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Foto do escritorBruno Martins

Da Epopeia orçamental

Muito se têm debruçado pensadores, críticos, simples pessimistas do modo de vida que fomos desenhando, sobre a decadência da vida política nacional; certo é, no entanto, que pelo menos desde meados do século XIX surge na literatura portuguesa a referência carnavalesca ao delinear e execução da lei orçamental - recordem-se os tão célebres quanto mordazes romances queirosianos, ou a apimentada crítica de Bordalo Pinheiro.


Queiramos ou não (mas muito o desejando a classe política) o povo vai-se mantendo alienado amiúde uma panóplia de manobras de bastidores, jogadas mais ou menos nítidas, trunfos impercetíveis e taticismos (mesmo ouvindo ditar o fim do seu tempo) - creio não ter havido, em Roma, tão exímia concretização da máxima panem et circus


Posto este introito, entremos no “outono quente” que tem sido o quadro temporal envolvente da elaboração/apresentação da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2025; sabido é que, nos termos da Constituição da República Portuguesa, como da Lei de Enquadramento Orçamental, cabe ao governo (cabeça da administração pública) elaborar e apresentar a proposta que será, depois, votada pela Assembleia da República. Todavia, a vida política, em Portugal, encontra-se num processo de alteração por fricção, pelo menos desde a celebérrima “geringonça” de 2015, em que lógicas de governação (pelo governo, entenda-se) e escrutínio político parlamentar vêm sendo subvertidas ou, mais suavemente, reinventadas. Assim o é neste momento; agendada para dia 10 de outubro a apresentação da proposta orçamental, pelo governo, incêndios, intempéries, conflitos bélicos internacionais, cederam todo o furor mediático àquela conjuntura, fazendo dos portugueses, coisa que nunca o foram -  grandes cultores político-económicos. 


O governo, no seguimento do Debate do Estado da Nação, apresentou um rol de propostas que visam concretizar as mudanças que diz ter imprimido no país, logo nos primeiros 100 dias de gestão; procurando conjurar em harmonia as corporações profissionais - (d)estabilizador socioeconómico do país, e combater o sectarismo alegadamente levado a cabo pelas governações socialistas (recordem-se as grandes críticas atinentes ao privilégio de pensionistas), colhendo aceitação no anseio de inclusão dos jovens nos “éditos” dos decisores políticos. 


Ora, a oposição, numa luta sedenta pela pole position, disputada entre o Partido Socialista e o Chega, apressou-se em erguer hostes, com o intuito de fazer sucumbir a proposta do executivo; ora pelo pendor socialista ou neoliberal do badalado orçamento. 


Acompanhando os media nacionais, tem-se o Chega dividido entre negações liminares (e a ressurreição do “irrevogável” político), e laboriosas disposições de aval da lei orçamental. 

Já o PS, posto o tempo da comunicação epistolar com Luís Montenegro, entre reuniões consumadas e adiadas, apontou desde cedo o alvo ao designado IRS Jovem (nas palavras de Alexandra Leitão, na antena CNN Portugal, no programa “O princípio da incerteza” - 06/10/2024 - inconstitucional pelo prejuízo que induziria nos restantes escalões etários, em benefício da população até aos 35 anos, sem aparente distinção de poder económico) e à descida do IRC para a meta de 15 pontos percentuais em 3 anos.


Há já algum tempo que razões ideológicas pareciam ter sido excluídas da equação política usada como bitola pelos decisores em Portugal, porém, no tempo do sentimentalismo e extremar de posições, tem sido esta a razão do impasse entre um orçamento aprovado, um país gerido a duodécimos (hipótese reprovada pelos autarcas a breve trecho, na voz da ANMP) ou o recurso forçado a eleições antecipadas (que, a não se realizar agora, apenas seriam possíveis em 2026, por força de disposições constitucionais atinentes ao mandato do Presidente da República, salvaguardando longa vida a um governo vaticinado à queda, ab initio). Inusitada é, também, qualquer referência ao senhor Presidente da República; comentador algo mais comedido ultimamente, Marcelo Rebelo de Sousa, deixou também o conselho de concertação, entendimento, e sobretudo aprovação do OE pela AR (entenda-se pelo Partido Socialista), a bem do sistema político, da estabilidade, e do sossego comezinho dos portugueses. Acusado de pressão política foi, ainda, o mais alto magistrado da nação pelo agendamento de uma reunião do Conselho de Estado para o passado dia 1 do corrente mês para discussão, imagine-se, da temática orçamental.


Comentários televisivos acérrimos, páginas e tinta infindáveis decorridas (e por decorrer) sobre o assunto e acordos com os parceiros de concertação social acerca de grelhas salariais e de indexantes da função pública, o governo apresenta ao Partido Socialista uma proposta revista do OE 2025, reformulando a tributação sobre rendimento de pessoas singulares em conformação com a medida ínsita no programa do PS, e mantendo, ainda que com pretensões mais comedidas - um ponto percentual em 2025, com meta futura de 17% - a redução de IRC às empresas; proposta esta que, nas palavras de Pedro Nuno Santos, é “praticamente irrecusável”, mas que foi recusada. O mesmo jornal (Negócios) que noticiara no dia 1 de outubro a cedência do governo, chega às bancas a 7 de outubro com a notícia da intransigência do executivo fundamentada no crescimento da economia em 2,5%, alavancado mais ainda pela execução que se espera profícua do PRR, sendo o momento de incentivar a que as empresas mantenham esta ordem de revisão positiva das perspetivas de desenvolvimento económico-financeiro. 


O momento das desconfianças, das acusações de má-fé e ausência de vontade negocial entre governo e PS parece ultrapassado, mas o partido de André Ventura deu, a 8 de outubro, também um passo neste que se espera o último tango do “hit” orçamental, afirmando que será, na eventual irresponsabilidade do maior partido da oposição, a salvaguarda da aprovação do OE 2025, e da estabilidade do país (declarações de André Ventura acerca da reunião de urgência com os Deputados do partido). 


Resta-nos reter a conclusão deixada pela SIC a vários jornais (Expresso, Negócios, e outros) acerca das recusas de cedência entre PS e PSD/Governo: “Esta recusa cria uma impasse, mas as negociações vão prosseguir (…) Contraproposta apresentada ao PS reduz de dois para um ponto a descida nominal do IRC no próximo ano, além de prever outras majorações, e alarga o IRS Jovem a partir do modelo em vigor defendido pelo PS. Primeiro-ministro diz que «há todas as razões para que o PS possa viabilizar o OE»”. 


Numa perspetiva dogmática, para os confessos redutos de ética, ou cultores da dignidade sociopolítica, fica Camões, nos seus sonetos: 


“Cá, neste labirinto, onde a Nobreza,

O Valor e o Saber pedindo vão

Às portas da Cobiça e da Vileza;”


Bruno Martins

Departamento Sociedade


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