A primeira vez que ouvi os jovens dos Lunar Vacation foi num shuffle do “Spotify”. Lembro-me vividamente dos doces acordes de guitarra acústica que iniciam a “Only You”, seguidos da insuspeitamente peculiar voz da Grace, ou Gep, Repasky, que, como uma amiga, nos abraça e diz que tudo vai correr bem, sem mascarar as duras realidades. Escusado é dizer que adorei – o sentimento e o som.
Era um indie-pop ecleticamente despretensioso que parecia assentar em ombros de gigantes algo díspares… Uma forte índole singer-songwriter, que é comprovada na track “Shrug” do primeiro álbum da banda “Inside Every Fig Is A Dead Wasp” (2021); sendo certo que, se não conhecem os Wilco, recomendo-vos faixas, como “Jesus, Etc.” ou “Via Chicago”.
Is it all about the scene
Or something in-between?
Invited but I'll never show
Stayed at home and playing too much Wilco
E, do outro lado, demarca-se uma táctil vertente rock, quiçá até mesmo shoegaze! Refiro-me a bandas como My Bloody Valentine ou Slowdive, onde a distorção é a rainha e as texturas sónicas nunca mais acabam. Pode a produção dos Lunar Vacation não chegar sempre a essas alturas – nem seria esse o objetivo –, mas é agradável saber que são corpos de obra comparáveis.
Mas, afinal, quem são, atualmente, os membros desta banda de que falo? Enquanto cantora principal têm a Gep Repasky; na guitarra, Maggie Geeslin; na bateria, Connor Dowd; em teclados, Matteo Delurgio ; e no baixo, Ben Wulkan. Todos eles oriundos de Atlanta, Georgia. Aliás, desde 2022, finda a tour do primeiro álbum, partilham todos uma pitoresca casa com mais de cem anos – que se tornaria o palco central do que vieram a ser as demos do novo álbum “Everything Matters, Everything's Fire” (2024). Este álbum veio a ser produzido por Drew Vandenberg, colaborador recorrente da artista Faye Webster e, inclusive, produtor da faixa “U Owe Me” da obra-prima que é o “Beware of the Dogs” (2019), da australiana Stella Donnelly. Tem ainda, como mastering engineer, Joe Lambert, que ajudou no primeiro álbum dos Alvvays, uma aclamadíssima banda de sons muitos similares aos Lunar.
Figura 1: Capa Frontal do “Everything Matters, Everything's Fire”
Com pouco mais de meia hora, é um álbum de fácil escuta e uma acessível introdução aos diferentes nichos musicais mencionados. E é isso que me atrai nos Lunar Vacation: apesar de serem relativamente underground, são verdadeiras mudanças de paradigma para as pessoas que os ouvem. Aliás, se antes essa expansão de horizontes parecia, em algumas raríssimas vezes, exógena à criatividade da banda, com este novo esforço artístico é impossível não ouvirmos a banda a tocar enquanto tal e não sabermos que tais sentimentos e sensações são provocados por eles mesmos, (re)inventando os seus próprios artifícios, já completamente independentes das suas inspirações. Cresceram, no fundo. Mantendo, felizmente, o costume de me deixar cheio de earworms…
Earworm é, precisamente, a palavra que usaria para definir a primeira música, “Sick”: um conto sobre relações tóxicas. Funciona, sobretudo, como uma grande chamada de atenção nauseante, que, embora não tenha conseguido apreciar imediatamente, ajuda a prender o ouvinte ao álbum. Não para relaxar em termos de dinâmica – atenção! –, mas para servir de ponte entre o possível estado de letargia do ouvinte e o banger que é a “Set The Stage”. Curiosamente, Gep Respasky contou à Wonderland Magazine sobre esta peça: “This was the first love song I wrote about someone and then sent it to them. That is the first and last time I will ever do that”. É uma ode ao shoegaze, dotada, liricamente, de um push and pull notável.
In my dreams, we're together
We've been in love forever
Now I'd hate it if you'd ever think the same
As a door shuts and opens
The two of us head to destruction
Hand in hand and foolish happiness around
Figura 2: Fotografia promocional do single “Set The Stage”
A seguinte faixa, “Tom”, é típico Lunar Vacation, “indie-rock type beat”. Foi o single que mais ouvi antes do lançamento do álbum. Diria que funciona como um barómetro: se gostam desta música, irão gostar do resto do álbum, provavelmente.
Let me out or let me in
Para acalmar um bocado a energia, temos a “Erase All the B’s”, que é das melhores músicas que ouvi este ano. É perfeita. Nem me atrevo a dar spoilers. E, por incrível que pareça, foi gravada ao vivo num único take! De seguida, aparece-nos a “Bitter”, com um registo mais upbeat, vocais radiofónicos e uma bassline tão tangível que dá para roer de inveja. Trata-se de um explícito statement, algo muito delicado de escrever, que, claramente, termina uma fase conceptual do álbum. Suponho que o phrasing de guitarra elétrica presente na outro da “Impossible Germany” dos Wilco pareça ser algo que tiveram em mente no refrão, para muito do meu agrado.
Stop being so bitter (Being so)
'Cause it's gonna get better (Being so)
If you just stop being so, stop being
“Hold on to it” sussurra a vocalista ao ouvinte mal começa a “Fantasy”… É um rock cataclísmico e dinâmico, servindo de clímax da soundscape cinematográfica que tem vindo a ser criada no álbum. Consegue capturar a confusão em que todos nós já nos vimos, tão sinteticamente retratada pela Gep numa entrevista à revista Clash: “Will I always live in some kind of fantasy where I’ll never truly understand what my reality is? Am I never going to be able to understand that because I’m just too busy making up scenarios and making up whole lives with other people? Am I ever going to really be present?”.
I'd forgotten that the fantasy
I held onto so dearly is over
Time to pack it up
It'll never be seen through
Agora, estão a ver aquele momento em todas as romcoms em que, depois de todos os desafios e tribulações, o momento já acalmou e a personagem está, simplesmente, a vivê-las? A “Just for Today” é uma mudança de ares e o vibrafone, por exemplo, torna-a muito divertida, para não mencionar a incrível consistência de intrigantes set pieces de instrumentos rítmicos que rodeiam a música. Dito isto, passamos para uma cena muito grunge no início da “Better Luck”, que se transmuta rapidamente em algo suave e sonhador, que dissolve toda a dor que possa existir de tumultuosas relações, deixando apenas pozinhos cintilantes de esperança no ar.
The cracks are catching sunlight, can't you see?
They were so much bigger than I could bear to leave
Fechando o álbum, temos a “You Shouldn’t Be”, que começa com um forte uso de efeitos de delay e lá vai progredindo, adquirindo uma nostálgica melodia de sintetizador, crescendo inexplicavelmente e parando num nevoeiro, tal como acabara de começar. É um misto sonoro de conflito e de resolução, carregado por um drum beat tremendo que encapsula muito bem o ponto central do álbum: de que está tudo a acontecer simultaneamente, sendo difícil, por vezes, de aferir o que é significante ou não – mas, claro que, pensando assim, teremos de voltar ao início, porque está tudo a acontecer-nos, sendo de apreciar que, na medida em que o ser humano não é um sistema isolado, não devemos ignorar o bom e o mau daquilo que nos compõe…
Who really cares about keeping score?
I checked out months ago
Shaping to fit a different thing
To mold is to be quiet, quiet
José Pedro Carvalho
Departamento Cultural
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