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Foto do escritorFrancisca Bastos

Do rio ao mar

Como nas palavras do ilustre José Mário Branco, na faixa Shalom Palestina (Carta a Hannah Arendt) (1997):

Porque a gente também aprendeu a esquecer

Desde Gaza a Beirute, do Jordão ao Sinai

Já está tudo esquecido, já está tudo aprendido

E ficamos aqui,

E tu morres aqui,

E daqui ninguém sai

Shalom Palestina


É fácil esquecer e o Ocidente parece estar muito confortável em o fazer. Aliás, é uma figura proativa no apagamento da Palestina, da sua história e da sua luta e resistência. Num esforço de tentar quebrar com a falta de informação e de tomada de posição, este artigo procura apresentar uma visão mais clara e detalhada relativamente à colonização da terra palestiniana levada a cabo por Israel e fortemente apoiada por países como os EUA, o Reino Unido e a Alemanha, no fundo, as nações ocidentais descritas como o pináculo do capitalismo e representantes de uma visão de mundo assente na superioridade da Europa Ocidental e da América do Norte. Aqui é preponderante fazer alusão à suposição de que, apesar do consumidor ocidental fazer parte de uma minoria numérica, a organização económica e política do mundo está desenhada de forma a que este acumule em si a maioria dos recursos do planeta. Esta é fundamentada na conceção de que, ao contrário do sujeito oriundo do Oriente, o Homem ocidental representa a verdadeira essência da existência humana – ideia retirada da obra Orientalismo de Edward Said, palestiniano-estadunidense e um dos grandes nomes dos estudos pós-coloniais.

 

 

A contextualização histórica

Centenas de vilas e cidades prósperas fazem parte da história da região da Palestina, que, há já vários séculos, é a casa do povo palestino. Uma delas é a cidade central de Jerusalém, constituída por espaços sagrados para as três grandes religiões abraâmicas: o Islão, o Judaísmo e o Cristianismo.


Durante o domínio do Império Otomano (final do século XIII - início do século XX), a maioria da população nativa era muçulmana, sendo as amostras cristã e judaica claras minorias. À parte da religião, as pessoas que ali viviam eram frequentemente referidas como árabes – pessoas que tinham o árabe como língua nativa. Há já muito tempo que palestinianos se diferenciam como Ahl Filastīn ou “pessoas da Palestina”. Este povo, que carregava um sotaque árabe distinto, criou comida regional, vestuário regional e laços familiares.


Com o início da Primeira Guerra Mundial, várias forças políticas começaram a competir pelo controle destas terras. Primeiro, existia um crescente movimento político árabe que defendia a sua independência do Império Otomano, na esperança de que a Palestina pudesse integrar um projeto de unificação dos povos árabes. Em segundo lugar, existiam os sionistas, um grupo político que tinha como objetivo a criação de um estado judeu na região da Palestina. O sionismo procurou apresentar-se como resposta para o crescente e brutal clima de hostilidade perante pessoas judias – especialmente na Europa e na Rússia – onde, entre o final do século XIX e o início do século XX, houve uma demarcada onda de antissemitismo com ataques em grande escala. Depois de ponderarem ocupar terras de outros países, como na Argentina e no Uganda, os líderes sionistas decidiram optar pela Palestina, baseando-se nas raízes que esta tem com a sua religião. Existia, ainda, uma terceira força política: os britânicos. Ao controlarem a zona, estes conseguiriam aumentar a sua esfera de influência e proteger as rotas comerciais para a Índia, ainda sob domínio colonial.


Foi durante a Primeira Guerra Mundial que os britânicos e o movimento pela independência árabe se decidiram unir para fazer frente ao Império Otomano. Em cartas datadas de 1916, tinha ficado acordado entre um líder árabe, Hussein bin Ali, e um oficial britânico, Henry McMahon, que, se os árabes ajudassem os britânicos e lhes dessem privilégios internacionais e económicos em terras árabes, estes reconheceriam e apoiariam um Estado árabe independente e unificado.

Sem consultar os palestinianos, nativos da terra, os britânicos publicaram a Declaração Balfour (1917) – documento que intende facilitar o estabelecimento de um “Lar Nacional Judeu” na Palestina. Ao invés de cumprirem com o primeiramente combinado, os britânicos juraram ajudar os sionistas a ocupar a Palestina.


Uns anos após o fim da Primeira Guerra Mundial, entre 1922 e 1931, a população judaica mais que duplicou. Estes movimentos migratórios permitiram que o sionismo ganhasse força e se lançasse o “slogan” A land without people, for a people without land – ideia de que as pessoas que ali viviam há gerações e gerações poderiam ser realojadas noutro sítio qualquer por não terem qualquer ligação com a terra em que viviam. Pouco tempo depois do Primeiro Congresso Sionista de 1897, dois rabis sionistas, que haviam sido enviados para a Palestina, escreveram que «A noiva é linda, mas é casada com outro homem» - revelando reconhecerem que a terra já era habitada. Shahd Wadi, palestiniana e investigadora na área dos Estudos Feministas em Portugal, explica a noção de que este era um povo que não merecia direitos políticos, essencialmente por o sionismo se tratar de um movimento europeu que bebeu dos ditames racistas de civilização dominante na Europa.


Com a ascensão de Hitler e do partido Nazi, a saída de judeus da Europa tornou-se ainda mais urgente. E foi a partir daqui que surgiu aquela que seria a maior onda de imigração judaica. Com ela, também a violência rompeu. Os colonos sionistas compravam parcelas de terra fértil e despejavam os arrendatários destas, criando uma crise de centenas de milhares de árabes palestinianos despossuídos das suas terras.

Mais tarde, em 1947, após décadas de manipulação das duas fações em disputa, os britânicos “desistiram” e passaram a pasta para as Nações Unidas. Um comité especial da ONU propôs o conhecido Plano de Partilha da Palestina de 1947, de dividir o território em dois Estados: um judeu e outro árabe – neste esquema, Jerusalém seria uma entidade separada sob o controlo da ONU. O projeto delineava a atribuição de mais de metade e o grande grosso das áreas mais férteis aos sionistas. Em novembro do mesmo ano e num clima de fresco fim do Holocausto, com a ajuda da influência do lobbying por parte dos líderes estadunidenses e sionistas, as Nações Unidas votaram a favor do Plano.


Uns meses depois, a 10 de março, uma das forças paramilitares sionistas, a Haganah, adotou aquele que seria conhecido como o Plano Dalet ou Plano D. Este tinha como objetivo ganhar controlo do Estado judeu, estabelecido pelo Plano de Partilha, enquanto defendiam a colonização das terras que extrapolavam as fronteiras do mesmo. Aliás, as operações levadas a cabo pelas milícias sionistas deram-se em áreas pertencentes ao Estado árabe e focaram-se em isolar Jerusalém e as estradas para a cidade santa. Ainda, no Plano D, instigava-se, recorrendo a fogo, bombas e minas, a brutal destruição de vilas árabes, em particular aquelas com centros populacionais mais difíceis de controlar. Na eventualidade de resistência, os resistentes deveriam ser expulsos para fora das fronteiras do Estado, as vilas árabes deveriam ser “esvaziadas” e estas e as principais artérias de transporte deveriam ser ocupadas e controladas – esta é a semente para a limpeza étnica da Palestina, não acidental, mas organizada, para a criação do Estado de Israel, declarado pelos sionistas a 14 de maio de 1948.


Em 1948, um dos massacres mais mediatizados aconteceu, pelas mãos de sionistas extremistas, na vila de Deir Yassin. Até hoje, o arquivo do exército israelita recusa-se a publicar muitas das imagens e relatórios do que se passou. A chacina foi utilizada como ferramenta de propaganda pelas forças paramilitares sionistas como exemplo – se o povo palestino não abandonasse as suas terras, o que aconteceu à população de Deir Yassin, acontecer-lhes-ia também.


Depois de Deir Yassin, os sionistas procederam à “limpeza” de Haifa e Jaffa e também de centenas de pequenas aldeias e vilas. Centenas de milhares de palestinianos foram forçados a fugir para estados vizinhos. Estes abandonaram as suas vidas e levavam consigo recursos que apenas lhes permitiam sobreviver durante umas semanas, na esperança de um dia voltarem às suas casas. Uma grande parte deles chegava mesmo a trancar a porta e meter a chave no bolso e, por isso, este objeto transformou-se num símbolo da resistência palestiniana.


O direito dos refugiados a regressar foi negado pelos colonizadores, ao destruírem as vilas com esse propósito explícito. A Nakba caracteriza-se assim, simultaneamente, pelo deslocamento forçado da população palestiniana das suas casas, terras e país, e o impedimento do seu retorno.

 


Com o passar do tempo, Israel apagou inúmeras provas físicas da existência da Palestina árabe através, por exemplo, da passagem do nome de sítios até então em árabe para hebraico, do esforço massivo do Fundo Nacional Judeu para a plantação de florestas de pinheiros e de zonas recreacionais em áreas que antes eram vilas palestinianas - esforço que muitos têm denominado como um exemplo de greenwashing.

Durante a Nakba (1947-1948), cerca de 6.000 israelitas morreram. Contudo, os relatórios relativos às vítimas palestinianas não foram, convenientemente, guardados. Como tal, estima-se que tenham sido massacradas cerca de 15.000 pessoas. Contam-se aproximadamente 750.000 palestinianos forçados a abandonar a sua terra e mais de 500 vilas dizimadas.

Apesar do Plano de Partilha da Palestina ter estabelecido que a Israel estava atribuída 56% da Palestina, o Estado israelita acabou por controlar 78% da mesma – a totalidade da Palestina exceto as regiões da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Até ao início de 2023, Israel aumentou esta percentagem para, pelo menos, 85% da área total – resultando em 6 milhões de refugiados palestinianos.

 

 

A atualidade

Demasiados são os acontecimentos que marcam e perpetuam o apagamento da Palestina, são tantos que cobrir todos transformaria este simples artigo num colossal exercício literário. Por isso, menciona-se aqueles momentos que foram mais mediatizados, como a maioria obtida pelo Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), grupo político e militar de índole nacionalista e aderente aos princípios do Islão político, nas eleições legislativas palestinianas a 25 de janeiro de 2006; a guerra que durou sete semanas (julho - agosto de 2014) totalizando mais de 2100 palestinianos mortos na Faixa; a Grande Marcha do Retorno, em Gaza, na qual perto da fronteira, todas as sextas feiras, desde março de 2018 até dezembro de 2019, ocorreram manifestações pró-palestinianas que reivindicavam o regresso dos refugiados palestinianos às suas terras e protestavam contra o bloqueio terrestre, aéreo e marítimo de Israel à Faixa de Gaza e contra o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel pelos Estados Unidos – esta resultou em 223 palestinianos assassinados pelas forças israelitas; assim como, o mais recente, a 7 de outubro de 2023, com o lançamento do maior ataque em anos contra Israel a partir da Faixa de Gaza, pelas mãos do Hamas - estima-se que tenham morrido 200 civis israelitas.


Os dados publicados pela Al Jazeera estimam que, desde 7 de outubro de 2023 até ao dia 23 de outubro de 2024 (https://www.aljazeera.com/news/longform/2023/10/9/israel-hamas-war-in-maps-and-charts-live-tracker):

  • Na Faixa de Gaza, foram mortos 42.792 palestinianos, de entre os quais cerca de 16.765 são crianças, e mais de 10.000 estão desaparecidos; acrescenta-se as cerca de 100.412 pessoas palestinianas feridas;

  • Na Cisjordânia, pelo menos 760 palestinianos foram mortos, incluindo 166 crianças e cerca de 6.250 feridos.


A cada hora, em Gaza, são mortas 15 pessoas, das quais 6 são crianças; 35 pessoas são feridas, 42 bombas são detonadas e 12 edifícios são destruídos – estimativa que, de acordo com o exército israelita, tem por base os primeiros 6 dias desta última ronda da guerra. É de notar que, desde então, é sabida a intensificação do conflito.

 

 

A título conclusivo

É importante mencionar que, violando o Direito Internacional, Israel utilizou a fome como arma de guerra em Gaza – palestinianos foram deliberadamente privados de acesso a comida e a água; e que, há umas semanas atrás, Israel voltou a invadir o Líbano, resultado da escalada do conflito em curso entre este e o Hezbollah, um grupo de estrutura político-militar de inspiração nacionalista e seguidor das normas do Islão político.


Há que refletir sobre o (não) papel da comunidade internacional neste conflito, que é político, apesar de muitos gostarem de o desviar para a sua natureza humanitária, ou o reduzirem a mero quesito religioso. A história da Palestina é cuidadosamente escondida e propositadamente distorcida. No Ocidente, então, é completamente esquecida. Basta ver uma questão tão elementar como a do reconhecimento do Estado da Palestina – dos 193 países-membros da ONU, 50 falham em reconhecê-lo, estando entre eles nações como os Estados Unidos, a França, a Alemanha, o Reino Unido, Portugal... Mas esta é só a ponta do iceberg.


Tome-se por exemplo o caso alemão, que, em abril deste ano, teve o seu corpo policial a proibir o Congresso sobre a Palestina, sob motivos de alegado risco antissemita; ou a repressão de todo e qualquer discurso pró-Palestina, que não conhece limites fronteiriços. Existe, assim, todo um esforço para desacreditar a causa palestiniana, quer a nível governamental, quer, por exemplo, a nível mediático, com a estrita divulgação da persistente agenda sionista pelos principais canais de comunicação. Não tendo fácil acesso ao “outro lado da história”, não cair neste discurso que faz a apologia ao que se trata, sob todas as definições possíveis, de um genocídio, apresenta-se um caminho tortuoso, ainda para mais quando se assiste à total e absoluta impunibilidade de Israel. Já dizia há uns anos atrás, numa entrevista, Edward Said: «The Oslo Accords (1993), say specifically that Israel bears no responsibility for the costs of occupation (…) That’s simply unacceptable, even for the Jewish people who suffered so much. You cannot continue to victimize somebody else just because you yourself were a victim once. There has to be a limit».

Israel é um projeto fundado nas ruínas de uma outra sociedade que se concretizou pela despossessão maciça do povo palestino, que, até hoje, é descrito como uma espécie de «obscure natives in the background – Back to the desert. Let them go to one of the Arab countries» (Said).

 


No decorrer dos mais recentes acontecimentos, iniciados a 7 de outubro do ano passado, Ilan Pappé, historiador e ativista de origem israelita, membro do grupo de historiadores israelitas que recusam a interpretação unilateral e oficial da história do seu país e ávido crítico da política de Israel em relação aos palestinianos, afirma que os tempos que vivemos «would be written as the beginning of the end of the Zionist project (…) The beginning of an end of a project such as Zionism is the most dangerous chapter in the history of a place. When the regime or project fights for its existence (…)». Acredita que a conjuntura vivida é, provavelmente, «the darkest moment in history of Palestine», contudo, crê ser um caso de «darkness before the dawn».

Por fim, é comum que pensadores e ativistas pró-palestina que exploram o conceito de Nakba e as suas forças motrizes cheguem à conclusão que a catástrofe não acabou em 1948. A verdade é que a Nakba continua até aos dias de hoje. A despossessão do povo palestino e o regime de apartheid na Palestina persistem à data, novembro de 2024.

 

 

A resiliência em verso

Resiste, meu povo, resiste-lhes

por Dareen Tatour, retirado do livro Se eu tiver de morrer – Poesia de Resistência Palestiniana – Séc. XXI

 

Resiste, meu povo, resiste-lhes.

Em Jerusalém, cobri as minhas feridas e respirei as minhas mágoas

E carreguei a alma na minha palma

Por uma Palestina árabe.

Não sucumbirei à “solução pacífica”,

Jamais descerei as minhas bandeiras

Até que os desaloje da minha terra.

Reservo-as para um tempo que virá.

Resiste, meu povo, resiste-lhes.

Resiste ao roubo dos colonos

E segue a caravana dos mártires.

Rasga a vergonhosa constituição

Que impôs degradação e humilhação

E nos desencorajou de restaurar a justiça.

Queimaram crianças inocentes;

Quanto a Hadil, balearam-na em público,

Mataram-na em plena luz do dia.

Resiste, meu povo, resiste-lhes.

Resiste à investida colonialista.

Ignora os seus agentes entre nós

Que nos agrilhoam à ilusão pacífica.

Não temas línguas duvidosas;

A verdade no teu coração é mais forte,

Enquanto resistires numa terra

Que viveu raids e vitórias.

Resiste, meu povo rebelde.

Escreve-me como prosa no pau-d’áquila;

Os meus restos têm-te como resposta

Resiste, meu povo, resiste-lhes.

Resiste, meu povo, resiste-lhes.

 

 

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Do rio ao mar, a Palestina será livre!

من النهر إلى البحر ستكون فلسطين 

 

Francisca Bastos

Departamento Sociedade



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