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Foto do escritorLuiza Toniolo

Domingo: o dia sagrado do não-comércio?

O domingo é, por muitos motivos, um dia especial. Para alguns, é uma garantia de descanso semanal, para outros será o dia da família, de atividades paralelas ou de repouso. O facto de o dia de folga ser aos domingos deve-se à forte herança do catolicismo em Portugal, embora uma questão antes meramente religiosa tenha evoluído para uma questão social. Sendo o domingo parte integrante da nossa cultura, levanta-se a discussão sobre se deverá o comércio também “descansar” neste dia ou se deve permanecer efervescente.


A reflexão levantou-se recentemente com um projeto de lei[1] que propõe o encerramento do comércio aos domingos e feriados e a redução do seu período de funcionamento para até às 22h, no âmbito de uma iniciativa legislativa de cidadãos[2] pelo Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP). A iniciativa aguarda a discussão e votação pelos Deputados da Assembleia da República.


Em apoio à iniciativa, Márcia Barbosa, do CESP, argumenta: “Os trabalhadores que saem à meia-noite nos centros comerciais não conseguem acompanhar os filhos e, em muitos casos, a essa hora já não têm transportes para ir para casa”. Ora, segundo inquérito realizado pela Associação de Marcas e Restauração (AMRR), em julho, a maioria dos lojistas concorda que os centros comerciais poderiam encerrar mais cedo do que às 24 horas atuais, mas apenas 40% destes defende o fecho dos estabelecimentos ao domingo. Quanto aos partidos, os liberais, o PS e o PSD posicionam-se contra, mas o Bloco e o PCP já apoiam o teor da iniciativa.


O projeto de lei levanta questões profundas, envolvendo interesses contraditórios. Por um lado, está o interesse público de garantir aos trabalhadores uma “organização do trabalho em condições socialmente dignificantes”, como os consagra o artigo 59.º da Constituição, permitindo a “conciliação da atividade profissional com a vida familiar”. Por outro lado, surge o interesse dos comerciantes em manterem os seus níveis de venda e exercerem a sua atividade profissional. Releva ainda, em outro vértice, o eventual interesse do trabalhador que tem preferência por trabalhar aos domingos, por exemplo, ou que necessita de trabalhar neste dia. Por fim, até os interesses dos consumidores, privados do comércio aos domingos, são eventualmente de considerar na questão.


A questão não se coloca apenas em Portugal, mas também em vários países. Na Croácia, por exemplo, desde o ano passado, o comércio passou a poder abrir em apenas 16 domingos do ano – esta medida divide os sindicatos e os empresários. O impacto da lei parece manifestar-se sobretudo em relação aos proprietários de lojas de menor dimensão, que se queixam dos despedimentos realizados devido à quebra de receita.

 Um dos principais argumentos a favor do encerramento aos domingos é que a abertura apenas beneficia as grandes empresas do comércio. No entanto, os legisladores devem analisar com cuidado o impacto da medida aos pequenos comerciantes, que se encontram em posição de fragilidade. Será preciso ainda analisar em que medida a proteção acrescida aos trabalhadores também não passa, paradoxalmente, a ser entrave àqueles que apenas teriam a vontade ou a possibilidade de trabalhar aos domingos. Contra isto se argumenta que nenhuma restrição seria absoluta, subsistindo porventura algumas formas de comércio, em que se podiam inserir tais pessoas. Além disso, nenhuma decisão seria capaz de atender a todos os interesses em jogo. Dir-se-ia, pois, que esta medida, globalmente, seria a mais benéfica para o trabalhador, embora uma proteção acrescida traga consigo custos associados.


Noutro país europeu, como por exemplo, na Alemanha, o Ladenschlussgesetz (“Lei de Fechamento das Lojas”), de 1956, restringe as lojas de abrirem aos domingos e feriados. Apesar disso, atualmente, os estados federados alemães têm mais autonomia sobre essas regulamentações e muitas delas foram flexibilizadas após a pandemia, como medida de apoio ao comércio. Numa reportagem publicada pela DW, argumenta-se que os principais fatores dessas restrições incluem a influência das igrejas Católica e Protestante, dos sindicatos e a oposição das assembleias municipais. Uma questão trazida é a do aumento do comércio online, que tem agravado as vendas de lojas físicas, facto que poderia ser agravado por um fecho aos domingos. As situações, quer croata, quer alemã, são relevantes, porque permitem imaginar eventuais efeitos da ação no caso português.


Outra motivação social para esta redução pode ser o facto de permitir reduzir o consumismo e o estresse, devendo as famílias e a comunidade, em geral, encontrar outras atividades no seu tempo de lazer que não envolvam a ida às compras. Para além de contribuir para o bem-estar social, a diminuição do consumo de bens desnecessários ou supérfluos é ainda uma estratégia para reduzir o desperdício de recursos, contribuindo, indiretamente, para os objetivos climáticos.


Em suma, o projeto de lei tem em vista a consagração de uma garantia aos trabalhadores e a instauração de uma nova cultura no comércio, cultura esta já presente noutros países europeus. A eventual medida deveria ser ponderada à luz dos vários interesses que foram aqui referidos, bem como de outros  importantes, uma vez que tem potencial de ter grande impacto nas vidas dos cidadãos, dos trabalhadores e dos comerciantes.



Luiza Toniolo

Departamento Sociedade



[1] Projeto de Lei 197/XVI/1.

[2] A Constituição da República Portuguesa consagra um direito a grupos de pelos menos 20.000 cidadãos eleitores, verificados os requisitos, de apresentarem propostas de leis e de participarem no respetivo procedimento legislativo.


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