No universo do futebol europeu, a centralização dos direitos televisivos é uma medida já implementada há muito tempo, com resultados positivos praticamente unânimes nas principais ligas. Contudo, esta medida ainda não é aplicada em Portugal, sendo nós, a par do Chipre, um dos únicos países onde tal não acontece.
Como se tem verificado no campeonato nacional da presente temporada, os “três grandes”- que já nas outras épocas raramente perdiam pontos - cederam, ao fim de dez jornadas, ainda menos pontos do que o habitual, marcando mais golos, sofrendo menos e aumentando o número de goleadas. O “meu” clube, o Futebol Clube do Porto, venceu nove dos dez jogos, até agora, tendo sido apenas derrotado pelo Sporting que ganhou, pasme-se, todos os jogos, até à data. Apenas o Benfica deixou escapar pontos contra os ditos “pequenos” esta época, perdendo contra o Famalicão e empatando diante do Moreirense, tendo sido ambos os jogos disputados fora de casa. Tudo isto demonstra, de forma clara, a ausência de competitividade no nosso campeonato e o fosso cada vez maior entre os “três tubarões portugueses” e o resto dos clubes, apesar do SC Braga e do Vitória SC ainda conseguirem oferecer alguma resistência.
Paradoxalmente, esta tendência cada vez mais vitoriosa nas competições internas por parte das três referências nacionais , não se verifica na conjuntura europeia, tornando-se o cenário ainda mais assustador quando se analisa a curtíssima prestação europeia dos outros clubes portugueses que, por vezes, nem sequer conseguem derrotar equipas da Eslovénia ou da Sérvia.
Mas qual é a relação entre a descentralização dos direitos televisivos e o fracasso europeu das equipas portuguesas? Ora, esta resposta é mais simples do que parece. Pensem nas competições europeias como se fossem um teste da escola, em que um aluno (os nossos “três grandes”), na sua preparação, só resolve exercícios fáceis, ou então num aluno (os restantes clubes) que nem sequer o material necessário para estudar tem. Como é lógico, o primeiro aluno vai ficar muito aquém dos resultados que poderia ter e o segundo aluno nem à positiva irá chegar. Assim têm sido as prestações portuguesas nas competições europeias, fruto da falta de competitividade, que seria mitigada pela centralização dos direitos audiovisuais. Estes, tendo uma parte dividida de forma igualitária por todos os clubes, dariam uma receita maior aos clubes com menos adeptos, que conseguiriam investir mais, quer no seu plantel, quer na sua estrutura, nomeadamente em pessoal técnico ou infraestruturas mais qualificadas para a prática de um futebol melhor.
Tudo isto faria aumentar a qualidade do campeonato nacional, assim como prepararia melhor os grandes clubes para a maior dificuldade competitiva a nível europeu, , o que traria resultados desportivos positivos, que levariam a uma maior visibilidade internacional do futebol português. Isto iria provocar um aumento da procura pelos direitos televisivos, levando a um incremento (ainda maior) das receitas para todos os clubes, intensificando (ainda mais) os efeitos colaterais desta medida. Além do mais, a competitividade, a qualidade das equipas e a quantidade de jogadores de topo iria aumentar, gerando receitas que superariam qualquer perda inicial dos clubes que hoje concentram os maiores lucros.
Dito isto, há clubes que, à boa moda portuguesa, “só pensam no seu próprio umbigo”, fazendo com que a ganância e o egoísmo ceguem os seus dirigentes e estes percam a capacidade de raciocínio acerca deste tipo de assuntos, o que os leva a tomarem decisões que, de acordo com a definição de Carlo Maria Cipolla, são completamente estúpidas, dado que não só prejudicam toda a gente, desde clubes a adeptos, como também a eles próprios, dado que não usufruem das vantagens desta medida, simplesmente por terem medo da competitividade e quererem, ao invés de melhorar o seu clube, enfraquecer e destruir os seus concorrentes. Claramente me refiro à equipa de futebol que, por conivência da Liga de clubes, é a única equipa europeia que tem o privilégio de transmitir os seus jogos em casa no seu próprio canal, obrigando os seus adeptos a pagar mais dez euros por mês se quiserem ver todos os jogos do seu clube, e deturpando, por vezes, alguns acontecimentos dos jogos transmitidos. Segundo estes, todas as vantagens acima referidas são uma fantasia e nada mais do que uma afronta aos interesses desse clube. Certamente, não estão a par do que aconteceu na Inglaterra há 32 anos, nem nos Países Baixos em 2018.
Com a transformação da primeira divisão inglesa na mundialmente conhecida Premier League, os direitos televisivos foram centralizados e, com isso, a liga inglesa passou a ser a mais vista em todo o mundo, fazendo com que, hoje em dia, a EPL, outrora inferior à liga espanhola e à liga italiana, se tornasse na melhor, na mais competitiva, na mais rica e na mais vista liga do mundo. Mas, como a realidade inglesa é muito diferente da nossa, peguemos no caso neerlandês, que, a par da nossa liga, é o melhor campeonato do mundo, se excluirmos os cinco principais campeonatos.
Antes da centralização dos direitos televisivos, em 2018, o campeonato neerlandês ocupava o décimo quarto lugar no ranking de ligas da UEFA, fazendo com que nem o campeão neerlandês conseguisse a qualificação direta para a Liga dos Campeões. A melhor equipa neerlandesa nas provas europeias nessa época, o Feyenoord, tinha conseguido apenas três pontos na fase de grupos, tendo sido eliminado no último lugar do seu grupo. Já com a centralização dos direitos televisivos, logo no ano seguinte, o Ajax alcançou as meias-finais da maior competição do mundo e os resultados das equipas neerlandesas na Europa melhoraram significativamente, fazendo com que o número de vagas nas competições europeias aumentasse e, com isso, conseguissem mais receitas provenientes das participações nas mesmas.
Os clubes mais pequenos conseguiram melhorar as suas infraestruturas e, se considerarmos o caso do AZ Alkmaar, que pode ser comparado ao Braga (no cenário dos Países Baixos), é de notar que conseguiu, na temporada passada, alcançar as meias-finais da Conference League, competição essa onde só este ano conseguimos ter um representante português na fase Liga, depois dos nossos sextos lugares terem sido eliminados, em anos anteriores, pelos vice-campeões eslovenos e sérvios. A título de exemplo, o mesmo AZ Alkmaar, que acabou em quinto lugar no campeonato de 2021/2022, na época seguinte, goleou o nosso quinto lugar, o Gil Vicente, vencendo os dois jogos e, num deles, goleando os gilistas por 4-0. Além disso, os nossos recentes confrontos contra os neerlandeses têm sido a prova de que, hoje em dia, depois da centralização dos direitos televisivos desta liga, as equipas da “terra das tulipas” estão mais fortes e mais competitivas do que as nossas, como demonstrado pela recente vitória do Feyenoord frente ao Benfica, que é, curiosamente, o clube que não vê nada de positivo nesta medida. Passadas sete épocas, o campeonato que estava sete posições atrás do nosso, ultrapassou-nos, tirando-nos um lugar nas competições europeias e, por esse motivo, agora dispõe de condições financeiras muito superiores.
Felizmente, a Liga de clubes decidiu que a centralização dos direitos televisivos do campeonato é uma excelente medida, estando já previsto o seu início para o ano de 2029. Apesar desta decisão pecar por ser tardia, acredito que, como mais vale tarde do que nunca, os próximos anos do futebol português, não obstante as inúmeras fragilidades, poderão ter um futuro mais risonho - algo que eu, como um fervoroso adepto do nosso futebol, espero que aconteça, em prol da “vitória” do futebol português.
Hugo Novo
Departamento Desporto
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