Num evento dinamizado pela Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Marisa Matias, eurodeputada pelo Bloco de Esquerda e candidata às eleições presidenciais de 2021, passou uma hora à conversa com os estudantes da FDUP.
Marisa Matias nasceu em Coimbra no dia 20 de fevereiro de 1976 e foi essa a cidade que escolheu para estudar Sociologia. Em 2009, foi eleita deputada do Parlamento Europeu pelo Bloco de Esquerda e, até hoje, tem feito de Bruxelas o seu local de trabalho. Nas últimas eleições presidenciais, em 2016, sob o lema “uma por todos”, conquistou 10% do eleitorado e o 3º lugar - melhor resultado de sempre para o Bloco de Esquerda. Em 2020, apresenta-se novamente à corrida a Belém, na expectativa de se vir a tornar a primeira mulher Presidente da República.
Como não podia deixar de ser, a ordem do dia deste encontro recaiu sobre as eleições presidenciais a acontecer em janeiro de 2021.
Candidata pela segunda vez, o que muda?
À semelhança do que se verificava em 2016, ano da sua primeira candidatura a Belém, Portugal enfrenta uma crise (económica, social, ambiental e de saúde pública). Só que, comparativamente a 2016, Marisa Matias crê que a realidade portuguesa se complexificou, pelo que o cargo a que se candidata em 2021 representa uma responsabilidade redobrada.
Para lidar com esta crise, a eurodeputada considera que é necessário que o país mude estruturalmente, sobretudo em três áreas: ao nível da saúde (defensora intransigente do Serviço Nacional de Saúde para todos); ao nível da precariedade e do trabalho e ao nível da forma de viver, que se desdobra na questão da igualdade (de género, LGBTI+, racismo) e na questão do clima.
Num exercício de citação de Sérgio Godinho, a eurodeputada resume as questões a colocar na agenda política: “Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação”. Acrescenta, também, que não há país sem cultura, nem liberdade sem segurança.
Diferenças vincadas em relação ao atual Presidente da República
Quando questionada relativamente ao mandato do atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, Marisa Matias realça algumas diferenças em relação ao mesmo.
A este propósito, destaca as diferentes conceções em termos de direitos, liberdades e garantias, assumindo-se, sem qualquer reserva, a favor da eutanásia, procriação medicamente assistida e adoção por casais do mesmo sexo.
Discorda, também, da forma como o Presidente da República encara o sistema financeiro, principalmente em relação à solução encontrada para o Novo Banco, que, a seu ver, penalizou o país.
Ascensão de movimentos de extrema-direita
O mote da candidatura é já bem conhecido: Marisa Matias é a “candidata contra o medo”.
Face ao ressurgir de ideais de extrema-direita a que se tem assistido, apresenta-se intolerante relativamente a propostas antidemocráticas. Enfrentamos uma época em que se agiganta um ambiente de medo por puro oportunismo eleitoralista, que, na verdade, não traz uma solução para os problemas da comunidade. Marisa Matias defende um “cordão sanitário” em relação a este tipo de partidos. “Em relação a posições de extrema-direita, não há benesses”, constata, veementemente.
A candidata a Belém apresenta “políticas para o século XXI”, assentes na solidariedade e na igualdade, não deixando espaço para narrativas misóginas e xenófobas.
Dar voz a quem não a tem
Se vier a ser eleita, Marisa Matias procura reinstituir a política de proximidade das presidências abertas de Mário Soares.
A razão é simples: se o Presidente da República usa a sua influência como poder, é através desse poder que poderá dar voz a quem não a tem, fazendo com que essas vozes tenham influência nas decisões.
Eleições em tempo de pandemia
O tema que não poderia faltar nesta conversa era a Covid-19. A verdade é que as eleições presidenciais, em janeiro de 2021, realizar-se-ão no contexto de uma crise sanitária.
No entanto, a candidata bloquista não teme que este contexto possa contribuir para a abstenção. Menciona, a este propósito, a experiência das eleições legislativas regionais nos Açores, que foi uma das mais participadas em anos; bem como a experiência dos EUA.
Pelo contrário, acredita que o confinamento atual pode servir de pretexto para que as pessoas prestem mais atenção ao debate político.
Relativamente à mais recente Lei Orgânica nº3/2020, de 11 de novembro, que estabelece que os eleitores que sejam diagnosticados com Covid-19 nos dez dias anteriores às eleições presidenciais não poderão votar, Marisa Matias crê que, em democracia, não há condições para serem dispensados votos. Urge, por isso, às instituições encontrarem um mecanismo que permita a estas pessoas exercerem o seu direito de voto. Se as circunstâncias que estamos a viver são anormais, devemos ter respostas anormais que permitam responder a estes novos problemas.
Sublinha, ainda, que é fundamental garantir que todas as normas sanitárias sejam cumpridas.
Ser mulher
Ser mulher pode ser um obstáculo na corrida às presidenciais? Infelizmente, para a eurodeputada, ser mulher não é somente um obstáculo político, mas sim um obstáculo transversal a todas as atividades. Lamenta que, em Portugal, ainda haja um longo caminho a percorrer para que homens e mulheres sejam tratados de igual modo.
Os direitos dos jovens
No que respeita aos direitos dos jovens, declara: “Nós estamos a comprometer o futuro de qualquer país se não protegermos quem pode garantir esse futuro”.
Desde logo, a obrigação do Presidente da República é a de respeitar a Constituição, que é bastante clara no que preconiza para o trabalho, nomeadamente, em relação ao emprego jovem.
Por outro lado, defende que o Presidente da República, num contexto de abertura, deve receber as propostas dos jovens. Considera que a agenda dos jovens está à frente da das instituições, rasgando dimensões políticas fundamentais na defesa da Democracia, nomeadamente, as agendas da igualdade e do combate às alterações climáticas.
Distribuição dos fundos da União Europeia
Marisa Matias denota um problema na forma como a distribuição dos fundos da União Europeia é utilizada para dividir o poder da pior maneira, através da centralização de fundos. Nessa linha, considera que é necessário mais transparência, justiça e uma resposta mais direta às necessidades do país na distribuição desses fundos.
Findo o relato desta elucidante conversa, resta salientar a importância de um voto informado e consciente para uma maior concretização da Democracia. É de louvar a iniciativa da AEFDUP, que permite dar a conhecer a cada um de nós as propostas dos diferentes candidatos.
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