrompem o ser humano: o egoísmo, a cobardia, a imparcialidade… O facto de as personagens não terem um nome próprio retira-lhes a individualidade, facilitando a aproximação ao leitor. Porque, a verdade é que qualquer uma daquelas personagens poderíamos ser nós, ser alguém que conhecemos atualmente.
Em Memorial do Convento (1982) temos outro exemplo daquilo que podemos considerar uma crítica ao fanatismo religioso: há muito essa ideia de olhar para o Palácio/ Convento de Mafra e apreciá-lo pela sua beleza e imponência, e talvez nem toda a gente veja que um edifício que era suposto acomodar apenas 30 frades acomodou 300, tudo porque D. João V tinha essa necessidade megalomaníaca de deixar a sua marca no mundo, mesmo depois de morrer.
E isto leva-nos a perguntar: quantas destas situações não são ainda atuais? A cegueira social, a megalomania, o poder democrático…
José Saramago ficou conhecido pela forma peculiar como pontuava os seus textos. Considera que esta particularidade do autor poderá influenciar a falta de interesse dos estudantes em tentar compreender e conhecer mais aprofundadamente o autor e as suas obras ou, pelo contrário, encara esta sua característica como sendo um fator de curiosidade para os alunos?
É difícil responder a isto porque se trata de algo que vai muito de encontro às nossas preferências pessoais. Saramago é um autor que “assusta” não só porque a temática das suas obras é muito complexa, como pela forma única como usa a pontuação, como mistura o discurso direto e o indireto.
No geral, eu diria que, tendo em consideração que 61% dos portugueses não leem, segundo um estudo do Instituto de Ciências Sociais; esta caraterística de Saramago pode influenciar a falta de interesse nas suas obras.
Pensando na célebre frase do autor: “Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais”, qual considera ter sido o maior feito do autor ao longo da sua vida?
Embora José Saramago tenha ganho vários prémios ao longo da sua vida, na minha opinião, o seu o maior feito foi vencer o Prémio Nobel da Literatura em 1998, o único autor português a consegui-lo até ao momento.
Finalmente, qual poderá ser o papel do Ensino Superior na exaltação de José Saramago? É uma figura cuja importância deverá estar restrita às áreas linguístico-humanísticas, ou também terá o seu interesse para as áreas mais científicas e exatas?
Há muito que se debate a importância e necessidade de estudar determinados autores nas áreas mais científicas. Acredito que, por uma questão de enriquecimento cultural, qualquer estudante, de qualquer área, deverá conhecer e estudar autores de renome e que tenham contribuído de forma positiva para a literatura e cultura portuguesa. Contudo, é igualmente importante salientar que este estudo deveria ser mais aprofundado para as áreas linguístico-humanísticas, tendo em consideração a natureza dessas mesmas áreas.
Bruna Moreira
Departamento Grande Entrevista
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