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Foto do escritorJoana Martins da Silva

CNN Portugal: mais do mesmo?

“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Tudo o resto é publicidade.”

George Orwell


A CNN Portugal, que veio ocupar o espaço da TVI24, arrancou oficialmente a 22 de novembro de 2021, estreando-se seis meses após o anúncio da sua criação. Tal como a antecessora, pertence ao Grupo Media Capital operando através de licenciamento de marca com o canal norte-americano CNN. O diretor do canal, Nuno Santos, afirma que a ambição é “desenvolver uma nova forma de fazer jornalismo, mais presente na vida dos cidadãos”; afirmando ainda que "a CNN Portugal, sendo o único canal nacional que vai estar em direto 24 horas, surge como uma vontade coletiva de tornarmos a nossa democracia melhor, mais robusta, mais esclarecida”.

Para inaugurar esta nova etapa, a estação televisa decidiu adotar uma campanha de marketing agressiva, promovendo as suas recentes “contratações” mediáticas nas redes sociais (veja-se a coincidência, são todos “comentadores”). Sendo ainda precoce “julgar” o tipo de jornalismo que vai ser produzido, podemos, é certo, extrapolar qual será a política editorial do canal, nomeadamente através da análise da escolha das vozes para os painéis de opinião. Os primeiros sinais são desmotivadores.



À primeira vista, parece que o canal dá mais importância aos “ilustres” comentadores, do que aos jornalistas que vão integrar a redação, o que por si só reflete uma tendência importante no jornalismo atual. Dá-se pouca atenção à informação, substituindo-a pela opinião de uma dúzia de personalidades pertencentes à bolha elitista urbano-lisboeta, pouco ou nada representativa da sociedade portuguesa. Entre as cerca de 4000 candidaturas que recebeu, a CNN apenas encontrou espaço para os mesmos do costume: deputados, políticos, advogados, conselheiros de Estado e administradores não executivos de grandes multinacionais. Maioritariamente homens (brancos, diga-se) na meia idade. Talvez a CNN se tenha esquecido de que os jovens têm algo a dizer ( além do mais, o que se há de esperar de um canal que afirma que Sebastião Bugalho é “das mais proeminentes vozes da sua geração”? Talvez se contactasse com mais jovens teria uma perceção diferente. Fica a dica).

Prefere-se estimular a mediocridade; amiguismos; compadrios; contactos. Caras que não trazem nada de novo ao discurso público. A política-espetáculo assim o exige, isto é, é preciso que os líderes políticos ou ativistas partidários dominem os instrumentos de comunicação social, com mais ou menos discrição. Os opinion makers (“fazedores de opinião”) moldam, condicionam e constroem a realidade social que melhor se adapta a uma determinada narrativa económica e política. Que espaço sobra para o cidadão comum?


Os tudólogos (pagos pelas audiências) falam de tudo, sobretudo do que não sabem. Será que é porque não têm um código deontológico a seguir? Quem não se lembra há uns tempos de um comentador televisivo da RTP criticar os oficiais de justiça porque estes “não transitaram” uma sentença, ou melhor, por demorarem semanas e mesmo meses a fazê-lo? A piada faz-se sozinha:


«O que conta é que há uma sentença, aliás são três a condená-lo, as sentenças têm que transitar em julgado; aquilo que nós devíamos estar aqui a discutir é como é que um funcionário de um tribunal, leva 3 semanas ou 3 meses a transitar em julgado uma sentença? (...) Como é que os Funcionários de um tribunal estão todos em teletrabalho e não transitam em julgado uma sentença? Que devia ser de aplicação quase imediata, quase imediata...?»


Transcrição da intervenção de Rodrigo Moita de Deus no programa da RTP “O Último Apaga a Luz” de 1 de outubro de 2021


Cidadãos informados ajudam a promover uma melhor e mais completa democracia. Contudo, para que estes estejam bem informados é necessária a existência de uma boa imprensa que os informe. Cresce, por isso, cada vez mais uma tensão entre a figura do jornalista e da empresa jornalística- esta última utiliza a notícia como produto para vender. Há, assim, uma crescente mediatização da produção e comunicação jornalística que é indissociável da mercantilização e comercialização dos media e a luta pelas audiências.


É certo que a opinião é essencial para trazer ao espaço público o debate, a discussão mais polémica e argumentativa das notícias e factos que afetam, em maior ou menor grau, os cidadãos. Mas também é certo que a imprensa portuguesa se tornou numa gigantesca fábrica de opiniões, tendenciosa, reproduzindo os mesmos clichés, áreas de interesse e orientações políticas.


A festa de lançamento do canal no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa arrancou com mais de 400 convidados- a maioria sem máscara, num espaço fechado, ora não fossem as regras iguais para todos. Obviamente que o nosso Excelentíssimo Senhor Presidente da República não faltou à cerimónia, devidamente acompanhado pelo Senhor Primeiro-Ministro António Costa. E não esquecer a estrela sensação do momento, Vice-Almirante Gouveia e Melo, que também por lá passou no meio de tantas outras figuras mediáticas, como: Paulo Portas, Carlos Moedas, Tony Carreira, Pedro Abrunhosa, Manuela Ferreira Leite, Joana Amaral Dias, Isabel Moreira, João Cotrim Figueiredo, André Ventura, Pedro Proença. Banqueiros, empresários, reguladores, advogados, embaixadores, deputados, políticos, jornalistas, músicos, cantores, atores, e até o Bispo Auxiliar de Lisboa marcaram presença nesta festa de arromba. Só faltou a Cristina Ferreira.


Aparentemente a CNN “encontrou” o Rendeiro e ainda teve tempo de perguntar a Marcelo Rebelo de Sousa se lhe conferia um indulto (claramente as perguntas que interessam), ao que o mesmo respondeu que "nesta altura, em novembro, já é tarde" para o ex-banqueiro solicitar indulto presidencial. Talvez o senhor constitucionalista (na pele de comentador) se tenha esquecido que para conceder um indulto é necessário que tenha havido o cumprimento de uma condenação imposta ao sentenciado. Pequenos pormenores.


Lá no fundo ninguém esperava nada de inovador, o que é verdadeiramente deprimente. A CNN Portugal (ou TVI24 2.0) vai reproduzir a mesma lógica de mercado dos seus concorrentes. Vão apostar nas mesmas narrativas mediáticas sensacionalistas, desprezando vozes diferentes, independentes e dissidentes (porque fica mais barato). Resta-nos assistir!


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