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  • Foto do escritorJosé Pedro Carvalho

Don't Forget Me, o álbum de Maggie Rogers

Lançado a 12 de abril de 2024, Don't Forget Me é o terceiro de álbum de Maggie Rogers – a compositora norte-americana, oriunda de Maryland. E, caso seja útil a alguém o estado mental com que me vejo a escrever esta review, falo de um indefetível deslumbramento pela bruta honestidade e espetacular destreza com que essa tapeçaria musical foi composta


Figura 1: Capa frontal do álbum "Don´t Forget Me"


Margaret Debay Rogers não é estranha a fazer bons álbuns… o anterior,  Surrender, apresentou uma artista completamente realizada musicalmente, que apontou para as estrelas e tentou fazer o melhor trabalho que, objetivamente, conseguia conjurar. Embora contenha uma escrita mais enigmática, é daqueles álbuns que, se encontrado no momento certo, sem dúvida será uma revelação, à conta da pura energia que coloca nos auscultadores. Enfim, pessoalmente, lembrar-me-ei sempre dele como o álbum que me ajudou a passar no exame de condução. Já o seu primeiro álbum, o Heard It In A Past Life, é uma demonstração de proeza na produção musical, provando que os famosos elogios que Pharrell Williams fez à, na altura, jovem estudante da New York University, foram mais que consequentes. Deste período antológico recomendo faixas como: The Knife, Together, ou Begging for Rain, verdadeiras hidden gems do seu vasto catálogo.


Feitas as mínimas introduções, é hora de passar ao álbum em si. Tem 10 músicas e pouco mais de meia hora de duração. Foi escrito e produzido pela Maggie e pelo produtor Ian Fitchuk (vencedor de vários Grammys pelo “Golden Hour” de Kacey Musgraves), no ilustre Electric Lady Studios, em Nova Iorque. O trabalho desenvolvido pelos dois músicos, originalmente, não percecionava a feitura de um álbum… tinham apenas duas sessões marcadas em estúdio, talvez, já tendo em conta uma índole de espontaneidade e criação explosiva que, magicamente, persistiu! Essas duas sessões foram alargadas, inclusive por iniciativa de Lee Foster, um dos proprietários do Electric Lady Studios que lhes ordenou – e passo a citar o que Maggie disse numa entrevista com o ícone Zane Lowe – “something spooky is going on, take the next day on me”


Figura 2: "Maggie Rogers e Zane Lowe", @AppleMusic, disponível no YouTube


O álbum, na verdade, foi essencialmente feito em cinco dias! E tudo, ou praticamente tudo, à primeira tentativa. Instintivamente, a compositora pensou nas canções por ordem crescente da tracklist, fazendo por dia, justamente, duas músicas. Se isto não é uma perfeita amostra de flow state, então, não sei o que será! “it was like we made live record with two people and even the lyrics (…), so much of this was just like pen to paper, finish the song before lunch”, comentou na entrevista com Zane Lowe. 


A It Was Coming All Along, enquanto primeira faixa, retira as camadas de indisponibilidade do ouvinte a este novo mundo, arrebatando-o com um hino sobre as perdas do crescimento. “(…) I feel like a deer in headlights when I turn on the TV. I keep wandering 'round my living room just wondering how we’re gonna survive. (…) Said there’s talking in the kitchen of selling my childhood home. And everywhere I look around, it seems we’re always saying goodbye.”. Quanto à segunda track, Drunk, apontei apenas que: “é a mitocôndria do álbum, pois expressa perfeitamente a euforia, não psicotrópica, mas consciente, que advém de sermos fiéis a nós mesmos”. 


A terceira canção, “So Sick Of Dreaming”, foi o segundo single a ser lançado e seria desrespeitoso chamar-lhe de earworm, pois é uma verdadeira borboleta cheia de alma. É enfatizada a índole menos diarística deste esforço artístico, ainda para mais com o delicioso enxerto de uma chamada telefónica fictícia, e, talvez, seja aqui mesmo que se começa a desenvolver a ideia de “mutual culpability and the ways two people contribute to loss”, parafraseando o que a cantora comentou à revista Dazed, que acompanha todo o álbum. Mas é na quarta track, a The Kill, que essa tal ideia relativa à dinâmica interrelacional atinge o seu apogeu. Com um padrão rítmico inspirado, diria, na Everybody Wants To Rule The World dos Tears for Fears, o que cola a música é uma inconspícua linha de baixo. Em termos de escrita, é uma verdadeira obra-prima adequada para fins pedagógicos: o ser humano adora imagens opostas e, aqui, o uso dos pronomes “you” e “I” é excelente, alternando de estrofe para estrofe, o que é quase tão satisfatório quanto a coda, onde finalmente emerge a terceira entidade, o “we”. “I couldn’t fill the shoes you laid down for me. From the ones that came before. I was all the way in. You were halfway out the door. Oh I was an animal making my way up the hill. And you were going in for the kill.”.


Marcando o fim do lado A, temos a If Now Was Then, com uma melodia estranhamente familiar, que soa a um bom regresso a casa em tons dourados e brisas suaves. A recentrar completamente o álbum, iniciando o lado B, temos a sexta faixa, I Still Do, “a” balada para enamorados desajustados, onde o piano, na mistura de som, se torna proeminente, apenas para dar destaque aos majestáticos vocais. 


A sétima track, On & On & On, é “quintessencial Maggie”: um hook fácil de memorizar; boas energias; vocais de arrebentar a escala; e letras de chorar por mais. “One day you’ll be looking back and maybe wish that you were kinder. But ain’t it always just the truth, oh, that hindsight makes you softer? I played it back a million times and always wish that I was wiser.”. Ainda a Never Going Home, aborda a sobreposição entre assertividade e confusão que advém de promessas incumpridas. O intuito só o saberá a artista, mas, tal como a Shatter do álbum anterior, tem um “alright” cantado “em modo de fala” deliciosamente inserido, que pode parecer simples, mas garanto que são estes os importantíssimos detalhes que definem um álbum!


De seguida, temos a música mais pequena da tracklist, e a que requer maior delicadeza interpretativa, a “All The Same”, que tanto diz… A fatalidade a que está reduzida uma relação romântica que apenas pode ser compreendida com o tempo. E raras são as vezes em que isso é instinto adquirido, mas apesar de ser esse aqui o caso: “Won’t you wait one more day? Give me the chance to wake up in a full romance. Just knowing that you chose to stay.”


Por fim, temos o primeiro single lançado, a faixa de título homónimo ao álbum, a “Don't Forget Me” – sintetização de tudo o que este álbum exsude… viver amando destemida e livremente, no meio da nossa falsa incompletude. “Give me (…) someone that’s nice to me.” é o mínimo aceitável; o que poderia ser uma súplica algo  entristecedora, como a própria Maggie pensa ser, e não é que discorde, mas “(…) promise me that when it’s time to leave, don’t forget me.” parece-me ser o contrapeso adequado que me faz apaixonar por esta canção, sempre que a ouço, e pelo álbum, sempre que o acabo



Figura 3: “Jonah Hill a introduzir a Maggie Rogers no SNL”, @MaggieRogersVEVO, disponível no YouTube

Relativamente ao processo de escrita, é de notar que a artista desembocou numa certa mestria orgânica que ainda não tinha reparado nos trabalhos dela. “it's like writing a novel, right? I feel like I was able to show some of my greatest truth by telling a story about someone else's life.”, comentou no Zane Lowe. Afinal, a honestidade e abertura espiritual fazem maravilhas para aguçar os lirismos, mesmo que, precisamente, não se trate de acontecimentos “nossos”. 


Este álbum é um comboio que nunca pára, fazendo-me lembrar a energia do melhor de Fleetwood Mac ou de Lucinda Williams (Right In Time, por exemplo). Assenta que nem uma luva para quem possa não ter o hábito de ouvir música por “álbuns”. Pessoalmente, andarei obcecado por ele, mas, eventualmente, vou-me apaixonar por outro som, quiçá, até da mesma artista, mas nunca, nunca me irei esquecer dele.  


José Pedro Carvalho

Departamento Cultural


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