Como sabemos, o dealbar da democracia em Portugal acarretou consigo uma série de mudanças paradigmáticas, entre elas, sucessivas reformas do sistema educativo. Enquanto estudantes universitários, cumpre-nos refletir sobre o direito ao ensino, relembrando, acima de tudo, que este representa uma conquista de Abril.
Até 1974, o acesso ao ensino superior era reservado, sobretudo, às elites privilegiadas da sociedade. Os censos da época revelam que a população iletrada era superior à população escolarizada. As taxas de analfabetismo eram altíssimas, sobretudo na população feminina, sendo que, hoje, os valores são quase residuais. As projeções indicavam que, à data, Portugal era o pior entre os 23 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
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O 25 de abril acarretou, desde logo, a consagração de uma miríade de direitos no texto constitucional. Entre eles, destaca-se, no artigo 74º, a referência ao ensino. Por um lado, consagrando-o enquanto direito de todos os cidadãos e expressão de um desejo de elevação pessoal; por outro lado, realçando uma incumbência positiva do Estado, no sentido de este proporcionar as condições necessárias à máxima realização deste direito, sempre numa lógica de igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. Destaque-se, ainda, as sucessivas medidas no sentido do estabelecimento da escolaridade obrigatória.
Hoje em dia, existe já uma convicção generalizada entre os portugueses acerca dos benefícios da educação, não só a nível individual, como também para a sociedade globalmente considerada.
Estas mudanças acabaram por se repercutir, obviamente, no contexto universitário: houve lugar a uma expansão, diversificação e descentralização da rede de ensino superior. Hoje em dia, todos os distritos têm, pelo menos, uma instituição de ensino superior, dispensando que estudantes tenham de se deslocar até Lisboa, Porto ou Coimbra para prosseguirem os estudos. Assim, os jovens oriundos de estratos sociais menos favorecidos passaram a poder usufruir do seu direito à educação.
Em 1974, menos de 4% da população portuguesa entre os 25 e 34 anos tinha frequentado uma universidade. Em 2020, segundo essas mesmas estimativas, cerca de 42% da população em Portugal tinha concluído algum nível de ensino superior.
Incumbe-nos questionar se, atualmente, a frequência do ensino superior se transformou num direito, transversal e igualmente acessível a todos os cidadãos ou se, pelo contrário, se mantém, à semelhança de outrora, um universo elitista? Será que os fatores associados à origem social permanecem, hoje em dia, um elemento determinante na possibilidade de prosseguir os estudos?
Existem, ainda, fortes assimetrias associadas a fatores como a origem social, ao local em que se reside, à escola que se frequenta, etc. É claro que a universidade passou a ser frequentada por uma população mais heterogénea, oriunda dos mais diversos estratos sociais. No entanto, ainda se verifica que a frequência do ensino superior é tendencialmente elitista: os jovens oriundos dos estratos sociais de médio e elevado rendimento representavam, no ano letivo de 2015/2016, 83.4% do total de alunos matriculados neste nível de ensino.
Indubitavelmente, o nosso país tem a geração mais qualificada de sempre. No entanto, continua a ser crucial resolver alguns problemas estruturais, no sentido de cumprir integralmente o desiderato constitucional de universalização do ensino superior, proporcionando a todos os jovens quadros de oportunidades que lhes permitam desenvolver livremente a sua personalidade.
Josefa Maria Mané
Departamento Mundo Universitário
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