Diz-nos a sabedoria popular que o caminho se faz caminhando e tal não poderia ser mais verdadeiro. Hoje, trazemos-vos uma entrevista muito terra a terra com a nossa tão querida professora Benedita Sequeira. Uma professora jovem, com o mundo pela frente, a arte no coração e a justiça na mente. Fiquem connosco para conhecerem um bocadinho melhor uma das pessoas que mais nos fascina na nossa aconchegante FDUP.
Em primeiro lugar, porquê a opção pelo curso de Direito?
É uma pergunta complicada. Estive muito indecisa até à última. Escolhi Direito porque não sabia bem o que queria seguir. Pareceu-me que Direito, dentro da área das humanidades que era a minha, era o curso que me deixava mais opções em aberto. Acabou por ser uma agradável surpresa, gostei muito do curso. Foi, sem dúvida, a escolha certa, apesar da motivação ter sido diferente da que leva a maioria dos estudantes até ao curso de Direito.
Porquê a FDUP e quais as expectativas quanto ao curso? O que se via a fazer no futuro?
Eu sou do Porto e tinha essa facilidade de estudar na cidade onde já vivia, sem ter de me sujeitar a grandes mudanças. Além disso, a FDUP estava bastante bem classificada e parecia-me ter cadeiras interessantes. Lembro-me de ir à mostra da UP, onde estavam alguns estudantes da FDUP na altura. As referências foram muito boas e a escolha pareceu-me de todo em todo a mais acertada.
Qual era então o seu sonho de menina? O que é que dizia com 5 anos que queria ser quando fosse grande? A resposta imediata era próxima do Direito?
Não, de maneira nenhuma. Quis ser atriz até aos 17 anos, quis ser pintora ... Variou muito, nunca tive grandes certezas quanto ao meu percurso profissional futuro...
As expectativas que tinha e o esforço implicado estão de acordo com o que tinha imaginado para a sua vida?
O esforço valeu totalmente a pena, gostei muito do curso, foi muito desafiante. Apaixonei-me pelo curso de Direito, da sua lógica, a aplicação do conhecimento através das mais diferentes perspetivas, da amplitude dos conceitos que aplicamos; também das implicações filosóficas, éticas, políticas que todos os conceitos que abordamos no curso têm. Neste momento não me via em nenhuma outra área que não o Direito. Acho que fiz a escolha certa.
A professora foi uma das melhores alunas do curso no seu ano, há algum conselho que possa dar aos novos estudantes para vingarem nesta área? O que podem esperar do curso?
O meu conselho é sobretudo tirarem tempo para se interessarem e pensarem sobre o que é a verdade nas aulas e não deixarem de participar noutras atividades paralelas que vos deixem felizes e realizados. Eu nunca fui uma pessoa que dedicasse todo o seu tempo livre a estudar. Eu participava em vários grupos académicos, ia a festas, combinava cafés com amigos e nunca deixei de fazer essas coisas para ter mais tempo para estudar. O que fazia quando estudava durante o semestre era tentar focar-me naquilo que eram os aspetos mais essenciais da matéria e, no fundo, tentar perceber ao invés de só decorar aquilo que era objeto de estudo para os exames. Quando se apreendem os conceitos e compreendem as conexões entre eles, sabendo aplicá-los, depois é sempre mais fácil revisitar a matéria e tê-la na ponta da língua na época de exames.
O que podem os novos estudantes esperar do curso de Direito na FDUP?
É um curso focado na formação do jurista, o que é muito mais amplo que a formação de um advogado ou juiz. É um curso que nos ensina a pensar sobre o Direito e sobretudo a procurar informação relevante sobre os temas relacionados com o Direito e a forma de os aplicar. No fundo, é uma ferramenta muito importante para a nossa atividade profissional futura, e que abre portas para percursos muito diferentes. Embora não seja exatamente aquilo que vemos em várias séries americanas, com simulações de julgamentos, etc., porque não é esse o modelo de ensino que seguimos, mas não considero que o nosso seja menos prático ou relevante por isso. Estamos ajustados à nossa realidade.
A docência sempre esteve no seu horizonte? Como surgiu o convite? O sim foi imediato?
Ora, eu terminei a licenciatura na faculdade em 2020, que foi um ano atípico devido à pandemia. Eu fui uma das melhores estudantes do meu ano, mas não era uma das duas melhores estudantes do meu ano. Como tal, não estava a contar com um convite para a docência e honestamente nunca tinha pensado muito no assunto - era sempre um plano a longo prazo e talvez apenas depois do mestrado ou doutoramento. Não contava ter este convite no imediato. Porém, em Julho, mesmo no dia do meu último exame, que foi uma oral de Direito Processual Civil, ligaram-me da faculdade para me convidar para uma reunião com a direção e foi aí que recebi este convite. Foi um convite recebido com muito agrado, foi uma feliz surpresa e não trocaria este convite por nenhum outro.
O que pensa da relação aluno-professor na nossa faculdade?
O nosso contacto é muito interessante. De facto, eu nunca tinha pensado no contacto que ia ter com os alunos enquanto professora porque não me pensei ver nesta situação. De facto, é um contacto um tanto ou quanto estranho, devido à proximidade de idades. Há alunos que já conhecia quando era estudante e que agora vejo de outra forma, há alunos que vemos nas aulas e com os quais nunca trocamos impressões, mas depois há outros que nos dão a sua opinião, que nos vão contactando, que vamos encontrando nos corredores, no bar ... No fundo, essas pessoas vão-nos dando feedback e isso é muito importante. Acabam por nos dar de volta o esforço que colocamos na preparação das aulas e na lecionação da matéria. Ajudam-nos a perceber que há alguém do outro lado e que está efetivamente a ouvir, que está a tirar algo do que estamos a dizer e que tem também algo a acrescentar. Há uma troca mútua de conhecimentos.
Quais as principais diferenças entre a docência do Direito e o seu estudo enquanto aluna?
O processo de preparar uma aula e o de estudar para um exame não difere muito. Vamos às fontes, obviamente se calhar para preparar uma aula eu vejo 4 manuais e não 1, que seria o que veria se estivesse a estudar para um exame. Vejo a matéria, retiro os pontos essenciais da mesma, preparo os meus apontamentos ... O que difere é sobretudo a responsabilidade. Estudar para um exame é da responsabilidade exclusiva do próprio, a pessoa dá o seu melhor, estuda o melhor que pode aqueles conteúdos e depois, se correr mal, a responsabilidade é unicamente sua. Na docência, qualquer falha ou erro de comunicação não vai prejudicar o professor, mas sim os estudantes, que depois vão ter de explorar aqueles temas no exame, que vão ter de os estudar e poderão não os perceber bem; ou dar-se o caso de a informação não ter sido tão bem passada. A diferença está mais na transmissão do conhecimento e responsabilidade na sua transmissão e não tanto na preparação.
Qual é a sensação de ter alunos com uma idade tão próxima da sua? Considera que isso é uma mais valia?
É mais fácil para alguém que foi estudante há menos tempo encontrar as dúvidas dos estudantes. Também é mais fácil perceber o que se pretende de uma aula prática ou da resolução de um caso prático. Eu muitas vezes preparo as aulas, sobretudo as mais práticas, a pensar no que eu gostaria que o professor me tivesse dito quando deu aquela aula. Muitas vezes preparo modelos de resposta que os estudantes podem usar em sede de exame. No fundo, há uma relação de maior proximidade porque é uma proximidade de idades e, além disso, há uma partilha de experiências inevitável de alguém que esteve no mesmo lugar há pouco mais de um, dois anos.
O que pensa da adaptação dos professores mais jovens aos novos meios de aulas à distância comparativamente aos mais velhos? Considera que a inclusão de professores mais novos no ensino é suficiente?
Não é uma questão de idade. O ponto está mais no facto de alguns dos professores mais novos terem também eles tido aulas online durante a pandemia, bem como a necessidade de lidar com essa realidade noutros campos, como escritórios com reuniões online, pós-graduações online, etc. Mas, mesmo quanto aos professores mais velhos, considero que o esforço de adaptação destes foi louvável e os resultados muito positivos.
A própria experiência que tivemos, e temos, faz com que procuremos fazer mais e melhor. A verdade é que a minha experiência com aulas online também não foi excelente. Apesar de ter algumas capacidades informáticas e tecnológicas em geral, a própria adesão dos nossos estudantes, não em termos numéricos, mas mais em termos de participação, foi muito baixa nesse sentido...
Por outro lado, a minha realidade de mestrado foi totalmente diferente, já que mesmo sendo online havia muita interação, participação, os estudantes ligavam as câmaras, respondiam às perguntas, etc. Claro que a maturidade e o facto de sermos menos estudantes também tinha influência ... Mas espero muito honestamente que as aulas continuem em modo presencial porque saímos todos a ganhar.
Como não poderia deixar de ser, qual é a sua área predileta no Direito e como é que consegue conciliar a docência, o trabalho na área e o mestrado?
A minha área predileta é a do Direito Internacional Privado e Europeu. Estou a fazer mestrado em Direito Internacional e Europeu na Nova de Lisboa. O primeiro ano foi difícil porque tive de optar pelas unidades curriculares disponíveis online, de forma a poder conciliar o mestrado com a docência, pelo que acabei por fazer algumas unidades curriculares diferentes das que tinha em mente, mas algumas foram agradáveis surpresas. Uma delas foi a de Business & Human Rights e é nessa área que estou a fazer a minha tese de mestrado. É uma fusão de Direito Internacional Privado e Direitos Humanos e empresas e também integro um centro de investigação da Faculdade Nova de Lisboa sobre este tema. As aulas implicam uma grande preparação e articular isto com o mestrado e a docência propriamente dita é apertado, mas não impossível. Claro que durante a época de exames, tendo somente exames para corrigir há mais tempo livre e, então, chance de estudar para os exames do mestrado, mantendo-me a par.
Considera, quanto aos mestrados, que a FDUP está a acompanhar o mercado formativo, quer em termos de opções, como em termos de vagas?
Considero que a oferta de mestrados na faculdade é muito boa, estes estão bem estruturados e temos excelentes docentes nas diversas áreas. No entanto, na área que eu queria fazer mestrado não existia oferta na FDUP, daí a Nova de Lisboa, pela qual optei mesmo antes do convite para a docência. A não ser assim, a escolha e experiência teria sido diferente. A oferta que há na faculdade é boa, e tendo recebido o convite antes de me matricular na Nova teria provavelmente optado por fazer mestrado “na casa”. Parece-me que falta é explorar outras áreas diferentes e mais inovadoras, nomeadamente as áreas internacionais, hoje muito apelativas - as áreas em que a FDUP oferece mestrados são áreas muito clássicas: são as ciências jurídico-civilísticas, as jurídico-criminais, as jurídico-administrativas.... Havia também uma falha nas jurídico-empresariais, que vai agora ser colmatada. E depois faltam vagas, não fosse isso e penso que teríamos ainda mais estudantes a optarem pela FDUP.
(O que pensa da redução da licenciatura de 5 para 4 anos?)
Retira uma forte possibilidade de especialização que acaba por ficar para o mestrado. Claro que não tendo contacto com certas disciplinas, acabará provavelmente por não optar por algo com o qual não contactou. Também seria impossível em 4 anos manter tudo o que se oferecia no curso de 5 anos. Há, de facto, uma falta de tempo. Eu não fiz o curso com 5 anos e também não conheço outra realidade. Para termos as oportunidades que o curso oferecia com 5 anos, temos de facto de procurar as especializações ... Claro que isto é uma desvantagem, em primeiro lugar devido à falta de vagas nos mestrados e depois porque as propinas não são reguladas do mesmo modo que as da licenciatura, o que também impede o acesso de muitos estudantes a esse grau de ensino.
De 0-10, e independentemente da remuneração e horas de trabalho, considera-se uma pessoa profissionalmente realizada, ou ainda há muito por fazer?
Ora, tenho de pensar ... 8 em 10. Ainda há muito para fazer. É muito complicado para um estudante que acaba de sair da licenciatura começar a dar aulas, sinto que preciso de mais tempo para explorar os temas que leciono, para ser avaliada sobre os temas que leciono não só em sede de mestrado, mas também de doutoramento e, portanto, ainda há um longo caminho a percorrer até me conseguir ver como uma docente universitária a 100%, mas na verdade gosto muito do que faço, gosto muito de dar aulas, gosto muito de dar aulas na FDUP e, portanto, sinto-me muito realizada.
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