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Foto do escritorBenedita do Amaral

Conta-me como foi… antes e depois da democracia

Uma das memórias mais nítidas da minha infância é a de assistir às primeiras temporadas da série televisiva “Conta-me como foi”, depois do jantar de domingo. Talvez não possa identificar o motivo do meu fascínio por aquela produção da Rádio e Televisão de Portugal (RTP) àquela data, mas posso apontar, com certeza, a razão pela qual continua a ser uma das minhas séries de eleição: o rigor histórico e a capacidade de relembrar o público da importância da democracia.


A emissão do “Conta-me como foi” nas televisões portuguesas prolongou-se por dezasseis anos, entre 2007 e 2023, em oito temporadas que retratam a realidade portuguesa durante o regime Salazarista (entre 1968 e 1974) e após a Revolução de Abril (entre 1984 e 1987). O enredo inicial da série acompanha a vida quotidiana de uma família tradicional portuguesa, os Lopes. O pai, António, é funcionário público no Ministério das Finanças e trabalhador numa tipografia, e a mãe, Margarida (ou Guida) é dona de casa e costureira e conta com a ajuda da avó Hermínia, sua mãe. O António (ou Toni) é o filho mais velho, estudante de Direito, e, todos temem que ele venha a ser chamado para a Guerra Colonial. Isabel é a irreverente filha do meio, que trabalha num cabeleireiro do bairro lisboeta onde a família vive, e Carlos (ou Carlitos) é o filho caçula, que ainda frequenta o ensino primário. 


Imagem 1: Família Lopes Anos 60


Muito embora a ficção tenha sido adaptada da série espanhola “Cuéntame…como pasó”, a originalidade e o rigor das reproduções históricas ganham um lugar de destaque que, na minha opinião, elevam a série a uma das melhores produções portuguesas. Pela voz de Carlitos, que nos narra a história da sua família, ficamos a conhecer os costumes, o modo de pensar, as dificuldades e anseios dos portugueses. Desde o papel central da religião Católica que começava na infância, às desigualdades de género, passando ainda pelos principais episódios da História Contemporânea portuguesa, como a “Primavera Marcellista”, o Conta-me como foi” é excecional no retrato de toda uma sociedade mergulhada num regime fascista e conservador. 


O relato de Carlitos sobre a vida da sua família durante o Estado-Novo terminaria precisamente no dia 25 de abril de 1974, levando a acreditar que a história da família Lopes esgotar-se-ia nesse momento histórico. Contudo, decorridos dez anos desde a emissão do último episódio das primeiras temporadas, o “Conta-me como foi” regressaria no ano de 2020 para retratar a sociedade portuguesa dos anos 80 do século XX, e, claro, a vida “dos Lopes” após o triunfo da democracia. O narrador manteve-se, assim como parte do elenco principal, acrescido de novas personagens, tais como Susana, a filha adotiva do casal Lopes; Simão e Vítor, filhos de Toni e Isabel respetivamente; e Zé, primo de António, que regressou de França após a revolução. 


Imagem 2: Família Lopes Anos 80


À semelhança da maioria das famílias portuguesas, “os Lopes” evoluíram. Já não vivem atormentados pelas dificuldades financeiras e medos característicos da década de 60, e, acima de tudo, cada personagem alcançou o que mais almejava. Margarida pôde abrir a sua boutique de pronto a vestir, Isabel seguiu a carreira de atriz e António abriu um parque de campismo. Todos estes sonhos foram conquistados porque a democracia triunfou. 


O “Conta-me como foi” distingue-se das demais séries de ficção portuguesas pela sua capacidade de captar a atenção de um público diversificado, que se reúne em torno da televisão para conhecer ou reviver a realidade portuguesa, ora da década de 60, ora da década de 80. A família Lopes representa milhares de famílias portuguesas, e talvez seja esse o aspeto que permite tornar todo o enredo familiar. Assistir a esta produção é uma das formas mais educativas e lúdicas de recordar os valores democráticos, e, por isso, recomendo a todos que o façam. Todas as temporadas estão disponíveis na RTP play e à distância de um click…porque não dar uma vista de olhos?


Benedita do Amaral

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