Considerações sobre a Inteligência Artificial
- David Savignon
- 14 de mar. de 2023
- 4 min de leitura
Quase de certeza já ouviu falar ou da Character.AI ou da OpenAI. Certamente o ChatGPT ou o DALL-E são nomes com que já se deparou, já leu ou pelo menos ouviu dizer em algum lugar.
Muito repentinamente, a Inteligência Artificial chamou para si as atenções do mundo inteiro, levantando algumas perguntas e problemas. Neste sentido, importa fazer alguns pontos.
Desde já, é importante dizer que falamos em “inteligência artificial”, e não em “consciência artificial”. Não temos dúvidas que há, de facto, uma inteligência, mas não há uma verdadeira consciência. Já pelo contrário, os próprios animais têm consciência: sentem e sofrem, assim como nós, seres humanos. A diferença, contudo, é que nós temos consciência da nossa consciência. Conseguimos fazer planos para o futuro e conseguimos lidar com as nossas emoções.
Assim explica-se o paradoxo de Moravec, que diz que, por um lado, os seres humanos têm uma facilidade maior em realizar funções sensoriais (caminhar e falar, por exemplo), mas, por outro lado, têm dificuldade em resolver problemas que exijam um nível elevado de concentração, raciocínio e atenção. Ora, para os computadores e máquinas passa-se exatamente o oposto.
Por essas razões, dividem-se opiniões no que toca àquele já antigo medo da humanidade de ser substituída por robôs. Afinal, será que a inteligência artificial poderá nos substituir aquando da execução de uma atividade? Estarão os postos de trabalho ameaçados no futuro por causa da inteligência artificial?
O que se notou foi a sucessiva aprendizagem das máquinas em desempenhar tarefas cada vez mais complexas, e está em completo erro quem crê que a inteligência artificial é uma invenção recente. Por exemplo, relembramos o caso da Tay AI, a inteligência artificial da Microsoft que atuou no Twitter já pelo ano de 2016.
A Tay foi programada para aprender com a interação com os usuários, contudo, os usuários da rede social acharam curioso e até mesmo engraçado os comentários preconceituosos vindo de uma máquina, reagindo a estes tweets com “gostos” e retweets. A Tay entendeu que as publicações que fazia com este teor estavam certas e eram do agrado das pessoas, porque eram as que mais suscitavam reações na rede social, aprendendo, portando, com isso e a replicar cada vez mais estes comentários. Rapidamente, a Tay tornou-se numa máquina de racismo, que propagava ódio e que chegou, inclusive, a adorar Hitler.
Mas podemos ir muito mais para trás, na década de 60, nos primórdios da inteligência artificial. Nesta época, foi criada a Eliza, uma espécie de chatbot, que simulava a função de psicólogo. A título de curiosidade, há um chatbot, desenvolvido pela Character.AI que também simula uma psicóloga, que pode ser acedida diretamente pelo seguinte endereço: https://beta.character.ai/chat?char=Hpk0GozjACb3mtHeAaAMb0r9pcJGbzF317I_Ux_ALOA.
O que nos importa discutir aqui são as implicações jurídicas que são levantadas pela inteligência artificial. Recentemente, correu vídeos nas redes sociais da inteligência artificial reproduzindo as letras das músicas de artistas com a voz de um outro artista, simulando, muito realisticamente, como as músicas de um cantor seriam se fossem cantadas por outro. Que tipos de problemas isto levanta em relação aos direitos de personalidade? Em relação aos direitos da propriedade intelectual? Há quem diga, nestes parâmetros, que a inteligência artificial que consegue gerar imagens a partir de texto, a DALL-E, por exemplo, rouba e se apropria do trabalho de artistas.
Colocam-se também questões em relação à proteção de dados pessoais e questões até mesmo no plano ético, ou seja, aquilo que pode e o que não se pode fazer com a inteligência artificial. Até mesmo as delimitações da responsabilidade dos atos das máquinas são difíceis de serem traçadas. Por tempos, discutiu-se a possibilidade de se criar um estatuto para a figura da pessoa eletrónica, a nível europeu, que viria a dar resposta para algumas destas questões jurídicas que se levantam.
A abordagem de limitar o uso da inteligência artificial também separa muitas pessoas. Apesar dos riscos e perigos, são inegáveis as vantagens que ela traz para nós e para a evolução tecnológica. Além disso, ao restringir o seu acesso (ou até mesmo vedá-lo e proibi-lo completamente) pode impedir de se chegar a importantes descobertas.
Ao mesmo tempo, não se pode ignorar todas as problemáticas que se têm levantado. Uma inteligência artificial que cresce, exponencialmente, nos dias de hoje e que já é capaz de tratar de dados e informações de pessoas, assim como também já é capaz de despertar sentimentos e emoções nos seres humanos, seja através de uma música, de um poema ou de uma imagem que gerou a partir de um pedido de um utilizador e a partir de um banco de dados quase infinito da web, certamente merece ser cuidadosamente regulada, tendo por atenção os direitos ameaçados.
Por ser uma realidade muito recente, é difícil estabelecer os contornos das normas que então tutelava a inteligência artificial, e também não é propriamente fácil pensar de que modo e em que medida essas normas atuariam. Neste sentido, o departamento Fazer Pensar convida o leitor a parar, pensar e refletir criticamente: como (e se) deveria o poder legislativo nacional e/ou europeu intervir na evolução da inteligência das máquinas?
David Savignon
Departamento Fazer Pensar
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