Os estudantes internacionais, longe de casa, têm de fazer face a uma pandemia, enquanto lidam com a ausência de apoios sociais, elevados custos de habitação, valores de propinas exorbitantes e, ainda, racismo e xenofobia.
A internacionalização da Academia portuguesa é um facto inegável: são cada vez mais as vagas internacionais nas instituições de Ensino Superior portuguesas. No entanto, ao mesmo tempo que algumas portas se abrem, outras parecem fechar-se. Ultimamente, inúmeros têm sido os obstáculos de vária ordem colocados aos estudantes estrangeiros.
Conforme foi apurado pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), os estudantes internacionais representam cerca de 15% da totalidade dos estudantes inscritos no ensino superior em Portugal.
No nosso “mundo universitário”, ou seja, na FDUP, também se verifica uma grande presença estrangeira, sendo que, no ano letivo de 2020/2021, a percentagem de alunos internacionais inscritos no 1º ciclo de estudos é de cerca de 9%, ao passo que, no 2º ciclo de estudos, ultrapassa os 25%.
De facto, estas percentagens são bastante significativas e revelam-nos que cada vez mais são os estudantes que deixam o seu país de origem na prospetiva de prosseguirem os seus estudos em Portugal.
A abertura de vagas internacionais são um imperativo para as Universidades portuguesas, disfarçando o desejo de lucro por detrás da pretensão de internacionalização do ensino.
As propinas dos estudantes internacionais são uma importante fonte de financiamento das Universidades portuguesas: de acordo com uma estudo realizado pelo PÚBLICO, os estudantes estrangeiros geram cerca de 20 milhões de euros de receitas anuais para as instituições de ensino superior, visto que as suas propinas chegam a ser cinco vezes superiores às dos estudantes portugueses.
A verdade é que os estudantes internacionais têm sido encarados pelas Universidades portuguesas numa perspetiva puramente negocial, com total desconsideração do Estado português para com as condições básicas de vida destes indivíduos, como a alimentação e habitação; condições estas que qualquer Estado social e democrático deve procurar assegurar.
Ao invés, registam-se variados testemunhos de estudantes internacionais cujos pedidos de apoio têm sido rejeitados por parte das suas instituições. São escassos, ou quase inexistentes, os apoios concedidos aos estudantes que escolhem Portugal como país para estudar.
Desde logo, o Decreto-Lei n.º 129/93 de 22 de Abril - diploma que estabelece os princípios da política de ação social no ensino superior - exclui automaticamente do seu âmbito de aplicação pessoal a grande maioria dos estudantes internacionais. Isto significa que a maioria dos mecanismos de apoio social de que os estudantes portugueses são beneficiários não são atribuíveis aos estudantes internacionais, nomeadamente, as bolsas de estudo.
Não será esta uma violação ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da nossa Constituição? Não será que esta automática exclusão dos apoios de ação social cria uma óbvia situação de desigualdade de oportunidades entre estudantes internacionais e nacionais? Não estaremos a privar os estudantes internacionais do seu direito à educação, constitucionalmente consagrado, na medida em que, face às circunstâncias, muitos deles se veem forçados a abandonar os estudos?
Para piorar este cenário, a crise pandémica, transversal a toda a sociedade, também veio a repercutir-se nas vidas destes estudantes, não só a nível social, como também a nível económico.
Na sequência disso, a Universidade do Porto, em junho, veio anunciar o aumento das propinas dos estudantes internacionais. Simultaneamente, houve uma redução dos descontos para os alunos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Note-se que os estudantes oriundos da CPLP a que nos referimos são, na sua grande maioria, estudantes brasileiros. No Brasil, assiste-se, atualmente, a uma desvalorização do real. Isto leva a uma desvalorização cambial que tem tido enormes consequências, retirando capacidade económica à classe média.
Perante isto, muitos estudantes têm visto as suas expectativas futuras completamente abaladas, sendo deixados na incerteza de virem a ter condições para dar continuidade aos seus estudos. Múltiplos têm sido os relatos de estudantes internacionais a enfrentar dificuldades financeiras ou até mesmo forçados a regressar aos seus países de origem sem atingirem os seus objetivos.
Numa tentativa de fazerem valer a sua voz, surgem vários movimentos nas redes sociais, como o Núcleo de Estudantes Internacionais da Universidade do Porto (@nei.uporto), que criou o movimento #UPnãoaumenta, com vista a denunciar e consciencializar a população acerca das dificuldades que estão a ser vivenciadas por estes estudantes.
É urgente que as Universidades ajam, de modo a diminuir o impacto que esta crise está a ter nos estudantes internacionais. As Universidades têm autonomia para diminuir o valor das propinas e dos alojamentos. Poder-se-á, ainda, instaurar mecanismos eficazes que permitam a regularização das propinas em atraso ou, ainda, alargar os prazos para o pagamento das propinas.
Enquanto estudantes (internacionais ou nacionais), cabe-nos lutar por um Ensino Superior democratizado, onde as preocupações dos estudantes sejam ouvidas e os seus direitos assegurados. Aos estudantes nacionais, ouçamos as preocupações dos nossos colegas e façamos com que se sintam acolhidos no país que elegeram para construir o seu futuro.
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