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Foto do escritorBeatriz Loureiro

Xenofobia na Academia: Mudam-se os tempos, mas o que é feito da mudança das vontades?


TRIGGER WARNING: menções de racismo, machismo e xenofobia. Citação de discurso que incita o ódio e a violência.


Discriminação. Xenofobia. Machismo. Estes são vocábulos que, ainda hoje, persistem em atormentar uma sociedade aparentemente evoluída e saudável – isso mesmo, apenas aparentemente. De facto, a discriminação, a xenofobia e o machismo não se destacam enquanto fenómenos recentes no seio da coletividade. A verdade é que contamos com eles desde sempre e, neste âmbito, releva sublinhar que estas vis práticas contribuem para o permanente estado débil e combalido do corpo social: quase como uma «doença crónica» que não permite o florescer pleno da semente das boas práticas.

Com efeito, estando estas condutas repugnantes perfeitamente enraizadas no seio da sociedade, o «Mundo Universitário» não constitui uma exceção. Almejava-se, perante o despontar de uma esfera plenamente globalizada, na qual o acesso à informação está à distância de um mero clique, que estes padrões inconsequentes se esbatessem – o que, lamentável e incompreensivelmente, não sucedeu. Destaque-se a ocorrência de assíduos atos xenófobos e racistas protagonizados por alunos e membros do corpo docente de Faculdades da Universidade do Porto, nomeadamente, por parte da Faculdade de Engenharia. Futuros profissionais engenheiros, movidos pela perversão e crueldade, criam a página de Instagram «@ confissões.feup», na qual marcam presença frases desmedidamente injuriosas: «Eu virei gay depois de estar com uma brasileira.»; «Antes, as brasileiras da FEUP eram um regalo para os olhos. Agora são uma cambada de feministas que querem pénis português e não admitem…»; «Há mulheres que valem 0,30€ na FEUP.» Parece que as elevadas médias de acesso ao Ensino Superior dos jovens que, com manifesta ambição, pretendem ser úteis para a sociedade, não têm correspondência no plano prático. A verdade é que estes, aparentemente astutos e perspicazes, ultrajam deliberadamente a sociedade quando, para divertimento próprio, optam por ofender, via online e gratuitamente, as estudantes brasileiras. Sublinhem-se, ademais, ataques diretos por parte de professores e colegas, em contexto de aula.


Integram a panóplia de direitos fundamentais, mais especificamente, de direitos, liberdades e garantias, o direito ao bom nome e à reputação – convém referir que, à luz do artigo 26º/1 da Constituição da República Portuguesa, estes são reconhecidos a todos. É ainda relevante mencionar a pretensão constitucional de um direito global ao ensino «[…] com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar», como plasmado no artigo 74º/1 da lei fundamental, em especial no que ao Ensino Superior concerne. Lamentavelmente, estes preceitos constitucionais são desvirtuados aquando da criação de páginas bárbaras, de conteúdo verdadeiramente intolerável.


De facto, como mecanismos de proteção dos estudantes lesados, destacam-se as denúncias formais e as queixas. Todavia, deve referir-se que estes instrumentos funcionam apenas como meros apontamentos teóricos e, portanto, sem qualquer concretização prática: a não investigação dos casos, o não apuramento de culpa e a não abertura de processos disciplinares contra alunos e professores são uma constante. Não conhecendo estas delações efetivas consequências, instituiu-se um sentimento generalizado de que «não valeria a pena denunciar» – continuando a ter lugar práticas inaceitáveis e altamente discriminatórias. É urgente a efetivação dos mecanismos de defesa para garantir que as estudantes se sentem seguras naquele que é um espaço de aprendizagem e aquisição de conhecimento de todos e não apenas de alguns.


Destaque-se o papel de extrema relevância assumido pela “Quarentena Académica”, que opera enquanto elo de ligação entre os estudantes e as entidades superiores. Alguns alunos, perante a incerteza despoletada pelo confinamento em virtude da situação pandémica, juntaram-se e criaram este movimento. Com efeito, este portal online recolhe queixas por parte de estudantes do Ensino Superior, reencaminhando-as às Reitorias e ao Governo, para que as solucionem com a maior brevidade possível. Nesta senda, o coletivo “Quarentena Académica” procedeu à denúncia, nas redes sociais, dos múltiplos ataques discriminatórios que vigoravam no seio das faculdades. Juntamente com a ação da Universidade do Porto, os perfis foram denunciados e, posteriormente, suspensos. Para além disso, avançou-se com queixas perante a Comissão Para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR). Releva mencionar a intervenção da “Brigada Estudantil”, enquanto grupo de coletivos de estudantes que procura manter viva a luta estudantil promotora da igualdade nas suas múltiplas vertentes. Refira-se o debate “Machismo na Academia” por si organizado, como consequência do polémico caso de um professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – Francisco Aguilar –, que compara o feminismo ao nazismo, impondo, nos programas das unidades curriculares que lecionava, ataques constantes a práticas feministas. Neste debate, procurou desmistificar-se quais as ligações que poderiam existir entre a luta feminista e a luta por um Ensino Superior democrático, chegando-se, então, à conclusão de que estamos perante a mesma batalha: um ensino inclusivo e igualitário não pode, em momento algum, compactuar com práticas discriminatórias para com estudantes.


Destaca-se a intervenção do Dr. António Manuel de Sousa Pereira – reitor da Universidade do Porto – que repudia, no seio da comunidade académica «quaisquer atitudes de xenofobia, racismo, machismo, discriminação ou atos difamatórios que atentem contra o bom nome e dignidade individual de cada um». Há que honrar o carácter superior da Universidade do Porto, não só no âmbito académico e científico, mas também nas esferas ética e moral.


Sublinhe-se que as instituições de ensino, espaços de suposta aprendizagem, inclusão e partilha, deixam-se contaminar, muito frequentemente, por aquele que é o vírus do sistema discriminatório, machista e xenófobo em que vivemos. Deve promover-se, como «antídoto», um ambiente de respeito mútuo e de sã convivência entre todos, para dissipar estigmas há muito implantados no corpo social.


A mudança de tempos é inequívoca, mas e a mudança de vontades a que Luís Vaz de Camões faz referência? Para essa acontecer, é vital que se atue no sentido da efetivação de um ensino igualitário, no qual o respeito seria a palavra de ordem.




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